Dos 645 municípios do Estado de São Paulo, 580 abrigam pelo menos um imigrante. Isso significa que em praticamente 90% das cidades paulistas vivem estrangeiros que, pelos mais diversos motivos, trocaram seus países de origem pelo Brasil. O dado está no Atlas Temático: Observatório das Migrações em São Paulo – Migrações Internacionais, lançado no dia 6, na capital.
A obra é resultado do trabalho do Núcleo de Estudos de População Elza Berquó (Nepo), da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). O mapeamento, que abrange nacionalidades, perfis sociodemográficos e distribuição no mercado de trabalho, tem como objetivo subsidiar a elaboração de políticas públicas com foco na nova dinâmica populacional.
No lançamento, realizado no auditório da Fapesp, a coordenadora do trabalho, professora Rosana Baeninger, do Nepo, advertiu para o fato de que no, mundo contemporâneo, “as migrações são intensas, dinâmicas e com muitas mudanças em curto espaço de tempo”. Nessa situação, conhecer os dados sobre os fluxos mais recentes é essencial para que o poder público saiba lidar com a chegada dos estrangeiros.
“O Atlas é um dos produtos do Nepo no esforço de compilar diferentes informações que possam subsidiar políticas sociais, no âmbito local e geral”, disse. Rosana ressaltou “a visibilidade que podemos dar aos sujeitos imigrantes com esses dados”.
Durante o evento houve um debate, que reuniu a professora Rosana e o pesquisador Francisco Cos Montiel, da United Nations University Institute on Globalization, Culture and Mobility (UNU-GCM). Falando por videoconferência, Cos Montiel abordou a questão do futuro da migração e suas implicações para a produção da sociedade. A professora expôs e comentou vários dos números coletados no Atlas.
Sul-Sul – O Atlas tem três partes. A primeira traça um panorama nacional das migrações internacionais para o Brasil. Na segunda estão reunidos dados sobre as vindas de estrangeiros para o Estado de São Paulo entre 2000 e 2015. A terceira aborda as migrações internacionais recentes para o Estado.
De acordo com a obra, 879.926 imigrantes entraram no País entre 2000 e 2015. Os dados foram coletados de fontes oficiais, entre as quais o Sistema Nacional de Cadastros e Registros (Sincre) da Polícia Federal e a Relação Anual de Informações Sociais (Rais). O Estado de São Paulo foi adotado como residência por 367.436 dessas pessoas, o que representa quase 42% do total.
Em sua apresentação, a professora Rosana explicou que os fluxos atuais de migrações internacionais compõem aquilo que especialistas chamam de migrações SulSul. Trata-se de uma referência ao hemisfé rio Sul, onde se situa boa parte dos países pobres ou em desenvolvimento. É crescente o número de pessoas que saem desses países e não rumam para as nações desenvolvidas (o hemisfério Norte), e sim para países como o Brasil. “Essa situação está ligada ao fechamento de fronteiras dos Estados Unidos e de países da Europa”, afirmou Rosana.
Interiorização – No Estado, até mesmo municípios pequenos têm concentrações significativas de estrangeiros. É o caso de Bady Bassitt (situado na região de São José do Rio Preto), cuja população em 2018, estimada pela Fundação Seade, é de 16 mil pessoas. Ali, entre 2000 e 2015, ingressaram 365 imigrantes – o equivalente a 2,3% da população atual.
Para a professora Rosana, esse fenô meno de interiorização está ligado a vários fatores. “Em primeiro lugar, o interior atualmente é tão dinâmico quanto a metrópole. Há muitas plantas industriais de empresas transnacionais que estão no interior. Os arranjos produtivos da agricultura também estão globalizados. Vemos isso na produção de soja e na instalação de usinas”, diz.
Outro elemento importante, de acordo com a pesquisadora, é o fato de que o acordo sobre residência do Mercado Comum do Sul (Mercosul) possibilitou que muitos estrangeiros regularizassem a sua situação. “Os bolivianos, por exemplo, que ficavam no Bom Retiro trabalhando com costura, hoje podem se mudar para cidades do interior, porque têm documentos que possibilitam isso”, diz. Em Bady Bassitt, os bolivianos são boa parte dos estrangeiros residentes.
Há ainda a questão das redes migratórias, bem presente entre algumas nacionalidades. “Muitos sírios que chegaram ao País nos últimos anos estão na região Oeste do Estado, onde se concentrou a migração síria no século passado. Essas pessoas nem se fixaram na capital, foram direto para onde moram os seus parentes”, acrescenta.
Qualificação – Nas migrações internacionais mais recentes, verifica-se também a chegada de muitos trabalhadores qualificados. O perfil dos estrangeiros que ingressam no País já não é formado majoritariamente por pessoas de baixa renda e baixa qualificação profissional.
O Atlas pode contribuir, segundo a professora Rosana, para que os municípios que acolhem estrangeiros definam políticas adequadas ao perfil dos novos moradores. “Algo que perpassa a questão geral da migração é a da chegada de mulheres imigrantes. Há necessidade de medidas de saúde e de saúde reprodutiva”, exemplifica. O mesmo se aplica ao fato de que muitas famílias ingressam no País com seus filhos, o que coloca a necessidade de ações no campo educacional.
O Atlas foi produzido no contexto do projeto temático Observatório das Migrações em São Paulo, do Nepo-Unicamp. Além de Rosana, tem como coordenador o economista Duval Fernandes e, como co-organizadores, as sociólogas Roberta Peres e Natália Demétrio e a analista de relações internacionais Jóice Domeniconi. Além do volume impresso, a Unicamp colocou no site do Nepo (ver Serviço) dados do estudo, com informações atualizadas.