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Bióloga do Piauí integra equipe de Nobel de Medicina: "Nunca desisti" (37 notícias)

Publicado em 18 de outubro de 2019

Por não ter estudos, Joana Carola Araújo foi demitida nos anos 90 de um banco em Teresina, capital do Piauí. A vida em uma casa simples, com dificuldades financeiras, porém, não impediu a menina Joanna Darck Carola Correia Lima, sua filha, de crescer com o suporte dos estudos.

E se tornar, 29 anos depois, a brasileira que integrou a equipe do dr. Peter Ratcliffe, pesquisador da Universidade de Oxford e um dos ganhadores do Prêmio Nobel de Medicina de 2019.

“Fui criada e educada unicamente pela minha mãe. Ela sempre foi e é meu suporte. Devo a ela todo esforço de me mostrar que a educação é a arma mais importante para obter o sucesso (embora ela não tenha tido essa chance). Mesmo com inúmeros problemas familiares e financeiros na infância, hoje vejo que foi muito mais fácil para mim do que para minha mãe: ela se esforçou muito para garantir que nunca me faltassem livros e lápis”, conta Joanna, ao R7.

Atualmente, Joanna está na Inglaterra, onde, na Universidade de Oxford, realiza uma espécie de estágio como parte do doutorado no ICB (Instituto de Ciências Biomédicas) da USP (Universidade de São Paulo), recebendo bolsa da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Após estudar em escola pública, se formou em Ciências Biológicas na UFPI (Universidade Federal do Piauí).

“Sempre gostei de estudar ciências naturais de modo geral. Por muito tempo eu fiquei em dúvida sobre qual curso gostaria de seguir, porém durante toda minha infância eu gostei de ensinar (lembro que tentava ensinar uma tia a escrever quando eu tinha 7 ou 8 anos), então decidi ser professora de Biologia”, conta.

Mudança para São Paulo

Talvez também como uma maneira de combater situações de “esvaziamento” na vida, ela se interessou em pesquisar a perda de peso de pacientes em tratamento contra o câncer. Mudou-se para São Paulo e fez mestrado a respeito do tema.

No doutorado que ela atualmente cursa, tem se aprofundado na chamada hipóxia, que tem relação com baixa oxigenação celular, que ocorre, além de em situações do dia a dia (como prática de exercícios) também em células cancerígenas. Isso a aproximou do dr. Ratcliffe. Ela estuda a caquexia, consequência da hipóxia, que é a perda de peso acentuada e involuntária que alguns pacientes com câncer podem desenvolver.

“Um exemplo disso é o Steve Jobs que teve câncer pancreático, desenvolveu caquexia e em poucos meses morreu. Dentro na nossa pesquisa no Brasil (coordenada pela professora Marilia Seelaender) identificamos alguns mecanismos importantes de hipóxia no tumor dos pacientes com caquexia que eram diferentes dos pacientes sem caquexia”, explica.

Ela conta o que a levou a procurar a equipe do dr. Ratcliffe.

“Na tentativa de aprender sobre o tema buscamos o professor sir Peter Ratcliffe. O trabalho que venho desenvolvendo no grupo não está relacionado com caquexia. Porém nosso objetivo em um futuro próximo é aplicar os conhecimentos adquiridos aqui e aplicar na nossa pesquisa no Brasil e assim trabalhar integrando os dois laboratórios, que têm focos de pesquisa completamente diferentes”, diz.

Joanna afirma que este trabalho do dr. Ratcliffe não é de agora, tem se desenvolvido ao longo de pelo menos 20 anos.

“A descoberta do professor doutor Ratcliffe abriu chances de inúmeros trabalhos importantes na ciência. Atualmente desenvolvo junto ‘um braço’ do trabalho com a pesquisadora principal do grupo dele, dra. Tammie Bishop”, ressalta.

Projeto de vida

Ao olhar para trás, ela vê com orgulho a sua trajetória. Mas não se sente acima dos outros por causa dela, garante. Pelo contrário. Sempre que pode vai a escolas estaduais para dar aula de Biologia. E aconselha os jovens a acreditarem em seu próprio potencial, independentemente das dificuldades. Ela diz que, neste momento, tem recebido inúmeras mensagens e quer aproveitar a oportunidade para incentivar pessoas.

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“Um dos meus projetos de vida, no qual quero investir no futuro, é seguir quebrando essas situações (de falta de estímulo) por todo Brasil. Outra questão importante que sempre conto para todos é que comecei a ter contato com o Inglês no meu mestrado, já aos 25 anos! Foi bem difícil, passei inúmeras situações engraçadas, que me causaram constrangimento e que serviram de incentivo e não como motivo para desistir. Nunca desisti”, lembra.

Mas a menina nascida em Teresina continua dentro dela, ao mesmo tempo agradecendo e aconselhando nos momentos de adversidade. É ela quem a ensina, ao fazê-la se lembrar de como tudo começou.

“O impossível para mim é algo que desperta interesse em conseguir. Hoje convivo com pessoas de uma classe social e econômica muito diferente da minha. Isso me fez refletir o quanto a desigualdade social é um buraco sem fim. Tenho inúmeros amigos biólogos e de outras áreas que considero muito mais brilhantes do que eu. Porém, por um outro lado, não tiveram ou passaram por minha experiência de, muitos anos atrás, largar tudo no Piauí, ir buscar uma oportunidade na melhor universidade do país e assim ir seguindo.”

Neste sentido, o norte está dentro de Joanna. E não foi hoje que ela aprendeu isso. Foi desde pequena, com ajuda da mãe, que passou a vender roupas e hoje é aposentada.

Além de suas descobertas científicas, seu maior ensinamento é o de mostrar que, para alguém vencer na vida, um dos segredos é intuir o professor que existe dentro de cada um, desde cedo. Sendo, ao mesmo tempo, um bom aluno.