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A Tribuna (Santos, SP) online

Baixada Santista é uma das áreas do Litoral de SP mais suscetíveis a ressaca, inundações e avanço do nível do mar (8 notícias)

Publicado em 14 de julho de 2024

"Compressão costeira leva à perda de biodiversidade, à diminuição da proteção natural contra tempestades e à redução da capacidade dessas áreas de sequestrar carbono e filtrar poluentes", diz estudo

Arminda Augusto

A urbanização intensa das zonas costeiras do Estado, com a construção de estruturas artificiais como muros, muretas, quebra-mares, píeres para atracamento de embarcações e residências, além das ocupações irregulares, aumenta a vulnerabilidade dessas construções diante de eventos extremos da natureza, como ressacas, avanço do nível do mar, inundações e erosão. O Litoral Paulista possui 245 quilômetros de estruturas artificiais na linha de costa, o que equivale a três vezes a distância entre São Paulo e Santos.

Os dados fazem parte de um estudo conduzido por pesquisadores do Instituto do Mar da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), liderado pela professora Aline Martinez, com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa (FAPESP) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Seus resultados, inéditos, foram publicados há duas semanas na revista científica Anthropocene Coasts e destacam a necessidade urgente de ações para uma gestão costeira sustentável e resiliente. No estudo, esse processo é definido como endurecimento costeiro.

Os pesquisadores mapearam mais de 2 mil quilômetros da linha costeira do Estado, do Litoral Norte a Cananeia, para quantificar a extensão de estruturas artificiais. Concluíram que 80% delas são de muros de contenção, muretas, quebra-mares e atracadouros para embarcações. Desse percentual, 63% estão na Baixada Santista, a região mais urbanizada. “Embora essas estruturas sejam úteis para nossas atividades diárias, elas causam grandes impactos ambientais, como a perda de habitats naturais e de biodiversidade, além de serviços ecossistêmicos essenciais” explica a pesquisadora Aline Martinez.

André Pardal, coautor da pesquisa e aluno de pós-doutorado da Unifesp, completa: “Nossa intenção não é propor a remoção das estruturas, até porque dependemos delas para muitas atividades diárias, como o sistema de balsas, o cais do Porto e tudo o que ele representa para a economia. O que estamos sugerindo é construir essas estruturas da forma mais amigável possível. Já existe, inclusive, a ecoengenharia marinha, que serve a sociedade, mas mantém a biodiversidade e os ecossistemas”.

Pelo mundo

O estudo destaca: “Esse processo também vem se intensificando em países em desenvolvimento, e a tendência é que ele se intensifique ainda mais devido às mudanças climáticas, que têm provocado aumentos no nível do mar e a ocorrência de ressacas, causando inundações e destruição das orlas. Isso tem resultado em um processo de compressão costeira, no qual os habitats costeiros são reduzidos ou ‘comprimidos' devido à combinação de aumento do nível do mar e construção de barreiras artificiais, como diques e estradas”.

Pesquisadores dimensionam risco climático

O estudo também revelou que mais de 300 quilômetros da costa paulista têm ocupações humanas em áreas vulneráveis: 235 quilômetros perto de praias e 67 quilômetros próximos a manguezais e margens estuarinas. Isso significa que mais de 25% da linha costeira “mole” do Estado possui populações humanas e infraestrutura urbana em áreas altamente suscetíveis a riscos climáticos.

A pesquisa ainda mostra que 55% da extensão de praias do Litoral de São Paulo possui áreas urbanizadas a apenas 100 metros de distância da faixa de areia. Na Baixada Santista e no Litoral Norte, essa condição sobe, respectivamente, para 81% e 74% das praias.

“Manguezais e vegetações como as restingas são nossa primeira linha de defesa contra o impacto das ondas e o avanço do mar. Com as mudanças climáticas, preservar essas vegetações é crucial para proteger cidades costeiras, pessoas e atividades econômicas”, explica o pesquisador André Pardal.

“Projeções indicam que praias podem recuar até 100 metros, até o fim do século, devido ao aumento do nível do mar e à erosão. O intenso processo erosivo já observado em Ilha Comprida, por exemplo, pode se tornar comum em todo o Litoral paulista nas próximas décadas,” diz.

Além de Aline Martinez e André Pardal, integrou a equipe de pesquisadores o professor Ronaldo Christofoletti, coordenador do Programa Maré de Ciência, da Unifesp, e presidente do Grupo de Especialistas em Cultura Oceânica da Unesco. (AA)