O presidente do Instituto Butantan diz que a pandemia expôs as fraquezas do sistema de saúde, mundial e brasileiro, e que não podemos deixar passar a oportunidade de melhorar
“Precisamos aprender com a experiência da pandemia de Covid-19 e nos preparamos, como sociedade, para os próximos desafios, já que a situação afetou também a educação e a população mais vulnerável”, afirma Dimas Covas, professor titular da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) e presidente do Instituto Butantan em artigo publicado na edição comemorativa aos 60 anos da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), intitulado “Ciência deve vir antes da política”.
Nele, Covas descreve as lições que ficaram da pandemia, entre elas, que é necessário rever os procedimentos regulatórios mundiais. “Em uma situação grave como esta, não faz sentido desenvolvermos vacinas em três meses e aguardarmos quase um ano para a sua aprovação regulatória”, expõe. Segundo ele, uma que tivesse eficácia de 40% seria muito útil e evitaria a morte de muitas pessoas, mas não seria aprovada pela Anvisa.
Covas acredita que uma vacina sazonal será necessária devido às novas cepas, mas que não haverá novas ondas como em 2021. As outras orientações são:
1. Reforma do sistema global de segurança em saúde, começando pela OMS, que deve ser reforçada com um novo Regulamento Sanitário Internacional. Não é possível o combate eficiente a uma pandemia sem um organismo coordenador forte, autônomo e equitativo, com mandato claramente definido pela Assembleia das Nações Unidas.
2. Reforma dos sistemas nacionais de segurança em saúde, em acordo com o item anterior. No caso do Brasil, a criação de uma agência independente e estável, à semelhança da Anvisa, em substituição à atual Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde, que cuide dos riscos epidêmicos com a autonomia científica e técnica necessária para coordenar e implementar as ações de vigilância em saúde.
3. Estabelecer uma nova agenda para ciência e tecnologia, voltada para o desenvolvimento de uma indústria nacional competente em insumos, produtos biotecnológicos e vacinas. A FAPESP deu exemplo de agilidade e competência nessa pandemia e tem papel fundamental nessa agenda.
4. Investir na construção de uma rede nacional de laboratórios de nível de biossegurança 3 e 4, operando dentro de normas internacionais e capazes de isolar, manipular e produzir agentes infecciosos para pesquisa e para a indústria de vacinas e diagnósticos.
5. Promover a educação científica de forma geral, para que o negacionismo não tenha espaço.
6. No curso de uma pandemia, a ciência deve vir antes da política. A politização da pandemia de Covid-19 foi a maior aliada do vírus. Essa lição, talvez, seja a maior de todas.
“Os erros e as falhas precisam ser revistos para que as futuras pandemias possam ser combatidas de forma eficaz”, encerra Covas.