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Nexo Jornal

As vantagens de uma São Paulo mais ciclista, segundo este estudo

Publicado em 03 junho 2018

Em meio à crise de abastecimento causada pela paralisação nacional dos caminhoneiros no fim de maio de 2018, cidade brasileiras foram cenário de longas filas de motos e automóveis que se formavam perto dos raros postos com combustível. Em alguns locais, conforme vídeos que circularam pela internet, pessoas chegaram a se estapear para conseguir gasolina.

Se, de um lado, a crise produziu imagens distópicas, o contrário também aconteceu. Circulou pelas redes sociais uma imagem da ciclovia da avenida Brigadeiro Faria Lima, na zona sul de São Paulo, cheia de bicicletas.

Em São Paulo, os dias sem gasolina permitiram que muitos vivessem, de forma experimental, os efeitos de uma redução brutal no uso do automóvel. Com a falta de opção, muitos cidadãos recorreram ao transporte público ou à bicicleta. Houve queda acentuada nos índices de congestionamento e poluição atmosférica.

A frota de veículos de São Paulo era de 6,1 milhões de veículos em abril de 2018, de acordo com dados do Detran. Com boa parte desses veículos ausente das ruas nos dias de desabastecimento, a média de trânsito da cidade chegou a ficar 94% menor que a média diária (dados do CET para 19 de maio de 2018).

De acordo com levantamento do site Vá de Bike, contadores de ciclistas de várias avenidas da capital paulista registraram aumento de tráfego durante os dias da greve. No contador da rua Vergueiro, que desemboca na avenida Paulista, onde corre uma das principais ciclovias da região central da cidade, a semana entre 21 e 26 de maio teve o pico de movimento do 2018. Em comparação com a semana anterior, houve aumento de 11,8% no número de viagens, o equivalente a 1.494 percursos a mais.

Carlos Torres Freire

Coordenador do Cebrap

Na av. Faria Lima, onde foi registrada a foto mencionada acima, houve aumento de 17,5% no fluxo, o que corresponde a 5 mil viagens a mais, de acordo com o contador da via. Teria sido o maior fluxo de bicicletas registrado na história da ciclovia.

Medições da qualidade do ar realizadas pela Cetesb (Companhia Ambiental do Estado de São Paulo) também comprovaram uma melhoria na qualidade do ar com o sumiço dos carros.

Na tarde de segunda-feira (28), sétimo dia de greve dos caminhoneiros, a qualidade do ar na capital paulista era considerada boa em todas as estações de medição e para todos os poluentes analisados, algo difícil de ser registrado.

“Houve uma redução de 50% da poluição na capital paulista. Esse é um episódio raro e vamos estudar suas consequências na saúde pública. Quem sabe essas evidências quantitativas sirvam de argumento para a criação de políticas públicas”, declarou Paulo Saldiva, diretor do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP), em evento na Fapesp (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo).

“Esses dias serviram para mostrar para muita gente que é possível ter uma vida que não seja ‘carrocêntrica’”, ponderou Carlos Torres Freire, coordenador do Núcleo de Desenvolvimento do Cebrap (Centro Brasileiro de Análise e Planejamento), em entrevista ao Nexo. O centro de pesquisas publicou, em maio de 2018, uma pesquisa que calculou qual seria o impacto social de um uso maior da bicicleta em São Paulo.

O estudo do Cebrap calculou que 42% das viagens realizadas diariamente na cidade poderiam ser feitas de bicicleta. Esse dado inclui percursos “pedaláveis”, de até 8 quilômetros entre origem e destino, realizados entre 6h e 20h, por pessoas com até 50 anos, e aqueles “facilmente pedaláveis”, com distância de até 5 quilômetros.

Segundo o documento, por meio desses recortes é possível entender melhor o potencial de aumento de seu uso, em vez de teorizar sobre como seria se todas as viagens pudessem ser feitas por bicicleta.

Para o estudo, se o potencial fosse realizado, até 18% de emissões de CO2 poderiam ser reduzidas. A porcentagem foi obtida calculando-se os gases lançados por automóveis e ônibus em rotas que poderiam ser realizadas por bicicletas, que não emitem poluentes. Entre as viagens de ônibus na capital, 31% são por rotas “pedaláveis” ou “facilmente pedaláveis”. Já 43% das rotas realizadas por automóveis poderiam ser feitas por bicicleta.

Para além da saúde ambiental, a saúde do indivíduo também seria beneficiada por um uso maior da bicicleta, segundo o Cebrap. Com a ajuda de estudos que relacionam uma vida menos sedentária com melhor qualidade de vida, o levantamento concluiu que uma cidade mais ciclista poderia resultar em uma economia de R$ 34 milhões por ano ao SUS (Sistema Único de Saúde), trazida pela redução em internações por doenças no aparelho circulatório e diabetes.

O impacto econômico também foi mensurado pelo Cebrap. Levando-se em conta as viagens pedaláveis em dias úteis, os pesquisadores constataram economias de até 14% na renda mensal, com a redução de gastos com combustível e passagens. De acordo com o estudo, as classes mais baixas seriam as mais favorecidas. Em São Paulo, 36% dos ciclistas são das classes A e B; 52% das classes C; e 12%, das classes D e E.

O PIB (Produto Interno Bruto) municipal poderia crescer em até R$ 870 milhões anuais. A conta foi apoiada em estudos que estabelecem uma correlação entre um tempo menor nos percursos entre casa e trabalho e o aumento na produtividade.

O levantamento do Cebrap indicou que 3% da população da cidade utilizou a bicicleta para algum percurso na semana anterior à pesquisa. É muito abaixo do índice dos que usaram o ônibus, que totalizou 41%. Em segundo vem o automóvel, com 21%.

Em 2018, algumas iniciativas pretendem contribuir para aumentar o uso da bicicleta na cidade. Em 26 e 27 de maio, uma maratona de programadores desenvolveu quatro modelos de aplicativos para viabilizar o Programa Bike SP. Trata-se de uma lei criada para incentivar o ciclismo na cidade, oferecendo créditos no Bilhete Único para usuários que trocarem o carro, moto ou ônibus pela bicicleta. O uso será monitorado por GPS. A lei foi aprovada em 2016, mas ainda precisa ser regulamentada.

Também em 2018, a prefeitura credenciou cinco empresas de aplicativos de compartilhamento de bicicletas na cidade. Juntas, elas prometem disponibilizar cerca de 100 mil bicicletas de uso comum em São Paulo.

Por outro lado, cicloativistas vêm desde o ano passado denunciando o descaso da administração da cidade com a manutenção e construção de ciclovias, criando obstáculos para o crescimento do uso da bicicleta. “A ciclovia é o fator que incentiva as pessoas a andar de bicicleta, elas pedem segurança para pedalar. O uso e a aceitação da bicicleta aumenta a cada ano, mas, em termos de política pública, andamos para trás”, afirmou Freire, ressaltando que a gestão atual recolocou o automóvel como o “centro das atenções”.