Bem-estar animal (BEA) é uma das agendas que mais crescem no mundo. Para muitos, o tema deveria ser considerado como o quarto grande pilar da sustentabilidade, ao lado de preservação ambiental, equidade social e eficiência econômica.
Não é para menos que muitas pessoas abraçam propostas legítimas de BEA, como a proibição da caça predatória e a adoção de melhores práticas na criação, transporte e abate de animais. O pecuarista é, aliás, o maior interessado em BEA, pois é ele quem determina a produtividade e a longevidade dos rebanhos, que é a essência da atividade.
Mas infelizmente projetos de lei equivocados e dogmáticos vêm ganhando força de lei no Brasil, sem terem sequer passado por debate científico adequado.
O primeiro exemplo é a inclusão do javaporco em lei que proíbe a caça de animais em São Paulo, sancionada pelo Governador Marcio França no dia 28. Essa decisão será catastrófica não só para a atividade agropecuária como para todo o meio ambiente do estado.
O javaporco é fruto da ingenuidade e irresponsabilidade humanas. O erro nasceu com a introdução, pelos ingleses, do agressivo javali europeu no pampa argentino, visando a caça. Só que o bicho se cruzou com raças melhoradas do porco doméstico, seu parente, gerando um animal muito agressivo, voraz, extremamente grande e forte, não raro com mais de 300 kg.
Uma das espécies mais invasoras do mundo, o prolífico javaporco é destruidor contumaz de nascentes, áreas de preservação ambiental e plantações diversas, além de atacar o homem. Isso sem contar que esses ungulados podem transmitir a febre aftosa e o seu livre trânsito coloca em alto risco o rebanho bovino estadual, num momento em que estamos lutando para retirar a vacinação.
Exótico, sem predadores naturais, sem controle, com enorme capacidade de procriação e dispondo de alimento farto o ano todo, como é possível imaginar que essa história terá um final feliz? Foi por isso que em 2013 o Ibama classificou o javaporco como o único animal regulamentado com previsão de abate na natureza. A lei estadual que revê a diretiva do Ibama foi sancionada sem consulta à comunidade científica, inclusive desprezando estudos realizados no programa Biota da Fapesp.
O segundo exemplo é o projeto de lei (PL 31-2018) que proíbe o embarque de gado em pé para a exportação no estado de São Paulo. Se aprovado, o projeto impactará exportações de US$ 280 milhões por ano num mercado que chega a US$ 8 bilhões no mundo, no qual concorremos com Europa, Canadá, Austrália e México.
Por razões econômicas, sanitárias ou de bem-estar animal, seria mais lógico exportar carnes prontas para consumo, em vez de animais vivos. Contudo, a irracionalidade humana faz com que dezenas de países prefiram importar animais para engorda e abate local, complementando a oferta e adicionando valor no próprio país. Comparados ao Brasil, esses países produzem carne em piores condições de produtividade, qualidade e sanidade.
É fato que uma minoria vegana defende que o ser humano não deveria ser carnívoro e que essa cadeia produtiva deveria ser literalmente extinta. Mas a grande maioria da população do planeta quer consumir volumes crescentes de proteína animal, e de carne bovina em particular. A pergunta é: essa carne não deveria ser produzida nos locais que têm melhores condições de chuvas, pastagens, animais selecionados e processamento? Adianta proibir a exportação de gado do país que tem o maior rebanho comercial do mundo e com isso estimular a produção em países com condições ultraprecárias de produção e bem-estar animal? Essa matéria deve se limitar apenas ao país?
BEA é um assunto sistêmico global, que precisa ser discutido com dados corretos, ciência, estratégia e inteligência.
(*) Marcos Sawaya Jank é especialista em questões globais do agronegócio. Escreve aos sábados, a cada duas semanas.
(**) Roberto Hugo Jank Junior é pecuarista e vicepresidente da Associação Brasileira dos Produtores de Leite (Abraleite). Email: robertojr@agrindus.com.br
Artigo do Jornal “Folha de São Paulo”, Caderno Mercado