Nos EUA, os filhos de estrangeiros que mantêm sua identidade cultural têm melhor desempenho escolar
A fotografia mostra um garoto sentado à mesa. À sua frente, sobre a mesa, está um violino. O que ele está pensando?
Na verdade, a foto é do jovem Yehudi Menuhin, mas as crianças submetidas ao teste de apercepção temática (TAT) provavelmente não sabem disso. Se forem norte-americanas, tendem a sugerir que os pais do garoto o estão obrigando a aprender a tocar violino e que ele se recusa. Ele seria, até, capaz de quebrar o instrumento. As crianças mexicanas provavelmente acreditariam que ele está sonhando em ser um grande músico - e esperando poder tocar bastante bem para ser bem-sucedido na carreira. Mostrando a mesma foto para crianças que nasceram no México mas moram nos Estados Unidos há mais de um ano, elas dirão que o rapazinho quer tocar mas está triste. As crianças nascidas nos Estados Unidos, filhos de pais que emigraram do México, também dizem que o menino está sendo forçado a tocar - mas acrescentam que ele tem medo de fracassar.
Esse quadro é simplificado, mas capta a essência de uma série perturbadora de estudos sobre a emigração que foram apresentados, no mês passado, à conferência anual da Associação Americana para o Progresso da Ciência (AAAS), realizada em Baltimore. Em cada uma das palestras, feitas por pesquisadores que utilizaram técnicas sociológicas diferentes e que estudaram populações diferentes de emigrantes provenientes de países pobres, o mesmo resultado emergiu: a cultura dos imigrantes não é um problema nos Estados Unidos. O problema é a cultura norte-americana.
Antigamente, a situação era clara. Os emigrantes chegavam. Eram pobres. Trabalharam duro. Foram assimilados, tanto cultural quanto economicamente. A adoção dos hábitos norte-americanos acompanhou a mobilidade econômica ascendente. Mas hoje, para muitas famílias de imigrantes e seus filhos, os estudos relatados em Baltimore sugerem que acontece o inverso. As famílias que alcançam o sucesso econômico são as que conseguem aproveitar o que os Estados Unidos têm a oferecer, sem abandonar sua distinção étnica e cultural. As famílias que adotam os modos norte-americanos açodadamente parecem perder a motivação com que chegaram. Vão deslizando, aos poucos, rumo à pobreza.
IMAGENS E HISTÓRIAS
O garoto do violino é uma das cinco imagens sobre as quais Marcelo e Carola Suárez-Orozco, cientistas sociais da Universidade de Harvard, pediram a crianças que imaginassem histórias. O TAT assemelha-se a um teste psicológico. Cada imagem mostra uma cena suficientemente ambígua para que as reações das pessoas possam revelar muito sobre suas expectativas. Além disso, como as próprias imagens estão isentas de linguagem e relativamente isentas de preconceitos culturais, elas podem ser usadas para comparar grupos de pessoas com experiências de vida diferentes.
O estudo realizado pelos Suárez-Orozco é o primeiro, até agora, a comparar filhos de emigrantes recentes com crianças que já moram há mais tempo em seu novo país e, ainda, com crianças que moram em seu país de origem. Os antropólogos entrevistaram quatro grupos de adolescentes.
Os 47 mexicanos foram selecionados entre os alunos de uma escola secundária particular numa cidade de tamanho médio do Estado de Guanajuato (o estado de origem de muitos imigrantes mexicanos para os Estados Unidos). Todos os outros eram alunos de uma escola secundária de San Diego, na Califórnia, um importante destino de emigrantes. A amostragem continha 48 "imigrantes" (crianças nascidas no México que tinham passado mais de um ano nos Estados Unidos, mas que não saíram do México antes da idade de 5 anos), 47 "mexicano-americanos" (crianças nascidas nos Estados Unidos cujos pais nasceram no México) e 47 "americanos" (crianças nascidas nos Estados Unidos cujos pais nasceram nos Estados Unidos e que se descrevem simplesmente como "americanos brancos"). Desses três grupos, os imigrantes foram os mais pobres e os americanos brancos os mais ricos.
As histórias que as crianças inventaram para os testes TAT foram analisadas por psicólogos que não sabiam de qual grupo as respostas vieram. Essa técnica "double blind" - comum em experiências médicas, mas rara em sociologia - tem a finalidade de evitar que os resultados sejam distorcidos pelo que os pesquisadores esperam encontrar.
Cada história foi analisada em termos da presença ou ausência de elementos como, por exemplo, um violino quebrado ou um grande sonho, possibilitando uma comparação estatística dos grupos. Em geral, quanto mais americana era a criança, maior a probabilidade de ela contar uma história sobre discussões com os pais e sobre tédio e frustração. Quanto mais mexicana era a criança, mais criativa e fantástica era sua história, e mais revelava uma forte ambição de se realizar na vida.
Além dos testes TAT, as crianças foram perguntadas sobre o que achavam da escola. Todas disseram que ir bem no curso era a chave para progredirem na vida. Mas quando solicitadas a concordar ou a discordar da declaração "para mim, a escola é a coisa mais importante", surgiram algumas diferenças. Discordaram 60% dos americanos e 45% dos mexicano-americanos, contra 25% dos mexicanos e apenas 16% dos imigrantes. Solicitadas a completar a frase "minha escola é ...", 42% dos americanos responderam que era tediosa ou pior, enquanto apenas 20% fizeram um juízo favorável dela. Entre os imigrantes, 88% acharam a escola ótima; apenas uma única criança não gostava dela.
Em geral, os pesquisadores descobriram que declinava a automotivação e aumentava a ambivalência e ceticismo sobre a escola e figuras de autoridade, quanto mais americanas eram as crianças. E, para os mexicano-americanos especialmente, tais atitudes eram acompanhadas de nível inferior de realizações.
Alejandro Portes e Ruben G. Rumbaut, respectivamente sociólogos da Universidade Johns Hopkins, de Baltimore, e da Universidade Estadual de Michigan, de East Lansing, vem realizando um projeto denominado "Filhos de imigrantes: a adaptação da segunda geração". Pesquisaram mais de 5 mil crianças imigrantes, na Flórida e na Califórnia, de uma só faixa etária mas vindos de uma diversidade de países. Descobriram que a América faz mal à motivação.
TELEVISÃO É MAU SINAL
Há quanto mais tempo a criança mora nos Estados Unidos, menos lição de casa faz, pior é seu desempenho na escola e menores suas aspirações acadêmicas. Além disso, assistem mais a televisão. Na verdade, assim como a duração do tempo gasto de lição de casa é um bom indicador de sucesso acadêmico, o tempo gasto diante do televisor é um indicador preciso de fracasso acadêmico.
Como concluiu o estudo dos Suárez-Orozco, os filhos de imigrantes apresentam melhor desempenho escolar do que as crianças nascidas nos Estados Unidos. Mas Portes e Rumbaut encontraram uma correlação mais sutil. A forma como as crianças se descrevem também importa. Por exemplo, a criança de origem jamaicana que se denomina "jamaicano" tende a ter melhor desempenho do que seu colega que se classifica de "negro". As crianças de origem chinesa, japonesa ou coreana (que tendem a apresentar um ótimo desempenho escolar) geralmente adotam menos características culturais americanas do que a maioria dos outros grupos de imigrantes, e raramente se descrevem apenas como "asiático- americano", preferindo um rótulo nacional mais específico.
Uma pesquisa realizada em Nova York por Mary Waters, uma socióloga da Universidade de Harvard, encontrou uma tendência semelhante entre imigrantes das Anti-Ihas. Ela entrevistou 145 famílias. Como no estudo da Johns Hopkins, os que se descreviam como "jamaicanos" ou "jamaicano-americanos" - mesmo depois de algumas décadas nos Estados Unidos - tinham maior probabilidade de pertencer à classe média do que os que se classificavam de "negros".
As conclusões sociológicas são notoriamente de interpretação difícil. Ao contrário de muitos outros ramos da ciência, a sociologia não chega às suas conclusões mediante experiências controladas, e a correlação pode não significar causalidade. Mas, tomadas em conjunto, esses estudos sugerem um resultado surpreendente: que a assimilação cultural dos imigrantes faz mal à saúde de seus filhos (segundo Portes, muitas vezes literalmente). Muitas famílias americanas brancas são abastadas o suficiente para poder proteger seus filhos das conseqüências da preguiça e do fracasso na escola; as famílias de imigrantes normalmente não o são. Ambas precisam, agora, enfrentar a realidade preocupante de que, para quem é candidato a prodígio, os Estados Unidos podem dificultar a realização do sonho.
Notícia
Gazeta Mercantil