Pesquisas eleitorais são representações imperfeitas da vontade do eleitorado. Imperfeitas porque são projeções feitas a partir de uma amostra que, idealmente, deveria espelhar perfeitamente as características da população amostrada, objetivo este frequentemente não alcançado devido a desafios técnicos e logísticos na etapa de coleta de dados. Não por um acaso, qualquer estimativa resultante de uma amostra está sujeita a erro e pode não refletir o que de fato pensa o eleitor.
Mas mesmo quando estamos de posse de uma amostra representativa da nossa população de interesse, pesquisas eleitorais conseguem, na melhor das hipóteses, capturar um momento específico de uma realidade que é complexa e dinâmica. Por exemplo, um contingente expressivo do eleitorado tende a estar indeciso e a mudar de opinião nos meses que antecedem a realização das eleições. Por isso, é natural que as urnas não reflitam de forma fidedigna as estimativas de intenção de voto divulgadas pelos institutos de pesquisa antes do dia da votação.
Em virtude do atual contexto de elevada polarização social e política vivido no Brasil, os resultados das pesquisas eleitorais têm sido alvo de intensa politização. De um lado, petistas vêm se apegando aos resultados das pesquisas presenciais (e.g., Datafolha e Quaest). Nestas, Lula tende a ir melhor, como no caso da pesquisa Datafolha que o coloca como favorito na disputa presidencial e indica que a fatura poderia ser liquidada já no primeiro turno em Outubro. De outro, bolsonaristas preferem depositar suas fichas nas pesquisas realizadas por telefone (e.g., DataPoder e Paraná Pesquisas) que revelam uma disputa mais apertada e um quadro menos desfavorável ao candidato à reeleição.
Levantamentos conduzidos por telefone e aqueles realizados via painéis de respondentes online reduzem drasticamente os custos operacionais de uma pesquisa eleitoral, bem como a influência dos entrevistadores sobre a resposta dos entrevistados, problemas recorrentes em levantamentos presenciais. Por outro lado, levam a menores taxas de resposta (adesão dos respondentes à pesquisa) e tendem a deixar de fora eleitores pobres com acesso limitado à internet e à telefonia móvel. Existem, portanto, boas razões para cautela e alguma dose de ceticismo nos dois casos. A despeito disso, Bolsonaro e seus aliados vêm adotando a estratégia de deslegitimar os levantamentos presenciais sob o argumento de que as pesquisas conduzidas pelo Datafolha seriam tendenciosas e errariam mais em favor dos candidatos e partidos de esquerda. Em que medida essa afirmação encontra correspondência na realidade?
A melhor forma de responder a este questionamento é analisando se e como as pesquisas eleitorais presenciais erraram em eleições passadas. O agregador de pesquisas do PoderData permite fazer esse exercício. Isto porque no site do instituto podem ser consultadas todas as pesquisas presenciais realizadas por Datafolha e Ibope entre 2002 e 2018. Neste período, 503 estimativas de intenção de voto para os cargos de Governador e Presidente foram produzidas, sendo 22,47% (113) pelo Datafolha e 77,53% (390) pelo Ibope.
Este número leva em consideração as estimativas de intenção de voto para os três primeiros colocados nas pesquisas divulgadas dias antes do primeiro turno de cada eleição. Importante ressaltar que os dados coletadas na véspera do dia de votação tendem a refletir melhor a decisão tomada pelos eleitores nas urnas, tornando estas estimativas mais precisas e menos suscetíveis a erro.
Mas como definir se uma estimativa estava “certa” ou “errada”? Podemos fazer isso analisando se o resultado oficial da eleição está dentro da margem de erro reportada pelo instituto de pesquisa. Por exemplo, imagine um cenário em que um candidato tinha 48% das intenções de voto na pesquisa divulgada dias antes da eleição. Nas urnas, este mesmo candidato obteve 45% dos votos válidos. Considerando a margem de erro média reportada pelos institutos de pesquisa no Brasil, 3 pontos percentuais para cima ou para baixo, essa estimativa deveria ser considerada “certa”.
Utilizando esse critério, 49,70% (250) das estimativas reportados por Datafolha e IBOPE entre 2002 e 2018 estavam fora da margem de erro quando comparadas ao resultado oficial do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Ou seja, os dois institutos de pesquisa erraram suas previsões em 50% dos casos. Importa notar, porém, que os candidatos de esquerda foram igualmente atingidos pela imprecisão das estimativas divulgadas por Datafolha e Ibope. No conjuntos destas 250 estimativas, os erros foram quase que simetricamente distribuídos entre os candidatos filiados a partidos de esquerda (48,53%) e os demais candidatos (50,33%).
Uma forma um pouco mais acurada de analisar essa questão é calculando a direção do viés dos institutos. Se os institutos de pesquisa agiram de má fé, eles deveriam ter reportado mais frequentemente vantagem eleitoral para os candidatos de esquerda, tendo em vista que isso poderia levar os eleitores indecisos a também querer votar nestes candidatos – em geral, como documentado pela literatura acadêmica, eleitores indecisos são mais propensos a votar no candidato que lidera as intenções de voto.
Das 503 estimativas disponíveis no agregador do PoderData, 184 delas (36,58%) foram superestimadas. No entanto, os dados revelam uma divisão bastante equilibrada (39,59% versus 34,68%) do viés de superestimação nas pesquisas conduzidas por Datafolha e Ibope. Ou seja, seguindo este critério para a aferição da acurácia das previsões divulgadas antes das eleições, existe pouca margem para argumentar que os dois institutos em questão tinham partidos de estimação entre 2002 e 2018.
Um fator complicador neste tipo de análise é que a margem de erro reportada pelos institutos ao TSE é puramente procedimental. Elas valeriam apenas se os institutos de fato fizessem pesquisas presenciais domiciliares (como é o caso dos levantamentos que vêm sendo realizados pela Quaest nas eleições deste ano). Na prática, para baratear os custos e facilitar a logística de coleta de dados, pesquisas presenciais são feitas em pontos de fluxo, geralmente abordando respondentes nas áreas centrais dos municípios sorteados para a realização das entrevistas. Como consequência, a margem de erro “real” das pesquisas domiciliares realizadas no Brasil é de 6 pontos percentuais na véspera da eleição, como discutido em recente análise do caso brasileiro que utiliza como referência a metodologia proposta por Shirani-Mehr e colaboradores.
Utilizando este critério, ou seja, assumindo uma margem de erro de 6 pontos, Datafolha e Ibope conseguiram antecipar com precisão 80.12% (403) dos resultados que saíram das urnas nas eleições para governador e presidente entre 2002 e 2018. Em outras palavras, os dois institutos de pesquisa somados acertaram 8 em 10 diagnósticos nas últimas cinco eleições gerais, um resultado nada trivial em qualquer sistema eleitoral, mas ainda mais notável em um país com mais de 30 partidos, baixa identificação partidária e elevada volatidade eleitoral.
Neste caso, a pergunta que emerge é se essa elevada taxa de acerto foi maior para os candidatos e partidos de esquerda. A resposta simples é não! Das 403 estimativas “corretas” divulgadas pelos dois institutos de pesquisa entre 2002 e 2018, 80.71% delas foram em favor da esquerda enquanto 79.74% favoreciam os demais candidatos. Portanto, as evidências existentes não permitem afirmar que os dois maiores institutos de pesquisa até muito recentemente vinham agindo de má fé para influenciar o resultado das eleições.
Obviamente, o mercado de pesquisas eleitorais vem crescendo e se diversificando nos últimos anos. O oligopólio composto por Ibope, Datafolha, Vox Populi e Ipespe foi recentemente quebrado para dar lugar a um novo mercado composto por vários outros institutos que fazem uso de novas abordagens e metodologias. Seja como for, o que se espera desses novos atores que hoje competem para saber o que se passa na cabeça do eleitor brasileiro é que as projeções de intenção de voto sejam realizadas com profissionalismo e isenção, seguindo as melhores práticas já consolidadas dentro e fora do Brasil. A torcida de todos os interessados na sobrevivência e na consolidação da democracia brasileira é que os erros continuem sendo aleatoriamente distribuídos.
Victor Araújo é pesquisador sênior no Departamento de Ciência Política da Universidade de Zurique (UZH), Suíça, e pesquisador vinculado ao CEM-CEPID/FAPESP (Centro de Estudos da Metrópole). Em 2022, lançou o livro "A Religião Distrai os Pobres? O voto econômico de joelhos para a moral e os bons costumes", pela editora Edições 70 (Grupo Almedina Brasil).
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