Há pouco tempo acreditava-se ser impossível que árvores absorvessem água pelas folhas, até porque a superfície delas, como se sabe, é coberta por uma fina camada de cera impermeável, a cutícula, que evita a perda de água para o ambiente. Mas nos últimos tempos, segundo o botânico Gregory Goldsmith, da Universidade da Califórnia, em Berkeley, foram identificadas 70 espécies de plantas com folhas capazes de absorver água.
A botânica Aline Lima confirmou a absorção de água pelas folhas em seu trabalho mestrado, que faz parte do projeto Biota Gradiente Funcional, financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp) . Ela pingou gotas de água contendo cristais fluorescentes sobre folhas de casca-de-anta (Drimys brasiliensis) em uma estufa, para depois observar, no microscópio, o caminho percorrido pela água. O trabalho comprovou que a água atravessa a cutícula e penetra na folha. Segundo o ecólogo e orientador da pesquisadora, Rafael Oliveira, estudos recentes feitos na Alemanha mostram que os cristais de cera da cutícula são dinâmicos. Numa atmosfera muito úmida eles se rearranjam e deixam a folha permeável.
As pequenas matas nebulares nas encostas montanhosas retêm umidade quando o vapor da neblina se condensa em gotas sobre suas folhas e escorre para o solo. Estudos em matas nebulares tropicais da Costa Rica sugerem que a captação de água da neblina pelas árvores pode contribuir com até 30% do volume dos rios de uma região.Uma porção menor da água da neblina retorna ao solo de um modo surpreendente: por dentro das árvores. Em artigo publicado on-line em março na New Phytologist, a equipe de Oliveira mostra que, quando o solo está seco e a neblina aparece, as folhas da casca-de-anta - a árvore mais abundante nessas matas - são capazes de absorver a água que se deposita em sua superfície.
Os pesquisadores observaram que o sistema vascular da árvore conduz essa água até suas raízes e libera parte dela no solo. Segundo Oliveira, é a primeira vez que se observa essa forma de transporte de água em uma árvore tropical.
Esses resultados contrariam o que diz a biologia. O fluxo de água nas plantas, tradicionalmente, segue um sentido único. Segundo a visão clássica, as folhas estão sempre transpirando, perdendo água para o ar por meio dos estômatos, orifícios na superfície inferior das folhas que abrem e fecham segundo a disponibilidade de luz e água. Como alguém que sorve líquido por um canudo, a perda de água por transpiração exerce uma força de sucção no interior dos vasos condutores fazendo a água subir até as folhas enquanto mais água é retirada do solo pelas raízes. "É o que a maioria das plantas faz o tempo todo", explica Oliveira. Estudos sugerem que até 50% da umidade que circula na atmosfera em certas regiões venha da transpiração de suas florestas.
Nos últimos anos, entretanto, alguns pesquisadores começaram a observar que esse fluxo pode ser invertido em situações em que o ar está mais úmido do que a terra. O biólogo Todd Dawson, que orientou Oliveira durante seu doutorado na Universidade da Califórnia, em Berkeley, descreveu em 2004 como as sequoias transportam água na contramão.
As florestas de sequoias, árvores com até 115 metros de altura, ocorrem em regiões da Califórnia onde cai uma quantidade de chuva comparável à do sertão nordestino. O que salva essas árvores da seca é a neblina vinda do mar, que satura o ar de vapor-d"água. Nessa condição, as folhas das sequoias absorvem água e param de transpirar, cessando o fluxo de baixo para cima. Ao mesmo tempo, a secura no interior do tronco cria uma força de sucção capaz de puxar a água da atmosfera para baixo, até a árvore se reidratar.
Tentando identificar um fenômeno semelhante em árvores brasileiras, Oliveira procurou por florestas nebulares em todo o País até encontrar as matas da Serra da Mantiqueira, onde nascem vários rios, embora seja uma região com secas frequentes. Nas matas do Parque Estadual de Campos do Jordão, onde trabalha desde 2009, chove um pouco mais do que no Cerrado. O clima é seco de junho a agosto, embora quase sempre haja neblina no começo e no fim do dia.
Para entender como a casca-de-anta sobrevive nessas condições, Cleiton Eller, aluno de doutorado de Oliveira, cultivou essas árvores em uma estufa na Unicamp em três condições: recebendo água pela terra, hidratadas por meio de uma neblina artificial borrifada sobre as folhas ou sem irrigação. As plantas tratadas só com neblina sobreviveram por dois meses.
A fim de confirmar que a água absorvida pelas folhas podia ser transportada até a terra, os pesquisadores realizaram um experimento complementar. Pelos números obtidos no estudo, Oliveira estima que, se uma árvore transpira 10 litros de água por dia, ela é capaz de transportar em seu interior, no mesmo dia, 2,5 litros de água da atmosfera para o solo.
Oliveira ainda diz que há incerteza sobre a quantidade de água que as raízes liberam para o solo, mas ressalta que seus experimentos comprovaram o fluxo inverso da água das folhas até as raízes.Nos testes feitos na Serra da Mantiqueira, a equipe de Oliveira traçou o fluxo de água nas árvores com sensores conectados por fios a um equipamento que armazena as informações. Agora o grupo se prepara para iniciar o monitoramento de matas nebulares com sensores sem fios, a serem desenvolvidos por engenheiros da Microsoft, com apoio da Fapesp. A ideia é acompanhar as transformações que esses ambientes podem sofrer com as alterações climáticas.
Confira a íntegra da matéria de Igor Zolnerkevic na REvista Pesquisa Fapesp