A empresa do século 21 passa por transformações inéditas. A velocidade da globalização, a evolução da tecnologia, a valorização do conhecimento e a crise ambiental criam um contexto no qual torna-se cada vez mais urgente imaginar como será a corporação bem-sucedida do futuro. Como essas mudanças ocorrem num ritmo frenético, espera-se de seus executivos uma capacidade redobrada de adaptação, combinada com um esforço permanente de inovação. Conheça, nas páginas seguintes, algumas das forças, internas e externas, que já começam a transformar as companhias em todo o mundo:
A necessidade de promover maior interação entre os funcionários, único meio de obter aumento de produtividade na era do conhecimento, está mudando o desenho das organizações e, principalmente, coloca em xeque o papel do maestro, o CEO. Como Peter Drucker previu, quase vinte anos atrás, a companhia bem-sucedida de nossos tempos deve funcionar à maneira de uma orquestra, mas agora superando a excessiva centralização de poder em torno do maestro. Para atualizar - e debater - a metáfora druckeriana, entramos no coração da Osesp, a mais reputada orquestra nacional.
Mais e mais empresas descobrem que para se manter à tona na corrida da inovação é preciso implodir os muros e buscar idéias onde elas estiverem. É o que faz hoje a americana Procter & Gamble e uma recém-criada empresa brasileira, a Recepta. Nesse cenário, o vasto mundo é o laboratório potencial de pesquisas.
Em uma economia interconectada, a criação de uma rede de parceiros representa uma enorme vantagem competitiva. As empresas precisam encontrar, a toda hora, fornecedores que ofereçam soluções inovadoras em prazos curtos. Ninguém conseguiu estabelecer uma rede tão numerosa de fornecedores globais como a centenária empresa chinesa Li & Fung, baseada em Hong Kong.
Para responder às novas pressões ambientais e sociais, as empresas precisam rever estratégias e formas de atuação na sociedade. John Elkington, uma das principais lideranças mundiais no front do desenvolvimento sustentável, diz que as companhias ainda não estão preparadas para responder a essas pressões. No lugar da responsabilidade social tradicional, as empresas precisam aprender a transformar a meta da sustentabilidade em incentivo à inovação e à criação de negócios que ajudem a resolver os problemas do planeta.
Inovação Aberta
O planeta é o seu laboratório
Os departamentos de pesquisa precisam criar idéias em ritmo acelerado. o mercado global oferece cérebros que podem ser alugados. Sua empresa vai entrar no circuito?
No dia 14 de junho, a empresa de biotecnologia Recepta inaugurou seu primeiro laboratório no Brasil. Em vez de começar o projeto do zero, a companhia assinou uma parceria com o Instituto Butantan, de São Paulo, um dos mais importantes centros científicos do país. O acordo permitiu que o laboratório funcionasse na própria sede do instituto e garantiu acesso à mão-de-obra qualificada da instituição.
Os pesquisadores do Butantan dedicam-se ao estudo de anticorpos monoclonais, nome dado às proteínas usadas pelo sistema imunológico para identificar e neutralizar células tumorais. Além deles, a Recepta conta com uma extensa rede de parceiros. Sediado na Suíça, o Instituto Ludwig de Pesquisas Sobre o Câncer licenciou para a empresa brasileira quatro anticorpos que serão utilizados nos estudos, além de franquear a troca de conhecimento com suas representações espalhadas por quatro continentes. No Brasil, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo tornou-se responsável pelas análises da composição química das células. Em outras etapas da pesquisa, testes clínicos em animais serão realizados pela Faculdade de Veterinária da USP, enquanto os hospitais Sírio-Libanês e Oswaldo Cruz cuidarão, mais adiante, dos testes em seres humanos. Em conjunto, a Recepta conta com um time de 43 pesquisadores - todos vinculados a outras instituições.
Pela natureza de seu negócio, a Recepta não conseguiria montar um modelo empresarial eficiente sem recorrer a parcerias. Seria caro demais e provavelmente pouco produtivo arregimentar pesquisadores independentes, montar laboratórios e centros de pesquisa próprios. No seu ramo, a inovação só é possível graças à intensa colaboração de terceiros. "A permanente transferência de conhecimento e o intercâmbio de informações representam o coração e a alma da Recepta", diz o presidente da empresa, José Fernando Perez, um físico apaixonado por ciência que dispara palavras em ritmo de locutor de corridas de cavalo. O modelo de gestão de inovação definido por ele para a nova empresa de biotecnologia enquadra-se com perfeição em um novo e poderoso conceito de colaboração. Segundo a consultoria McKinsey, ele pode fazer a diferença entre o sucesso e o fracasso, entre o crescimento acelerado e a letargia. Chamado de "open innovation" - inovação aberta -, ele pressupõe que o conhecimento, nestes tempos globalizados, está distribuído pelo mundo. As empresas que pretendem ser competitivas têm de escancarar suas portas para as idéias vindas de fora: das instituições de pesquisa, das universidades e, sobretudo, de outras empresas, de todos os cantos do planeta. De acordo com essa filosofia, as companhias fechadas em si mesmas serão fatalmente ultrapassadas por corporações mais ágeis e abertas, capazes de expandir seus tentáculos intelectuais para além das fronteiras internas.
Para uma empresa como a Recepta, que tem como premissa básica a inovação - seu objetivo central é o desenvolvimento de novos tratamentos de combate ao câncer -, incorporar o modelo aberto é mais que necessário: é vital. Não fosse isso, talvez ela sequer tivesse nascido. A idéia de criar a Recepta surgiu em 2004, quando o Instituto Ludwig decidiu apostar na excelência científica estabelecida no Brasil. A reputação internacional dos brasileiros foi conquistada em 2001, depois que um consórcio financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), à época dirigida por Fernando Perez, tornou-se o primeiro a seqüenciar o genoma de uma bactéria transmitida por insetos. O modelo que Perez coordenou na Fapesp previa a colaboração de diferentes agentes (universidades, laboratórios, centros de pesquisa), algo parecido com o que viria a ser implantado na Recepta. Como desejava investir no país, o Instituto Ludwig convidou Perez para liderar a criação de uma empresa brasileira de biotecnologia. O Instituto tornou-se sócio da Recepta ao ceder à companhia os direitos de propriedade sobre os anticorpos para pesquisa. É a primeira vez que a entidade sexagenária realiza um acordo desse tipo em um país emergente. Há outras parcerias semelhantes apenas em nações desenvolvidas (Suécia, Estados Unidos, Inglaterra e Austrália). "Esse modelo é benéfico para as duas partes envolvidas, pois otimiza o desenvolvimento de novos medicamentos", afirma o inglês Andrew Simpson, diretor científico mundial do Instituto Ludwig. As vantagens recíprocas também valem para o sistema de parceria com o Instituto Butantan, que cedeu espaço físico e pessoal capacitado. Em troca, ganhou um laboratório de primeira linha.
Voar, voa, mas vende?
Como o Ludwig não colocou dinheiro no projeto da Recepta, apenas licenciou produtos, Perez foi atrás de financiamento para colocar a companhia de pé. Conseguiu o apoio de dois pesos pesados do mundo dos negócios, o empreiteiro Emílio Odebrecht e o agropecuarista Jovelino Mineiro, que bancaram parte dos R$ 4 milhões necessários para fazer a empresa entrar em operação, tornando-se sócios do projeto. A quantia não é elevada. As contas não fechariam caso o Ludwig resolvesse cobrar pelo licenciamento dos anticorpos, algo na casa das dezenas de milhões de dólares. Mas o mercado onde se insere a Recepta é bilionário. Segundo os últimos dados disponíveis, em 2005 a comercialização de anticorpos movimentou mundialmente US$ 6,7 bilhões. Nos Estados Unidos, um terço dos medicamentos comercializados pelos laboratórios farmacêuticos são licenciados por universidades ou companhias de biotecnologia. No Brasil, o mercado é incipiente e por isso mesmo promissor - o que não elimina o fato de ser um negócio altamente arriscado. "Na construção de um avião, os elementos de viabilidade técnica do projeto estão definidos a priori", afirma Perez. "Você sabe que o avião vai voar, só não sabe se vai vender." Prossegue o físico: "Quanto aos remédios, você não tem certeza se vai funcionar, sequer sabe se o produto chegará ao mercado". Essa é outra vantagem da empresa que aposta em inovação aberta. De certa forma, os custos de desenvolvimento são diluídos entre as diversas instituições envolvidas no projeto.
Para uma empresa como a Recepta, que tem como premissa básica a inovação, incorporar o modelo aberto é mais que necessário: é vital
Ao colocar no DNA do seu projeto empresarial o conceito de inovação aberta, a Recepta integra-se a um grupo de grandes companhias internacionais que fizeram dessa idéia um pedaço essencial da sua própria operação. Lilly, Boing, DuPont, Apple, Novartis e IBM são algumas das empresas que estão se abastecendo de novidades no mercado de idéias criado pela globalização dos recursos tecnológicos e científicos. A Apple, por exemplo, usa a experiência de pequenas empresas de tecnologia do Vale do Silício e de grandes conglomerados industriais da Ásia para conceber produtos inovadores como o iPhone. Mas ninguém foi tão fundo nessa direção e com tanto sucesso quando a Procter & Gamble, líder mundial do mercado de consumo, com mais de 300 marcas.
Desde que abraçou o conceito de inovação aberta, há oito anos, por decisão de seu presidente, Alan Lafley, uma parte substancial dos produtos colocados pela P&G nas prateleiras tem vindo de fora. "Mais de 45% dos nossos produtos já têm elementos originados fora da empresa. Para os projetos em andamento, que estarão na rua em seis meses, o percentual é de 52%", afirma Nabil Sakkab, vice-presidente sênior de Pesquisa e Desenvolvimento da companhia. Ele disse a Época NEGÓCIOS que a busca de idéias fora dos muros da companhia é a única forma de manter a empresa crescendo 6% ao ano, como exigem seus acionistas. Com faturamento de US$ 76 bilhões, crescer 6% significa que a P&G precisa inventar US$ 4 bilhões em novos produtos a cada ano, uma missão impossível mesmo que os 9 mil pesquisadores da empresa fossem imensamente produtivos. Logo, rompendo com uma cultura interna de auto-suficiência, a Procter decidiu lançar mão de um arsenal de recursos mais vasto que o seu: a rede mundial de 1,8 milhão de pesquisadores de alto nível criados pela globalização. "No passado, agíamos como estrutura fechada", diz Sakkab. "Agora percebemos que o mundo é uma extensão dos nossos laboratórios." Os cientistas externos estão na garagem de suas casas, nas universidades e nas empresas - e a internet os está conectando, pela primeira vez na história, em uma rede neural de alcance planetário. "Alguém fora da sua organização sabe como resolver um problema específico seu e detecta oportunidades melhor que você", disse recentemente Lafley. "O seu trabalho é encontrar essas pessoas e fazê-las trabalhar de maneira colaborativa".
Com base na experiência da Procter, é possível afirmar que a conexão com a rede externa pode se dar de três formas diferentes e simultâneas. Na primeira, a empresa divulga em seu site informações sobre suas necessidades técnicas e científicas e espera respostas. Nos últimos anos, a P&G conseguiu 800 respostas dessa forma; é pouco. A segunda maneira é postar os pedidos de maneira anônima - oferecendo uma recompensa em dinheiro - em um ou mais dos vários sites de inovação aberta que já existem. Esses sites, dos quais os mais conhecidos são o Innocentive e o NineSigma, colocam as empresas em contato com a rede mundial de pesquisadores de maneira organizada. Por fim, a Procter se vale para inovar da sua própria rede de fornecedores, que atua como parceira no desenvolvimento de novas idéias. "Feitas as contas, metade das novas idéias vêm dos fornecedores", diz Sakkab.
Como pintar batatas
As idéias que emergem desse esforço não são, isoladamente, capazes de mudar o rumo da empresa. Mas a soma delas, ao longo do tempo, tem feito toda a diferença: nos últimos quatro anos a produtividade de pesquisa e desenvolvimento da P&G cresceu 60% e a taxa de sucesso de inovação dobrou, enquanto os custos de pesquisa caíram de 4,8% para 3,4% do total das vendas. Parte substancial dessa economia resulta do fato de que a empresa parou de reinventar a roda. Recentemente, quando decidiu imprimir desenhos de animais em uma nova linha de batatas Pringles, a Procter percebeu que não sabia como fazer isso. Lançou mão da rede global de inovadores e a solução apareceu: uma pequena padaria em Bolonha, na Itália, tocada por um professor universitário, tinha criado uma forma de imprimir imagens em bolos e pães com tecnologia de jato de tinta. A P&G comprou a tecnologia, lançou seu produto em tempo recorde e economizou dezenas ou centenas de milhares de dólares em pesquisa. O mercado tinha uma resposta e a rede digital de colaboração permitiu encontrá-la.
Isso significa que as empresas podem abrir mão de seus próprios pesquisadores e depender apenas dos recursos intelectuais do mercado? Para Don Tapscott e Anthony Willians, autores do livro Wikinomics, ainda não lançado no Brasil, essa é uma possibilidade ao alcance da mão. Empresas poderiam oferecer uma vasta linha de produtos usando, para desenvolvê-los, apenas a inteligência do mercado. Na outra ponta, centenas de milhares de profissionais, ou centenas de empresas, poderiam se especializar no fornecimento de idéias, sem nunca enveredar pela produção. Esse tipo de estrutura produtiva, dizem eles, já está sendo construída diante dos nossos olhos, e tende a se tornar hegemônica no século 21. Mas Sakkab, que tem 33 anos de experiência de pesquisa na Procter, duvida que seja tão fácil. "Se você tornar-se dependente do mundo exterior para partes vitais do seu processo vai perder o comando do mercado", afirma. No caso da P&G, diz ele, o essencial não é a invenção em si, mas a capacidade de integrar descobertas científicas de maneira inovadora, na forma de uma nova experiência de consumo. E são os cientistas da casa que melhor fazem isso. Eles complementam as pesquisas, determinam as formas de manufatura e estudam maneiras de vender os produtos. Os pesquisadores de fora inventam, mas são os de dentro que transformam invenções em produtos.
Na Procter & Gamble, pioneira da inovação aberta, 45% dos produtos à venda já foram criados com alguma inteligência externa
"Nós costumávamos dizer que poderíamos inventar uma solução para qualquer problema", diz Robert Hirsch, executivo da DuPont na área de propriedade intelectual. "Agora descobrimos que é uma questão de custo e de velocidade: no mercado, pode-se adquirir conhecimento a um custo muito menor." Eis o ponto. Para a DuPont, assim como para a Procter & Gamble e a Recepta, o modelo da empresa como fortaleza não faz mais sentido econômico. Do lado de fora do muro há competências, talentos e habilidades em oferta, esperando para serem utilizados por um preço razoável. Ao mesmo tempo, a competição darwiniana por mercados proíbe às empresas o luxo de esperar indefinidamente por soluções domésticas. Cabe a elas, em vez disso, organizar sua integração via internet, ao que Tapscott e Willians chamam de "ideagoras": o equivalente virtual das áreas de reunião e comércio das cidades gregas da Antiguidade. As ideagoras do século 21 tornam idéias, invenções e especialidades científicas acessíveis às empresas famintas por inovação. E representam uma ameaça implícita. "Companhias que não buscarem uma fatia crescente de seus produtos e serviços do lado de fora de seus muros", prevêem os autores, "vão descobrir-se incapazes de sustentar os níveis de crescimento, agilidade e criatividade requeridos para competir no mercado global."