Introdução
A tomografia computadorizada (TC), método de imagem em expansão ainda incipiente no nosso meio, veio para incrementar o diagnóstico, fornecendo in formações valiosas e complementares às obtidas pelos exames radiográficos convencionais, por produzir imagens secionadas de uma região do corpo, apresentar uma grande sensibilidade a pequenas diferenças de atenuação dos raios-X e ser isenta de sobreposição de estruturas. Na avaliação da discopatia, a TC associada com a mielografia é considerada superior à mielografia convencional na localização de compressão medular e é de extrema valia para o direcionamento cirúrgico
Tomografia computadorizada
A idealização da TC foi decorrente da dificuldade de se documentar uma estrutura oculta dentro da cavidade craniana. Suas bases se referenciam em instrumentos matemáticos de reconstrução de um objeto por múltiplas projeções, utilizadas desde a primeira metade deste século, principalmente em astronomia.
A invenção do método é atribuída a Godfrey Newbold Hounsfield, um engenheiro inglês da empresa EMI, que iniciou seus trabalhos no final da década de 1960 e em 1973 apresentou os primeiros resultados clínicos, juntamente com o neurorradiologista Ambrose, num congresso radiológico. Em um es tudo independente, Allan Cormack, um médico sul-africano, trabalhando na Tufts University, Massachusetts, chegou às mesmas conclusões, sendo que ele e Hounsfield foram agraciados com o Prêmio Nobel de Medicina por sua contribuição para a medicina e a ciência".
A TC é um método de diagnóstico por imagem que produz cortes secionais de uma região do corpo fazendo o uso de raios-X e computadores, com a vantagem, sobre a radiografia convencional, de apresentar uma grande sensibilidade a pequenas diferenças de atenuação dos raios-x e ser isenta de sobreposição de estruturas
Um tomógrafo é formado por um gantry - no interior do qual estão localizados em posições opostas o emissor do feixe de raios-X e os detectores que gira 180° ou 360° em torno do paciente (dependendo da geração a que o aparelho tomográfico pertença) para obter a imagem. Uma mesa motorizada faz avançar o paciente através do gantry. Os cortes são realizados quando o tubo de raios-X gira ao redor do paciente. A mesa é movimentada pelo computador do tomógrafo, que também controla a espessura dos cortes e os intervalos entre eles. O gantry pode ser inclinado, quando necessário, para ajustar a angulação do corte através da região anatômica de interesse. Os detectores posicionados do lado oposto do tubo de raios-X registram a quantidade de radiação que atravessou o paciente. O operador que comanda o tomógrafo controla a técnica, a kilovoltagem (kV) e a miliamperagem (mA), a espessura/intervalos dos cortes, o tamanho da área a ser examinada, o tamanho da imagem a ser exibida, o número de cortes e o tempo de aquisição de imagem.
Em relação às imagens, existe uma convenção para traduzir os valores de voltagens detectados em unidades digitais. Dessa forma, temos valores que variam de -1000, onde nenhuma voltagem é detectada (o objeto não absorveu praticamente nenhum dos fótons de raios-X e se comporta como o ar); ou um valor muito alto, algo como +1000 ou mais, caso poucos fótons cheguem ao detector (o objeto absorveu quase todos os fótons de raios-X). Sendo assim, a escala correlaciona valores com os tons de cinza, onde -1000 é mais escuro, o é um cinza médio e + 1000 ou mais é bem claro. Os operadores podem ajustar o contraste (abertura de janela) e o brilho (nível da janela) das imagens de acordo com a necessidade de melhor visibilização dos tecidos de interesse. A mesma imagem pode ser visibilizada com diferentes ajustes da janela, de modo a evidenciar as diferentes estruturas de cada vez, permitindo, por exemplo, o estudo dos ossos com distinção entre cortical e medular óssea ou o estudo das partes moles correspondentes. O uso de uma só janela para avaliar estruturas com atenuações diferentes pode levar a erros de interpretação Uma vantagem da TC sobre a radiologia convencional é o contraste superior dos tecidos. Isso é denominado resolução de contraste e consiste na habilidade de detectar diferenças na composição dos tecidos. Os filmes e écrans convencionais podem perceber diferenças no teci do de atenuação dos raios-X de menos de 5%, enquanto a TC percebe diferenças bem menores de 1% ou menos.
Como na radiografia convencional o que está sendo analisado são diferenças de densidade, estas podem ser medidas em unidades Hounsfield (UH). Para descrever diferenças de densidade entre dois tecidos é utilizada uma nomenclatura semelhante à utilizada na ultrassonografia: isoatenuante, hipoatenuante ou hiperatenuante. Isoatenuante é utilizada para atenuações tomográficas semelhantes; hipoatenuante, para atenuações menores do que o tecido considera do padrão; e hiperatenuante, para atenuações maiores que o tecido padrão L8 Geralmente, o órgão que contém a lesão é considerado o tecido padrão ou, quando isso não se aplica, o centro da janela é considerado isoatenuante.
Indicações
A aplicação mais comum da TC para avaliação da coluna vertebral inclui a suspeita de doença de disco intervertebral, estenose espinhal e massas vertebrais. A TC é frequentemente menos sensível que a ressonância magnética para discriminação de tecidos moles dentro do canal vertebral. Entretanto, a TC é mais sensível que a ressonância magnética para calcificação de partes moles, osteófitos e alterações degenerativas nos processos articulares .
E essencial que a lesão seja estudada previamente por exame neurológico e radiográfico simples e/ou mielografia, tendo em vista que o exame tomográfico deve ser realizado em um local pré- estabelecido e não percorrer toda a coluna vertebral. Quando corretamente utilizada, a TC complementa as radiografias padrão e não as substitui, sendo essencial em todos os casos que ela seja precedida por esses exames.
Técnica tomográfica
As imagens tomográficas podem ser obtidas em dois planos básicos: o transversal (perpendicular ao maior eixo do corpo) e o dorsal (paralelo à sutura coronal do crânio). Depois de obtidas as imagens, os recursos computacionais podem permitir reconstruções no plano sagital ou reconstruções tridimensionais em aparelhos mais avançados, que também podem apresentar imagens coloridas . Para a realização do exame tomográfico da coluna vertebral preconiza-se a utilização do decúbito esternal ; entre tanto, o decúbito estemal pode ser utilizado para o segmento cervical e o de cúbito dorsal na realização dos segmentos torácico, lombar e lombossacro, para minimizar os artefatos de moção relacionados com a respiração . E importante que a região de interesse esteja orientada perpendicularmente ao plano de corte. O posicionamento oblíquo pode dar margem a um falso diagnóstico positivo de assimetria anatômica .
Os pacientes devem ser colocados no plano anestésico de rotina para que se possa colocá-los no posicionamento exato e para que os artefatos de moção sejam minimizados. E recomendável que os cortes sejam realizados incluindo um espaço intervertebral cranial e caudal ao local da lesão de interesse. É preferível que sejam realizados cortes de pequenas espessura da lesão quando está for bem localizada (1,5mm), ou cortes mais espessos (3mm), quando há necessidade de avaliar um segmento maior da coluna vertebral. Como alternativa, alguns cortes podem ser feitos através de múltiplos espaços intervertebrais, omitindo segmentos dos corpos vertebrais que não sejam desejados.
Tomografia computadorizada x mielografia na avaliação da discopatia
A anatomia óssea da coluna vertebral pela TC é retratada com excelente detalhamento. Os discos intervertebrais e ligamentos não são consistentemente visibilizados. A gordura epidural é vista como hipoatenuante em relação às estruturas da medula espinhal. O saco dural,que consiste em medula espinhal, vasos sanguíneos e meninges, aparece como uma estrutura oval uniforme com atenuação de partes moles.
A discriminação desse conteúdo não pode ser feita.
A TC sem contraste não é considerada valiosa na diferenciação de estruturas com atenuação de partes moles da medulas espinhal a não ser quando se verifique a presença de gordura epidural - e não é capaz de discriminar deformidade reversível de atrofiada medula. Por esse motivo, quando a TC é utilizada para avaliar a medula espinhal, é frequentemente necessária a injeção de contraste iodado no espaço subaracnoide ao mesmo tempo, porque a medula espinhal não pode ser claramente individualizada de outras estruturas com a mesma atenuação das imagens tomográficas simples Assim sendo, na avaliação dessas afecções, a TC é considerada pouco vantajosa sobre a mielografia convencional Entretanto, a TC associada com a mielografia é considerada superior à mielografia convencional na localização de compressão medular assimétrica por possibilitar que a avaliação do espaço subaracnoide e das anormalidades extra durais seja mais detalhada - e por isso é de extrema valia para o direcionamento cirúrgico.
A presença de material de disco herniado calcificado no canal vertebral é aparente mesmo sem a injeção de contraste no espaço subaracnoide ou intravenoso Há várias vantagens na utilização da TC sem o meio de contraste na identificação de hérnias de disco. E uma técnica diagnóstica não invasiva, livre das complicações que podem ocorrer na mielografia com o meio de contraste. O tempo gasto no diagnóstico também é um fator positivo para animais sob anestesia geral, minimizando o tempo de anestesia. O material de disco calcificado pode ser claramente visibilizado nas imagens tomográficas; entre tanto, o material de disco herniado com características de atenuação de partes moles não pode ser evidencia do nas imagens de TC sem contraste
Cada vez mais a TC é utilizada na medicina veterinária para esclarecer acha dos ambíguos obtidos na mielografia convencional, particularmente quando há edema medular. Nesse caso, a TC pode discriminar lesão intramedular primária de causas extradurais de edema e ajudar na determinação definitiva da localização da hérnia de disco, sendo importante na documentação de extrusões de disco laterais, tanto no homem como no cão" A utilização de menor quantidade de contraste iodado no espaço subaracnoi de pode também fornecer sensibilidade para a TC, minimizando os efeitos colaterais do meio de contraste.
A TC é ainda de grande valia em casos em que ocorre uma interrupção completa ou incompleta do meio de contraste à mielografia. A melhor resolução da TC possibilita a visibilização de menor quantidade de meio de contraste no espaço subaracnoide que pode ser encontrado posteriormente ao ponto da interrupção indicado pela mielografia.
A TC associada com mielografia também tem sido utilizada para avaliar a eficácia da descompressão medular e as mudanças na forma da medula após a remoção da lesão compressiva. Essa modalidade de imagem tem sido considerada importante, por fornecer mais informações que a mielografia convencional pós-operatória"
Em comparação com a TC, a mielografia convencional é mais vantajosa por fornecer uma imagem panorâmica da coluna vertebral e facilitar a avaliação da natureza dinâmica da lesão.
A utilização da TC ainda é restrita a algumas instituições de ensino e a poucos centros particulares de diagnóstico. O custo e a falta de disponibilidade do método para o uso efetivo no diagnóstico de hérnias constituem fatores limitantes para muitos veterinários, principalmente nos casos de hérnias agudas que necessitem de cirurgia imediata.
Considerações finais
A TC, quando associada aos exames radiográficos simples e à mielografia prévios para o direcionamento do exame, constitui uma ferramenta importante no diagnóstico das discopatias, por fornecer informações precisas quanto ao grau de compressão medular, à localização e à extensão da lesão, sendo mais precisa que a radiografia convencional na avaliação de extrusões calcificadas e na ausência ou diminuição da quantidade de meio de contraste. Portanto, exames radiográficos simples. mielografia e TC se complementam, fornecendo informações e orientações preciosas para o planejamento clínico-cirúrgico.
Agradecimentos
A Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) pela bolsa concedida (Processo n° 04/11048-5).