A maior parte dos economistas tem concordado, há muito tempo, com o fato dê que o livre comércio é uma coisa boa, mas alguns políticos, empresários e economistas adotam, hoje, uma opinião diferente. A nova tecnologia, dizem eles, está prejudicando a causa do livre comércio, ao facilitar a transferência de capital e tecnologia através das fronteiras, dando aos países em desenvolvimento, onde os salários são baixos, acesso às melhores técnicas de produção. Ao mesmo tempo, indicam eles, as telecomunicações modernas permitem que empresas - não apenas na indústria, mas também nos serviços - transfiram a produção para onde quer que o trabalho seja mais barato, sem perda de contato com o escritório central.
Alguns economistas dizem que isso invalida a clássica teoria de comércio, segundo a qual capital e tecnologia não se movimentam com facilidade entre os países. Isso costumava significar que os países desenvolvidos produziam bens capital intensivos, de alta tecnologia; os países em desenvolvimento estavam confinados a produtos de baixa tecnologia, trabalho-intensivos. Mas um mercado global de capital melhorou o acesso dos países pobres ao capital, e a tecnologia se tomou mais transferível do que nunca. A tecnologia da informação (TI) permite que mais conhecimento seja codificado e, portanto, difundido mais rapidamente através das fronteiras, facilitando sua assimilação pelos países em desenvolvimento. Superficialmente, portanto, poderia parecer que a mistura de salários baixos e tecnologia de Primeiro Mundo tornaria as economias do Terceiro Mundo supercompetitivas. É inevitável, prossegue o argumento, que venha a ocorrer uma maciça transferência de produção e empregos dos países de altos salários para os de salários baixos. A única solução, argumentam pessoas como Ross Perot, Pat Buchanan e James Goldsmith, é que os países ricos fechem suas fronteiras às importações dos países em desenvolvimento.
Mas a idéia de que países de baixos salários com acesso à mais moderna tecnologia serão capazes de comprimir os salários dos trabalhadores em quase todos os setores nos países desenvolvidos se baseia em dois equívocos. O primeiro é a respeito da ligação entre salários e produtividade. O comércio internacional tende a nivelar os custos do trabalho por unidade de produção, assim as diferenças de salários entre países refletem diferenças na produtividade dos setores de bens que podem ser importados e exportados. Atualmente, os salários baixos dos países em desenvolvimento caminham lado a lado com a baixa produtividade. De acordo com o estudo "Comparative and Absolute Advantage in the Asia-Pacific Region" (Vantagem Comparativa e Absoluta na Região da Ásia-Pacífico), feito por Stephen Golub, um economista do Swarthmore College, Pensilvânia, os salários da indústria na Malásia correspondiam, em 1990, a apenas 15% dos americanos; mas a produtividade média também era apenas 15% da americana. Em parte, isso reflete uma maquinaria mais simples (porque o trabalho é barato em relação ao capital), mas a inferioridade da infra-estrutura e da educação nos países pobres também desempenham um papel importante. Como mostra o gráfico, as diferenças em custos da unidade média de trabalho entre países são muitos menores do que sugerem apenas as diferenças salariais.
Isso pode ser verdade agora, admitem os catastrofistas, mas à medida que a tecnologia superior dos países ricos se difundir pelos países de salários baixos, sua produtividade disparará, dando aos países em desenvolvimento uma imensa vantagem de custo. Não é bem assim. A teoria sugere, e a experiência confirma que aumentos de produtividade serão acompanhados por elevações reais de salários ou por uma taxa de câmbio real mais vigorosa. Os salários reais na Coréia do Sul, por exemplo, subiram oito vezes em termos de dólar desde 1977. Além do mais, mesmo com tecnologia idêntica, a produtividade dos países em desenvolvimento não será igual à dos países ricos, porque provavelmente a educação e a infra-estrutura permanecerão vários anos atrasados. Que utilidade tem uma tecnologia moderna se os trabalhadores do Terceiro Mundo não podem ler as instruções em um saco de fertilizantes?
Entretanto, embora os custos médios da unidade de trabalho em diferentes países tendam a convergir, a diferença de produtividade variará de um setor para outro. Em alguns setores, tais como confecções ou produtos eletrônicos de consumo, a produtividade de um país em desenvolvimento pode ser quase tão alta quanto no mundo rico, e assim seus salários baixos (determinados pela produtividade média do total da indústria) darão realmente às empresas daqueles setores uma vantagem de custo com relação aos mesmos setores nos países ricos. Mas diferenças entre setores no padrão de produtividade são exatamente o que a teoria econômica padrão indica como fonte de vantagem comparativa, uma idéia exposta pela primeira vez por David Ricdo, no início do século XIX.
Absolutamente Confuso
O segundo equívoco por trás do medo dos supercompetitivos países do Terceiro Mundo repousa numa confusão entre vantagem absoluta e vantagem comparativa. Por exemplo, um advogado deve não apenas ser um jurista melhor do que sua secretária, mas também um datilógrafo mais rápido (ou seja, ele tem uma vantagem absoluta nos dois aspectos). Entretanto, provavelmente a secretária terá uma margem menor de inferioridade - ou seja, uma vantagem comparativa - em datilografia. Inversamente, a vantagem comparativa do advogado está na jurisprudência, na qual sua margem de superioridade é maior. A defesa do livre comércio deve repousar na vantagem comparativa, não na absoluta. Se os países se especializam em coisas que fazem relativamente bem, então todos ganharão com o comércio. Mesmo que a China possa produzir tudo com custos menores, os EUA ainda terão, por definição, uma vantagem comparativa em alguns produtos. Enquanto persistirem algumas diferenças entre países, tais como a especialização dos trabalhadores, que ao contrário da tecnologia não podem se mover facilmente para o exterior, a lei da vantagem comparativa continuará válida. A vantagem comparativa da China tende a se apoiar em setores trabalho-intensivos de baixa especialização, e a dos EUA em produtos conhecimento-intensivos que aproveitam sua relativa abundância de trabalhadores especializados.
Uma razão mais válida para que algumas pessoas temam a supercompetição, talvez, é que a TI permite que serviços anteriormente não comercializáveis sejam comercializados, exatamente como aço ou sapatos. Isso é assim porque a crescente codificação do conhecimento reduz a necessidade de contato físico entre produtores e consumidores. Qualquer atividade que possa ser conduzida através de uma tela e um telefone, de escrever um software a prestar serviços de secretariado, pode ser realizada em qualquer parte no mundo. A queda dramática dos custos da comunicação permite que empresas do setor de serviços, como bancos transfiram sua equipe de suporte para lugares mais baratos, ligados ao escritório central por satélite e computador.
Empresas do mundo rico "terceirizaram" todos os tipos de coisas para os países em desenvolvimento de programação de computadores e contabilidade das receitas de empresas de transporte aéreo ao processamento dos registros hospitalares dos pacientes e pedidos de pagamentos de seguros. Mais de cem das 500 maiores empresas dos EUA compram serviços de software de empresas na Índia, onde de modo geral os programadores recebem menos do que um quarto do salário americano. À medida que expande o alcance do comércio de serviços, a TI inevitavelmente expõe trabalhadores de setores anteriormente protegidos à competição internacional, inclusive trabalhadores qualificados, como programadores, além dos não-especializados.
Vantagens Adaptáveis
Digam os pessimistas o que quiserem, mas a tecnologia da informação não invalida a idéia de vantagem comparativa. Pelo contrário, ao permitir que as empresas descentralizem sua produção e se especializem por país, a TI torna possível explorar as vantagens comparativas muito mais amplamente e maior eficiência. Num período de 20 anos, uma empresa comum pode ter um escritório avançado em Londres e um escritório de apoio em Pequim. Mas isso não invalida a teoria econômica; na verdade, mostra o quanto a teoria é adaptável.
Enquanto os mercados permanecerem flexíveis, o comércio - assim como a mudança tecnológica - não terá efeitos duradouros sobre o nível de emprego, apenas sobre a estrutura dos empregos. Diferenças de vantagens comparativas com base nas ofertas relativas de trabalho qualificado e não-qualificado continuam sendo o fator decisivo. A maior parte dos serviços exportados eletronicamente dos países pobres para os ricos envolve atividades pouco qualificadas, tais como processamento de dados ou programação de rotina, ao passo que as economias ricas exportam serviços mais sofisticados, tais como pacotes de software e desenho mecânico. E a TI permite que os países ricos, assim como muitos dos países em desenvolvimento, exportem serviços anteriormente não negociáveis. Consulta médica ou educação podem agora ser vendidos a longas distâncias, pelas redes de telecomunicações.
As vantagens comparativas entre países dependerão cada vez mais da habilidade com que os trabalhadores aplicarem conhecimento. A Intel pode ter uma fábrica de chips Pentium na Malásia, mas é improvável que uma equipe malaia desenvolva um chip Pentium num futuro próximo. As economias industrializadas ricas continuarão usufruindo de vantagens em setores conhecimento-intensivos, mas os limites entre países ricos e pobres estão se tornando mais fluidos. Depois de anos de investimentos pesados em educação, a qualificação está aumentando nos países asiáticos. Na Coréia do Sul e em Taiwan, os gastos com Pesquisa & Desenvolvimento, como parte do PIB, aproximam-se, atualmente, da média da OCDE, e crescem com maior rapidez (ver gráfico). No futuro, os trabalhadores com qualificação intermediária dos setores conhecimento-intensivos dos países ricos também enfrentarão uma competição mais feroz dos tigres asiáticos, enquanto estes se movem em direção às faixas mais sofisticadas do mercado, em resposta à crescente competição de países mais baratos, como a China.
Enquanto o capital se torna mais móvel, e a difusão da tecnologia através das fronteiras ganha velocidade, as vantagens comparativas também começaram a ser transferidas mais rapidamente. Foram necessárias três ou quatro décadas para que o Japão se tornasse um líder no setor automobilístico, e uma década para se tomar líder em chips de memória. Mas Taiwan, comprando tecnologia pronta, abocanhou uma grande fatia dos negócios mundiais de montagem de PCs em apenas cinco anos. A globalização e a TI continuarão transferindo empregos por todo o mundo, mas os países ricos com populações altamente educadas não devem ter nada a temer: o mercado de trabalho será transferido para empregos de maior qualificação e melhor pagamento. Apenas os países que deixarem seus padrões educacionais caírem se arriscam a ficar para trás.
Notícia
Gazeta Mercantil