O governo brasileiro espera aumentar de 1,22% para 1,5% do PIB brasileiro os investimentos na área de ciência e tecnologia em 1999, segundo o Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT). No Brasil, 70% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento são feitos por instituições do governo; 30%, por empresas privadas. Mas como é a relação entre os pesquisadores, que fazem as descobertas e invenções, e as universidades e instituições públicas para as quais trabalham? Existe uma política de proteção à propriedade intelectual e transferência de tecnologia dessas instituições para as empresas na forma de novos produtos?
Não existe uma política global. "Somente a partir da vigência da nova Lei de Propriedade Industrial, em 1996, se tornou possível o compartilhamento de royalties entre instituições públicas de pesquisa e seus pesquisadores", diz Simone Scholze, assessora do Ministro da Ciência e Tecnologia José Israel Vargas. Até o momento, somente algumas instituições e universidades públicas implantaram algum tipo de assessoria aos docentes-inventores, entre elas a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), Petrobrás, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), Centro de Pesquisas (Cenpes) da Petrobrás, Universidade de Campinas (Unicamp), Universidade de São Paulo (USP) e Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), embora de forma ainda desigual. "A formação de uma cultura institucional de propriedade intelectual nos institutos públicos de pesquisa brasileiros é ainda uma preocupação recente", afirma Simone. Fernando Peregrino, diretor executivo da Fundação COPPETEC, responsável pelo assessoramento dos docentes pesquisadores na UFRJ, completa: "a falta dessa cultura está na raiz do desenvolvimento econômico e industrial brasileiro baseado na importação de tecnologia e bens de capital."
Algumas instituições, segundo Simone, estão em estágio avançado na assessoria aos seus pesquisadores. A Fiocruz com a Coordenação de Gestão Tecnológica (Gestec) da Fiocruz e a Embrapa com a Secretaria de Propriedade Intelectual (SPI), por exemplo. As duas cuidam de todo o processo de patenteamento — da invenção feita pelo pesquisador, passando pelo pedido e acompanhamento do processo de patente junto ao Instituto Nacional da Propriedade Intelectual (INPI), até a transferência dessa tecnologia para empresas interessadas na sua utilização.
Essa postura exemplar e fruto de uma necessidade recente. Na Fiocruz, a demanda por esse tipo de trabalho começou em 1988, levando a instituição a se aperfeiçoar. "Hoje, outras universidades pedem auxilio e consultoria para a Fiocruz na área de propriedade intelectual", diz Claudia Chamas, assessora da presidência e da área de propriedade intelectual. E na Embrapa a nova lei de patentes foi a responsável pela mudança. "Até dois anos atrás não havia uma política de auxílio aos pesquisadores, ela só veio a existir devido a nova lei de patentes de 1996", diz Elza Brito da Cunha, diretora da Embrapa. A nova lei, segundo Newton Silveira, professor de direito comercial da Faculdade de Direito da USP e proprietário do escritório de marcas e patentes Cruzeiro/Newmarc, é uma das mais modernas do mundo.
Nas universidades, o tipo de assessoria prestada aos docentes inventores varia bastante. A USP, com um orçamento anual de quase 900 milhões de reais, tem o Grupo de Assessoramento ao Desenvolvimento de Inventos (GADI), criado em 1986. Este, apesar de fazer a tramitação e acompanhamento do processo de patente junto ao INPI, não se encarrega da transferência dessa tecnologia, "Atualmente esta iniciativa é tomada pelo próprio docente-inventor no decorrer do seu projeto, em função de interesses gerados no decorrer ou após a conclusão do mesmo", diz Paulo Gil, coordenador técnico do Gadi. Mas desde o dia 14 de setembro, o Gadi é subordinado à Coordenadoria Executiva de Cooperação Universitária e Atividades Especiais (CECAL). E, segundo seu diretor Guilherme Ary Plonsky, "o futuro Gadi, reformulado, deverá estar apto a dar total suporte aos pesquisadores e às empresas no licenciamento de patentes e comercialização de tecnologias. E estamos esperando concluir esse processo até abril do ano que vem".
Uma maior preocupação com a propriedade intelectual e transferência de tecnologia dentro das instituições públicas vem de 1981, quando o CNPq implantou treze núcleos de inovação tecnológica, propriedade industrial e transferência de tecnologia para assistir às universidades e instituições públicas, e seus pesquisadores, entre elas Unicamp, USP e IPT. Mais de dez anos depois, em 1994, a USP criou o Programa de Treinamento para Capacitar Gestores da Cooperação Universidade e Empresa (Proteu) para treinar pessoas no reconhecimento, planejamento e gerência do relacionamento entre universidade e empresa. "No início da década de 90, o tema era crítico e, com o apoio da FINEP, a USP criou o Proteu, que reúne 30 pessoas durante uma semana", diz Plonsky. Mas segundo Chamas, Scholze e Peregrino o resultado desses esforços ainda é incipiente. E o último completa: "o pesquisador brasileiro ainda não tem consciência de seu trabalho".
Para Plonsky, havia um grande desconhecimento dentro da USP da nova lei de propriedade intelectual, falha a ser corrigida com um processo mais ativo de informação por parte do Gadi. Além disso, segundo Peregrino, somente 5% das patentes concedidas estão na literatura, o resto está "perdido" no banco de dados do INPI.
Foi somente no inicio da década de 90, por exemplo, que a Unicamp começou a prestar assessoria formal aos seus docentes-inventores, segundo o diretor executivo do Escritório de Difusão e Serviços Tecnológicos (Edistec) Eduardo Douglas Zampieri. Entretanto, a Unicamp parece estar trabalhando de modo mais completo que a USP, com o Edistec fazendo todo o processo de patenteamento e comercialização de tecnologia proveniente de patenteamento
A falta de uma política mais ativa nas instituições e universidades públicas brasileira se reflete no número de patentes concedidas a elas, em compararão com os números das universidades americanas. Somente em 1996 foram concedidas ao Massachussets Institute of Technology (MIT), nos Estados Unidos, 113 patentes. No Brasil, a USP teve nove patentes concedidas, desde 1986; a Unicamp, quinze, desde 1988; a Fiocruz, oito, desde 1995; a UFRJ, nove, desde 1982; e a Embrapa, cinqüenta e três, desde 1973. Números muito pequenos, considerando a importância dessas instituições e universidades no cenário nacional.
Unicamp, USP e UFRJ são exemplos da situação brasileira na área de ciência e tecnologia. Existe competência, mas a produção tecnológica é pequena em relação à demanda do país. Os motivos foram decorrentes da falta de sincronia entre a importação de tecnologia e o desenvolvimento de tecnologia nacional.
Uma exceção é o Setor de Comercialização de Tecnologia (Secont) do Centro de Pesquisas (Cenpes) da Petrobrás com 322 patentes concedidas, no Brasil, desde 1971. "O patenteamento é feito para defender o interesse corporativo da Petrobrás, e, agora, devido ao decreto que possibilita a remuneração dos pesquisadores, está sendo estudada uma premiação para eles", diz Aloiso Felix da Nóbrega, gerente do Secont. Na comercialização das patentes a Petrobrás é mais reticente. "O licenciamento de tecnologia é um atividade passiva na Petrobrás. É preciso uma empresa interessada na comercialização procurar a Petrobrás e, mesmo assim, existem patentes com valor estratégico que não são comercializadas", diz Nóbrega.
Falta, igualmente nas universidades e instituições públicas o alto grau de profissionalismo necessário a este tipo de serviço. "Temos escassez de profissionais, pois no Brasil não existe nenhum curso de especialização na área. As pessoas que trabalham com propriedade intelectual dentro das universidades e instituições públicas não possuem, em geral, especialização na área", diz Chamas. No mês de setembro, este quadro começou a mudar. Entrou em vigor a portaria assinada pelo ex-ministro Francisco Dornelles, em março deste ano, que restitui a profissão de Agente da Propriedade Industrial. "A partir dessa data todas as pessoas que queiram trabalhar como agentes da propriedade industrial e que não são advogados terão de fazer um teste na ABAPI (Associação Brasileira de Agentes da Propriedade Industrial). Exceção feita àqueles que já trabalhavam como agentes antes desta data", diz Newton Silveira.
A utilização indevida de uma patente é outro aspecto que preocupa as universidades e instituições públicas, mas, para Peregrino, a comercialização da patente é sua melhor defesa. "Aprendi em todos esses anos que não adianta ter uma patente sem licenciá-la."
Na busca de uma visão global da situação brasileira, a Fiocruz, em parceria com o Ministério de Ciência e Tecnologia, está preparando um questionário para universidades federais e instituições de pesquisa que visa definir o estado da relação docente-inventor e universidade, e da transferência de tecnologia da universidade para empresa. Os dados devem estar consolidados até metade de 1999, mas para Chamas, responsável pelo projeto na Fiocruz, o resultado não será animador. "A nossa grande expectativa é de encontrar uma situação de penúria."
Notícia
Gazeta Mercantil