A estratigrafia é o ramo da geologia que se ocupa do estudo da composição, estrutura e sucessão das camadas de rocha que formam a crosta da Terra. Essas camadas se formaram ao longo de diferentes eventos geológicos, climas, condições atmosféricas, de nível dos oceanos, de vegetação e de vida animal (quando essas surgiram, é claro).
Em alguns lugares do planeta, citando como exemplo o Gran Canyon dos Estados Unidos, é possível enxergar a olho nu essa sucessão de camadas de rochas. Falando a grosso modo e de forma metafórica, a superfície do nosso planeta se parece com uma grande cebola, vegetal que possui uma sucessão de camadas em sua casca.
Até bem pouco tempo atrás, todos os registros estratigráficos se caracterizavam por formações naturais de rochas e fósseis. De alguns anos para cá, entretanto, muitos sedimentos dos solos passaram a apresentar interferência humana. Um elemento que se faz cada vez mais presente nos solos são os resíduos de plástico.
Pesquisadores da UFPR – Universidade Federal do Paraná, e de outras instituições de pesquisa brasileiras publicaram um artigo no periódico Marine Pollution Bulletin, da plataforma ScienceDirect, onde detalham a descoberta de rochas formadas por resíduos plásticos na Ilha da Trindade, a maior ilha de um arquipélago brasileiro localizado a cerca de 1.140 km de Vitória, capital do Espírito Santo.
Trindade é de origem vulcânica e forma uma das mais importantes reservas biológicas do Atlântico Sul e uma Unidade de Monumento Natural Brasileiro. A ilha é administrada pela Marinha do Brasil e tem acesso restrito a militares do órgão e a pesquisadores credenciados.
A pesquisa Fernando Avelar Santos, doutoranda do Programa de Pós-Graduação da UFPR, encontrou rochas formadas por plástico durante um trabalho de mapeamento geológico na Ilha da Trindade. Essas rochas foram encontradas num local conhecido como Parcel das Tartarugas e surpreendem por terem uma aparência idêntica as rochas naturais.
Essa descoberta se deu em 2019 e, de acordo com as análises feitas em laboratório, essas “rochas de plástico” se formaram no máximo duas décadas antes. Apesar de ser a primeira vez que se descreve esse tipo de ocorrência no Brasil, ela não é inédita no mundo – o primeiro relato desse tipo de descoberta se deu no Havaí em 2014.
De acordo com o artigo, o processo de formação dessas “rochas de plástico” é bastante rápido (quando comparados aos processos geológicos naturais) e dependem de três etapas: existência de lixo plástico no ambiente marinho, arranjo e disposição dos resíduos plásticos numa praia e aumento da temperatura no ambiente, por exemplo através do fogo, para formar o cimento plástico.
Essa massa de plástico derretido se liga as rochas naturais existentes na praia, onde passa a sofrer um desgaste natural pela força das ondas e pelo atrito com sedimento presentes na água. É esse desgaste que dá um aspecto de “rocha natural” aos resíduos plásticos.
Os resíduos plásticos estão no topo da lista das ameaças aos oceanos. De acordo com estudos da organização ambientalista WWF – World Wildlife Fund, cerca de 10 milhões de toneladas de resíduos de plástico chegam aos oceanos todos os anos. Esse volume corresponde a 1/10 de toda a produção de plástico do mundo.
Esses resíduos, entre inúmeros outros problemas, prejudicam o ciclo de vida das algas e microalgas, organismos que precisam receber luz solar para sobreviver. Somado a outros problemas como os resíduos flutuantes de óleo nas águas, essa poluição está destruindo gradativamente parte importante da produção de oxigênio do planeta. Só para relembrar – as algas e microalgas dos oceanos produzem 54% do oxigênio disponível no mundo.
O plástico é uma matéria prima muito barata, sendo um subproduto do refino do petróleo. É facilmente moldável e permite a produção de peças bonitas, com acabamento impecável e extremamente fáceis de montar. As embalagens plásticas são práticas de usar, podem ser fechadas hermeticamente, sem agregar qualquer cheiro característico ou sabor ao produto embalado, especialmente no caso de alimentos.
A maior parte dos resíduos plásticos produzidos a cada ano no mundo – que soma algo da ordem de 100 milhões de toneladas, acaba sendo descartada em terra, sendo amontoada em aterros sanitários, lixões e terrenos baldios, entre muitos outros recantos usados para seu descarte. São restos de utensílios domésticos, brinquedos, peças de veículos e, principalmente, embalagens de produtos e de alimentos que consumimos em nosso dia a dia.
Uma das faces mais visíveis desse enorme problema ambiental são as “ilhas de plástico flutuantes”, que estão se formando em diferentes partes dos oceanos do planeta. A maior delas, fica no Oceanos Pacífico entre as Ilhas do Havaí e a Costa Leste dos Estados Unidos,
Oceanógrafos estimam que essa ilha possui cerca de 4 milhões de toneladas dos mais diferentes tipos de resíduos plásticos e se estende por uma área de 1,2 milhão de km², algo equivalente a somas dos Estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Minas Gerais e Goiás. Outra dessas ilhas fica no Mar do Caribe entre as costas da Guatemala e de Honduras.
A descoberta das “rochas de plástico” abre um novo capítulo nessa saga da poluição dos oceanos e instiga todo um conjunto de interrogações sobre os seus impactos no meio ambiente. Exemplo – costões rochosos abrigam diversas espécies de algas e animais marinhos como equinodermas (ouriços-do-mar e estrelas-do-mar), cnidários (anêmonas) e crustáceos (camarão, ermitão e caranguejos). Essas espécies vão conseguir sobreviver na superfície lisa e tóxica desses resíduos plásticos?
E mais: organismos vivos tendem a se adaptar para sobreviver em novos ambientes. Logo, quais são as novas espécies de plantas e de animais que poderão surgir nesses locais tomados por “rochas de plástico”? Ou ainda: em quais outras ilhas e costas continentais já existe esse novo “tipo de rocha”?
Ciência das boas se faz fazendo perguntas. Essa preocupante descoberta vai precisar gerar um monte de perguntas e buscas por respostas. Só não dá para ter certeza se nós vamos gostar dessas respostas…