Notícia

Correio Popular (Campinas, SP)

Bioinsumos: o controle de pragas de maneira natural (2 notícias)

Publicado em 20 de outubro de 2021

Essa notícia também repercutiu nos veículos:
Correio Popular (Campinas, SP) online

Ao preparar a comida em casa para a família ou ao sentar à mesa para saborear os mais diversos preparos, dificilmente alguém que não seja ligado ao agronegócio para e pensa sobre os desafios enfrentados para se produzir um alimento no campo, seja ele convencional ou orgânico.

No dia a dia, os produtores encaram circunstâncias relacionadas ao clima, às chuvas, à colheita, ao transporte, ao armazenamento e também às pragas que atingem as plantações. Muitas vezes, estas são o principal entrave para manter a produtividade e a qualidade dos alimentos, o que, consequentemente, pode significar grandes prejuízos.

Uma das maneiras de combater o problema é apostar no controle biológico ou bioinsumos nas lavouras, que nada mais é do que colocar na lavoura, de maneira controlada, um inimigo natural de determinada praga para que ele a elimine ou então reduza a quantidade dela naquela cultura.

Trata-se de uma alternativa eficaz, mais barata e sustentável, uma vez que esses bioinsumos permitem uma redução de até 70% da necessidade de usar os tradicionais agrotóxicos para controlar pragas - como o que acontece na cultura da cana-de-açúcar.

E tem mais. Além de favorecer o meio ambiente, a prática protege o trabalhador rural, que ele fica menos exposto a produtos químicos. E beneficia o consumidor, que acaba tendo acesso a produtos com menos agrotóxicos.

O Instituto Biológico (IB), um centro de pesquisa da Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo, tem diversos trabalhos nessa linha, que se destacam e já ajudam produtores não apenas de nossa região como também do Brasil afora.

Na unidade localizada na Fazenda Mato Dentro, em Campinas, são desenvolvidas pesquisas de Controle Biológico/Bioinsumos desde pelo menos a década de 1990. Temas de dissertações de mestrado e teses de doutorado, as pesquisas trazem constantemente evoluções que favorecem o combate às pragas.

Como explica o pesquisador científico José Eduardo Marcondes de Almeida, do IB, há várias cepas de fungos e bactérias que, primeiramente, são estudadas e selecionadas, de acordo com sua eficiência, inclusive, avaliando impactos à lavoura.

As cepas escolhidas são testadas e, se surtirem o resultado almejado, precisam ser registradas no Ministério da Agricultura, assim como todo produto ecológico e os agrotóxicos antes de chegarem às mãos dos produtores rurais.

O acesso a esses bioinsumos pode ocorrer por meio da comercialização feita por bioindústrias ou, então, o produtor pode cultivar esses "predadores do bem". "No caso do produtor orgânico, a lei permite que ele próprio produza os bioinsumos na sua propriedade. Para isso, ele deve busca treinamento. Mas a produção só pode ser voltada ao uso próprio. Não pode ser comercializada", ressalta.

Fungos do bem

A cultura da cana-de-açúcar foi uma das primeiras a ser beneficiada com os bioinsumos. Almeida conta que, desde quando o Estado de São Paulo proibiu a queima da cana, na segunda metade da década de 1990, surgiu uma praga chamada cigarrinha-da-raiz, caracterizada pela presença de uma espuma esbranquiçada. Do gênero Mahanarva fimbriolata, essa praga causou grande problema, principalmente para as usinas que produzem açúcar e álcool.

O IB, em parceria com a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), desenvolveu o programa de controle biológico empregando o fungo, o Metarhizium anisopliae, e fez seleções isoladas de cepas, visando controlar a praga. "A cepa IBCB 425, a mais eficiente, foi selecionada nesse programa e hoje é utilizada pela maioria das biofábricas do Brasil, que fazem a produção do fungo para comercialização por meio de arroz estéreo em saquinhos esterilizados", explica.

Esses bioinsumos ajudam mais de 400 mil hectares do Estado, que é um dos maiores produtores de cana do Brasil, a ficarem livres dessa cigarrinha-da-raiz. Em fazendas de municípios, como Piracicaba e Sertãozinho, por exemplo, o resultado da pesquisa do IB é aplicado e faz toda a diferença no cultivo da cana-de-açúcar.

Almeida revela, ainda, que além da cana, há bioinsumos que ajudam a controlar pragas em outros cultivos. "Os produtos biológicos desenvolvidos pelo IB são usados em pelo menos seis milhões de hectares, onde são plantados cana, soja, milho, algodão e hortaliças. São alternativas importantes que propiciam uma redução em até 70% o uso de produtos químicos, tornando o cultivo mais natural", complementa.

Como as pesquisas não param, a estimativa é a de que em breve sejam divulgados resultados positivos para controle do percevejo-marrom da soja e pragas do café, como broca-do-cafeeiro e bicho-mineiro do café.

Ácaros amigos

Esse processo de controle biológico, que no IB muitas vezes é resumido como "a natureza controlando a natureza", não se resume ao uso controlado de fungos para combater pragas. Os ácaros também podem realizar essa função.

O também pesquisador científico do IB, Mário Sato, trabalha com ácaros predadores no controle de outros ácaros e também de alguns insetos, o que tem sido muito eficiente nas culturas de morango na região de Atibaia e de flores ornamentais em Holambra.

Ele esclarece que em algumas culturas, como o morango, o ácaro rajado é o principal problema. "É um ácaro que ataca mais de mil espécies de plantas e 200 culturas. Ele faz um pouco de teia, mas o maior problema é que ele acaba perfurando as células e a folha perde clorofila e a capacidade de fotossíntese, além de aumentar a transpiração. Dependendo da infestação, pode matar a planta", explica.

Os estudos feitos nas plantações de morango mostraram que a eficiência pode chegar a 100%. Mas é claro que tudo depende da infestação desses ácaros-rajados. Se a liberação do predador for feita na fase inicial, é piossível o controle total dos ácaros-rajados em pouco tempo, mas se a infestação já estiver mais avançada, é preciso um tempo maior, de algumas semanas.

Em relação às plantações de flores, segundo Sato, o uso de ácaros predadores, começou nos cultivos de rosas e foi se estendendo a outras espécies, como gérberas e crisântemos. "Na verdade, é uma alternativa sustentável eficaz para as mais diversas culturas," frisa.

A bióloga Angelita Berto de Macena, que trabalhou no Sítio Palha Grande, em Holambra, conta que usou duas espécies de ácaros no cultivo de gérbera ao longo de três anos e conseguiu um controle de 90% do ácaro-rajado. "Na mesma proporção pudemos reduzir o uso de produtos químicos, que inclusive eram seletivos aos ácaros", relata.

Com a pandemia e o grande impacto nas vendas de flores, a produção de gérberas foi reduzida na propriedade e, por isso, deixou de lado o uso dos ácaros predadores, mas sabendo que quando a produção for retomada, a experiência anterior já define o caminho para ter flores de alta qualidade.

Tal como no caso dos bioinsumos com fungos, as pesquisas com os ácaros continuam e espera-se que em pouco tempo sejam registrados outros ácaros predadores que possam ser comercializados. A natureza e o homem agradecem!