Notícia

Jornal da Unicamp

As cores que vêm da rua (1 notícias)

Publicado em 21 de setembro de 2003

Por LUIZ SUGIMOTO
Para sua dissertação de mestrado pela PUC de Campinas, a psicóloga Viviane Melo de Mendonça Magro foi conversar com grupinhos de estudantes das classes média e média baixa nas calçadas de uma escola pública da cidade. Encontrou adolescentes cooptados pelo consumo, acomodados, sem projetos claros de vida, ansiosos por festas, desesperançados frente às condições do país e distantes de um engajamento social e político. "O conceito de adolescência que temos hoje foi construído com base nas aspirações da classe média, é aquele que a mídia passa", afirma. Mas há adolescentes que fogem deste padrão. Para sua tese de doutorado, na Faculdade de Educação (FE) da Unicamp, Viviane Magro foi até a periferia atrás de jovens engajados em projetos sociais, encontrando parte deles no hip hop, um movimento juvenil de periferia que apresenta três expressões principais: do rap, música falada e de batidas fortes; do break, dança ao som do rap (embora não necessariamente) e de gestos e passos um tanto quanto robóticos; e do grafitti, que procura expressar a realidade de vida e anseios pessoais em muros, através de desenhos que ousam nas cores. Mesmo tendo coletado muitas informações sobre o hip hop, a psicóloga decidiu promover um recorte no objeto original de pesquisa, após discussões com a professora Isaura Rocha Figueiredo Guimarães, sua orientadora e estudiosa de gênero e sexualidade. Viviane ateve-se ao grafitti e, dentro dele, à questão das meninas que procuram marcar presença num espaço genuinamente masculino. Meninas do Graffiti: Adolescência, Identidade e Gênero nas Culturas Juvenis Contemporâneas é o título provisório da tese de doutorado viabilizada graças à bolsa da Fapesp. "Pode parecer baderna, mas um olhar diferenciado nos mostra o que há por trás da atitude de uma menina que, na manhã de domingo, sai por aí pintando muros", recomenda Isaura Guimarães. Viviane Magro recorreu a este olhar e viu, dentro do hip hop, adolescentes que procuram seu espaço enquanto agentes sociais, que lêem e pensam sobre o país e o mundo, e por isso capazes de formular questões significativas. "Eles vivem uma situação de opressão e exclusão, sentem de perto o problema da violência e do tráfico, vêem amigos e parentes sendo assassinados", conta a psicóloga. É uma realidade que motiva os jovens a tentar mudá-la. As meninas do hip hop, especificamente, reúnem crianças e adolescentes em oficinas e projetos para falar sobre drogas, gravidez precoce e outros assuntos que lhes dizem respeito. Buscam financiamentos na prefeitura e negociam o apoio dos vereadores para estes programas. "Isso os diferencia dos adolescentes retratados pela mídia e por alguns estudos, onde nos jovens prevalece o desinteresse e a desesperança, a sensação de que "eu não posso fazer nada sozinho", observa Viviane. "Os adolescentes de classe média também estão agrupados, no shopping, mas não vemos neles esta preocupação de quebrar com o que não satisfaz e buscar a auto-afirmação", acrescenta Isaura Guimarães. Contradições - Embora o hip hop seja vértice do movimento negro, no grafitti prevalece a afinidade por classe social em detrimento da cor, notando-se o convívio livre de preconceitos entre negros, pardos e brancos. Mas trata-se igualmente de um espaço masculino, em que Viviane Magro aponta contradições. "Ansiosas por construir sua identidade de mulher, as meninas necessitam de liberdade de expressão e reivindicam maior participação e respeito dos meninos, mas ainda são minoria e ausentes em alguns eventos em "rolês". Às vezes, elas próprias se excluem", explica. Afora controvérsias sobre a disposição das meninas em participar de "rolês" na madrugada, pular muros e correr de cachorros, o grande embate se dá em torno do estilo. As grafiteiras tentam fazer um desenho mais "louco", agressivo, mas ainda recorrem à suavidade das nuvens e flores, traços que os meninos consideram ingênuos. Duelo de gênero à parte, os dois sexos se unem quando alguém confunde grafiteiro com pichador. "O pichador quer a transgressão, há uma competição entre eles para deixar sua marca em pontos altos dos prédios da cidade. O grafitti traz um lado artístico, quer mostrar uma idéia, é realmente uma forma de expressão", comenta Viviane.