"Aprendi a admirar Roberto Carlos", declara com humildade a catarinense Maíra Zimmermann, 31, autora do livro "Jovem Guarda: moda, música e juventude" (Editora Estação das Letras e Cores). A obra foi censurada pelos advogados do Rei, que notificaram extrajudicialmente a autora e a editora no mês passado, sob a alegação de que a ilustração da capa faz uso indevido da imagem do cantor e o texto traz detalhes da sua intimidade. Lançado no dia 4 de abril, o livro é resultado da pesquisa acadêmica realizada por Maíra para sua dissertação de mestrado em moda, cultura e arte e trata do estilo de vida da juventude rebelde brasileira dos anos 1960.
"Todo o estudo é baseado em como a mídia construiu um discurso dos personagens da Jovem Guarda", afirma a historiadora, que utiliza fontes primárias, como jornais e revistas, para suas pesquisas. "Roberto Carlos aparece como parte do contexto de jovens que são colocados como ídolos e em como eles fazem parte da construção de uma identidade. Se existe menção a esses artistas, é no sentido público", esclarece.
A obra foi publicada com apoio da Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo), com uma tiragem mil exemplares, à venda na página na internet da editora e da livraria Cultura em São Paulo, além da distribuição para algumas livrarias do país. Na notificação, os advogados pedem a interrupção da venda e o recolhimento dos exemplares à disposição.
"Foi inesperado", afirma a autora. Ela deixa claro que a intenção não foi desenterrar fofoca. "O livro é uma pesquisa séria, tem fundamento", assegura. Desde a graduação na UFSC (Universidade Federal de Santa Catarina), a tubaronense estuda as décadas de 1950 e 1960. "Percebi que a partir dos anos 1960 aparece o jovem, que substitui a figura da família. Tem todo um fenômeno da globalização da cultura juvenil." Segundo ela, a Jovem Guarda trouxe para o Brasil a modernização, uma juventude vanguardista. "O programa Jovem Guarda foi feito e inventado por uma agência de publicidade", acrescenta. Tanto que o fenômeno foi também de vendas dos produtos criados a partir desse estilo, dos bonecos dos personagens inventados, como Tremendão e Ternurinha, até as roupas que eles usavam.
Não foi pessoal
Maíra Zimmemann não acredita que a notificação tenha sido uma questão pessoal. "Talvez no momento que tenha virado notícia ele ainda não tivesse tido contato com a obra", diz. Ela deixa claro que não está explorando a marca. "É uma pesquisa acadêmica, voltada para esclarecer um período histórico do Brasil. A sociedade tem o direito de saber. Acho que foi excesso de zelo das pessoas que cuidam da carreira dele."
Ela conta que antes dela a editora já tinha recebido a notificação, e depois foi sua vez de receber uma carta em seu local de trabalho. "Diz que eu estava expondo detalhes da vida íntima dele, e não é o caso. E que eu exploro indevidamente a imagem", diz. A capa, inclusive, tem ilustração exclusiva e inédita, de Douglas K. do Amaral, baseada em todo o período da Jovem Guarda.
A historiadora contratou um advogado para lidar com o caso, que enviou uma contranotificação ao escritório de Roberto Carlos. Os livros continuam à venda e, segundo a editora, tiveram aumento de procura no site nas semanas em que o caso ganhou os jornais. Os dois lados estão em processo de negociação.
Se perguntada se gosta de Roberto Carlos, Maíra Zimmermann, que atualmente conclui um doutorado na Unicamp (Universidade de Campinas), responde com cautela. "Aprendi a admirar ele. Meu trabalho ajudou a entendê-lo, sua trajetória e importância como personagem importante para a cultura brasileira."
Jovem Guarda: moda, música e juventude (2013). De: Maíra Zimmermann. Editora: Estação das Letras e Cores. 216 págs. R$ 48