"Flora Brasiliensis", a maior obra já produzida sobre a biodiversidade de plantas brasileiras, está prestes a ser resgatada das prateleiras de livros raros das bibliotecas para as páginas eletrônicas da internet. Cem anos após sua publicação, a histórica produção do naturalista alemão Carl Friedrich Philipp von Martius vai ganhar uma versão totalmente digitalizada, com direito a todas as ferramentas mais modernas de pesquisa online.
"É, sem dúvida, uma das obras mais espetaculares da história da botânica", declara o professor escocês George Shepherd, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), radicado no Brasil há mais de 30 anos. A coleção, dividida em 40 volumes, é ilustrada com 3.811 pranchas (desenhos) de aproximadamente 6 mil espécies de plantas. A obra completa, em latim, contém a descrição de 22.767 espécies, que representavam o conjunto de plantas conhecidas até meados do século 19.
Carl von Martius chegou ao Brasil ainda jovem, em 1817, como parte da Missão Austríaca que acompanhou a arquiduquesa Leopoldina ao País, para seu casamento como d. Pedro I. O levantamento da flora (parte do dote da futura imperatriz) foi feito ao longo de dois anos de expedições pelos principais biomas brasileiros.
Entre dezembro de 1817 e março de 1820, sempre acompanhado de alguns dos naturalistas mais importantes da época, Von Martius percorreu cerca de 10 mil quilômetros, da mata atlântica de São Paulo até alguns dos pontos mais remotos da floresta amazônica, passando pelo cerrado e pela caatinga. A cada passo, a equipe coletava amostras de plantas, que, ao final, seriam levadas de volta à Baviera (Alemanha) para identificação e classificação.
A conclusão do trabalho levou nada menos do que 66 anos, com a publicação final dos fascículos em 1906. Mesmo um século depois, a publicação não perdeu sua importância. "Não há como trabalhar com classificação botânica no Brasil sem consultar a Flora Brasiliensis", afirma Shepherd, que coordena a revisão botânica do projeto. "Até hoje, ainda é o único levantamento feito de toda a flora brasileira."
Toda, entre aspas, pois a biodiversidade de plantas do País continua desconhecida em sua maior parte - apesar do esforço monumental de Von Martius. Segundo Shepherd, as estimativas do número de espécies brasileiras variam entre 35 mil e 70 mil. "O Brasil é o país de maior biodiversidade do planeta, até onde sabemos. O que não sabemos é que é o problema." A biodiversidade de plantas no mundo é estimada em 100 mil espécies.
"Em muitos aspectos, o Brasil é o grande buraco negro do conhecimento da botânica", diz o biólogo Vanderlei Canhos, diretor do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), organização responsável pela criação e gerenciamento da versão digital da obra. "O conhecimento é pouco, e o pouco que sabemos não está organizado. Não temos nem uma lista nacional de espécies."
Difusão
A expectativa dos cientistas é que a digitalização da obra ajude a preencher esse buraco, tornando as informações mais acessíveis a pesquisadores e professores do mundo todo. A versão original da Flora Brasiliensis é um gigante literário de milhares de páginas do tamanho de uma folha de jornal - pouco adequado e caro demais para qualquer prateleira convencional. Uma única edição foi impressa, e a maioria das cópias está guardada em bibliotecas de livros raros - nada convencional para os botânicos que necessitam dela no dia a dia.
"Para muitos grupos de plantas, ela ainda é a única referência", explica Shepherd. As descrições e os desenhos superdetalhados da obra são essenciais para a identificação e classificação de plantas. Um dos principais desafios, entretanto, será a atualização dos nomes das espécies, muitas das quais tiveram sua classificação alterada nos últimos cem anos, com o advento da genética e a expansão do conhecimento.
A versão online será oficialmente lançada no dia 22, durante a oitava Conferência das Partes (COP 8) da Convenção sobre Diversidade Biológica, em Curitiba. Além da reprodução digital em alta resolução de todos os textos e desenhos, o portal será equipado com várias ferramentas de pesquisa que permitirão ao usuário fazer o cruzamento de dados com outros herbários digitais, bibliotecas científicas e até o banco internacional de genes.
O projeto, de R$ 425 mil, é patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Natura e Fundação Vitae. "A resposta principal sobre como proteger a biodiversidade não está tanto na legislação, mas no estudo e conhecimento dessa biodiversidade", disse o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz.
"É, sem dúvida, uma das obras mais espetaculares da história da botânica", declara o professor escocês George Shepherd, da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), radicado no Brasil há mais de 30 anos. A coleção, dividida em 40 volumes, é ilustrada com 3.811 pranchas (desenhos) de aproximadamente 6 mil espécies de plantas. A obra completa, em latim, contém a descrição de 22.767 espécies, que representavam o conjunto de plantas conhecidas até meados do século 19.
Carl von Martius chegou ao Brasil ainda jovem, em 1817, como parte da Missão Austríaca que acompanhou a arquiduquesa Leopoldina ao País, para seu casamento como d. Pedro I. O levantamento da flora (parte do dote da futura imperatriz) foi feito ao longo de dois anos de expedições pelos principais biomas brasileiros.
Entre dezembro de 1817 e março de 1820, sempre acompanhado de alguns dos naturalistas mais importantes da época, Von Martius percorreu cerca de 10 mil quilômetros, da mata atlântica de São Paulo até alguns dos pontos mais remotos da floresta amazônica, passando pelo cerrado e pela caatinga. A cada passo, a equipe coletava amostras de plantas, que, ao final, seriam levadas de volta à Baviera (Alemanha) para identificação e classificação.
A conclusão do trabalho levou nada menos do que 66 anos, com a publicação final dos fascículos em 1906. Mesmo um século depois, a publicação não perdeu sua importância. "Não há como trabalhar com classificação botânica no Brasil sem consultar a Flora Brasiliensis", afirma Shepherd, que coordena a revisão botânica do projeto. "Até hoje, ainda é o único levantamento feito de toda a flora brasileira."
Toda, entre aspas, pois a biodiversidade de plantas do País continua desconhecida em sua maior parte - apesar do esforço monumental de Von Martius. Segundo Shepherd, as estimativas do número de espécies brasileiras variam entre 35 mil e 70 mil. "O Brasil é o país de maior biodiversidade do planeta, até onde sabemos. O que não sabemos é que é o problema." A biodiversidade de plantas no mundo é estimada em 100 mil espécies.
"Em muitos aspectos, o Brasil é o grande buraco negro do conhecimento da botânica", diz o biólogo Vanderlei Canhos, diretor do Centro de Referência em Informação Ambiental (Cria), organização responsável pela criação e gerenciamento da versão digital da obra. "O conhecimento é pouco, e o pouco que sabemos não está organizado. Não temos nem uma lista nacional de espécies."
Difusão
A expectativa dos cientistas é que a digitalização da obra ajude a preencher esse buraco, tornando as informações mais acessíveis a pesquisadores e professores do mundo todo. A versão original da Flora Brasiliensis é um gigante literário de milhares de páginas do tamanho de uma folha de jornal - pouco adequado e caro demais para qualquer prateleira convencional. Uma única edição foi impressa, e a maioria das cópias está guardada em bibliotecas de livros raros - nada convencional para os botânicos que necessitam dela no dia a dia.
"Para muitos grupos de plantas, ela ainda é a única referência", explica Shepherd. As descrições e os desenhos superdetalhados da obra são essenciais para a identificação e classificação de plantas. Um dos principais desafios, entretanto, será a atualização dos nomes das espécies, muitas das quais tiveram sua classificação alterada nos últimos cem anos, com o advento da genética e a expansão do conhecimento.
A versão online será oficialmente lançada no dia 22, durante a oitava Conferência das Partes (COP 8) da Convenção sobre Diversidade Biológica, em Curitiba. Além da reprodução digital em alta resolução de todos os textos e desenhos, o portal será equipado com várias ferramentas de pesquisa que permitirão ao usuário fazer o cruzamento de dados com outros herbários digitais, bibliotecas científicas e até o banco internacional de genes.
O projeto, de R$ 425 mil, é patrocinado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), Natura e Fundação Vitae. "A resposta principal sobre como proteger a biodiversidade não está tanto na legislação, mas no estudo e conhecimento dessa biodiversidade", disse o diretor científico da FAPESP, Carlos Henrique de Brito Cruz.