Há dez anos, falecia em São Paulo a pianista argentino-brasileira Beatriz Balzi, que, à parte ter sido reconhecida como excelente intérprete do piano erudito, foi professora de inúmeros artistas da atualidade e grande divulgadora da música latino-americana para piano. Balzi estudou e se apresentou em recitais com músicas de compositores latino-americanos jovens e consagrados, muitas vezes em primeira audição, por cerca de quarenta anos (desde a década de 1960). Infelizmente, tal prática não teve muitos seguidores desde sua morte, em 14 de novembro de 2001, vítima de câncer.
Beatriz Balzi nasceu em Buenos Aires, em 1936, e imigrou para o Brasil com a família em 1960. Nos dois países, teve acesso a músicos e compositores que marcaram sua geração: na Argentina, foi aluna de piano de Vicente Scaramuzza (também professor de Martha Argerich e Daniel Baremboim, entre outros) e de composição de Alberto Ginastera. No Brasil, estudou piano com José Kliass e composição com Camargo Guarnieri.
Em 1976, foi convidada por Anna Stella Schic e Michel Philippot para integrar o quadro de professores do departamento de música da Universidade Júlio Mesquita Filho, a Unesp, dando aulas de piano que enfocavam, principalmente, a música contemporânea. Nessa época, a pianista decidiu-se definitivamente pela carreira de intérprete e professora, abandonando os cursos de composição.
A urgência em ser útil sempre direcionou a vida pessoal e profissional de Beatriz Balzi. Essa postura a levou a abraçar o repertório que surgia na segunda metade do século XX - com sua escrita não convencional e técnicas de performance mais experimentais ainda -, em uma época em que poucos .intérpretes e professores se dispunham a fazê-lo. Percebendo seu conhecimento e seu interesse pelo assunto, vários compositores passaram a lhe enviar peças para que ela as divulgasse.
Beatriz naturalizou-se brasileira em 1982. Mas sua atividade pianlstica e as antigas amizades a levaram a tocar, ministrar cursos e participar de festivais na Argentina regularmente. Não tardou para que percebesse os muitos pontos em comum que a música brasileira tinha com a argentina, atraindo sua curiosidade para as composições dos outros países da América Latina. Foi quando percebeu a escassez de material disponível, tanto em relação a partituras como no âmbito histórico e analítico.
Visando preencher essa lacuna, Beatriz Balzi passou a pesquisar o que havia de relevante na música latino-americana para piano em festivais e encontros acadêmicos. E resolveu criar um registro sonoro desse universo, para que outros pudessem desfrutar de suas gratificantes descobertas. Assim nasceu a série intitulada Compositores Latino-americanos, projetada para conter ao menos uma composição de cada país da América Latina. Beztriz chegou a gravar obras de treze países em sete álbuns, quando a doença a surpreendeu organizando as peças do oitavo número da série. O piano latino-americano deu adeus a sua parceira fiel e ressente-se até hoje da falta de empreitadas como a de Beatriz Balzi.
Para quem quiser mergulhar no repertório erudito para piano produzido entre 1900 e 2000 na América Latina, Beatriz Balzi deixou gravações dos mais variados estilos, técnicas e gêneros. Sua produção abarca representantes do nacionalismo musical de quase todos os países do continente e não para por aí, apresentando peças atonais, dodecafônicas, peças para piano preparado e algumas que aproximam o erudito e o popular - como as do cubano Ernesto Lecuona ou do paraguaio Juan Carlos Moreno Gonzalez.
Além das gravações, Beatriz preparava encartes para os CDs com dados biográficos dos compositores e explicações sobre as obras registradas, constituindo assim fonte de informação da mais alta qualidade. Até as capas eram cuidadosamente criadas para este fim por seu irmão Juan José Balzi, artista plástico de renome.
Entre os brasileiros registrados estão os compositores Amaral Vieira, Aylton Escobar, Cacilda Borges Barbosa, Calimério Soares, Camargo Guarnieri, Edino Krieger, Edmundo Villani--Côrtes, Edson Zampronha, Eduardo Escalante, Ernst Mahle, Eunice Katunda, Gilberto Mendes, Marcos Câmara de Castro, Marisa Resende, Nilson Lombardi, Osvaldo Lacerda, Rodolfo Coelho de Souza e Sérgio Vasconcellos Corrêa.
Que seu testemunho inspire os intérpretes do novo milênio...
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Eliana Monteiro da Silva é pianista e doutoranda em música na ECA-USP sob orientação de Amílcar Zani Netto. Sua pesquisa de doutorado, com bolsa Fapesp, enfoca a música latino-americana para piano gravada por Beatriz Balzi. É autora do livro Clara Schumann: compositoraxmulher de compositor.