Espécie de perereca demonstra pouca capacidade de adaptação em cenário de mudança climática e desmatamentoEm trabalho publicado na revista Frontiers in Physiology, pesquisadores da Unesp (Universidade Estadual Paulista) mostraram que os girinos da espécie Bokermannohyla ibitiguara, uma perereca endêmica da Serra da Canastra, em Minas Gerais, têm pouca capacidade de se adaptar a aumentos de temperatura, o que pode comprometer esses anfíbios num cenário de mudanças climáticas ou de desmatamento.
Em laboratório, o grupo realizou testes em que aumentavam a temperatura da água em relação à média do hábitat da espécie, que são riachos cercados por mata ciliar. Em seguida, foram medidas nos girinos variáveis fisiológicas, como consumo de oxigênio e frequência cardíaca, entre outras. Além disso, os pesquisadores verificaram se os animais realizavam normalmente funções como natação, alimentação e a metamorfose para a fase adulta.
'A espécie tem uma plasticidade limitada. A temperatura média no riacho em que coletamos os animais era de 21,9ºC, chegando no máximo a 24,6ºC, ainda assim nos meses mais quentes do ano e numa hora muito específica. Estimamos que um aumento de 3ºC acima dessa temperatura vai impactar profundamente os girinos, que não têm capacidade de modular suas variáveis fisiológicas para se adaptar a essa mudança', explica Leonardo Longhini, primeiro autor do estudo, realizado durante seu mestrado na Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias (FCAV-Unesp), em Jaboticabal, com apoio de bolsa da Fapesp.
Em estudo recente, pesquisadores determinaram que a própria topografia da Serra da Canastra pode ser um fator determinante para a diversidade genética da espécie, endêmica do cerrado, o que é mais um alerta para a sua conservação.
'O sistema nervoso autônomo desses animais não consegue compensar mudanças causadas por uma temperatura maior, por exemplo na frequência cardíaca e no metabolismo. E isso acaba impactando o ciclo de vida da espécie, uma vez que não consegue completar a metamorfose', conta Luciane Gargaglioni, professora da FCAV-Unesp apoiada pela Fapesp, que coordenou o estudo com o pós-doutorando Lucas Zena, do Instituto de Biociências da Universidade de São Paulo (IB-USP).
Para chegar aos resultados, os pesquisadores coletaram girinos numa área rural do município de Sacramento, em Minas Gerais. Um sensor de temperatura ficou alojado no local durante pouco mais de um ano para medir a variação de temperatura e obter uma média para a realização dos experimentos. Métodos não invasivos foram desenvolvidos pelos cientistas para fazer as medições de consumo de oxigênio e frequência cardíaca nos girinos.
Os animais foram divididos inicialmente em dois aquários, um com temperatura de 8ºC, a mais baixa encontrada no riacho onde foram coletados, e outro a 28ºC, três graus a mais do que o máximo registrado no hábitat do B. ibitiguara.
Todos os girinos desse segundo grupo exibiram sinais de pouca ingestão de alimento, sua massa corpórea era menor e eles não completavam a metamorfose. Isso indica limitações na capacidade de absorver, processar ou assimilar nutrientes suficientes para suportar as altas taxas metabólicas em elevadas temperaturas.
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Os pesquisadores então coletaram mais girinos, mas dessa vez os aclimataram a 18ºC e 25ºC, valor próximo da maior temperatura registrada no hábitat. Posteriormente, os animais foram submetidos a uma rampa de aquecimento, em que a temperatura aumenta progressivamente até 34ºC. Nesse caso, observou-se aumento da letalidade.
'A temperatura máxima que eles aguentavam não foi diferente entre os aclimatados a 18ºC e a 25ºC, o que mostra que o animal não se adapta muito. Se o riacho for desmatado e a temperatura aumentar, ele não pode ampliar a tolerância para suportar o aquecimento', diz Longhini.
A frequência cardíaca também não foi diferente entre os grupos aclimatados a diferentes temperaturas. Isso ocorreu mesmo quando o metabolismo, que se mede pelo consumo de oxigênio, aumentou nas temperaturas elevadas, mostrando que o coração não acompanha a nova condição.
'O cerrado tem uma alta suscetibilidade ao aquecimento decorrente da ocupação humana, principalmente por pastagens e plantações. Ao mesmo tempo, tem uma biodiversidade altíssima e está até mais ameaçado do que a Amazônia, com apenas 8% de suas áreas protegidas. Estudar uma espécie endêmica é uma forma de chamar a atenção para isso', encerra Gargaglioni.
Folha de São Paulo