Estudos identificam vulnerabilidades e capacidade de resposta aos efeitos das mudanças climáticas na macrometrópole paulista. Pesquisadores também apontam a necessidade de compreender as disparidades sociais e a distribuição desigual dos riscos dentro de uma mesma cidade (enchente no município de Itaoca, no Vale do Ribeira; foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil).
Na Região Metropolitana de São Paulo (RMSP), as cidades com maior vulnerabilidade à seca e outros desastres naturais são também as que têm mais capacidade socioeconômica para se adaptar ao problema. Se por um lado isso parece ser positivo, por outro, evidencia a necessidade de articulação não só entre os municípios, mas também nas diferentes esferas governamentais para priorizar e definir as melhores maneiras de atingir a resiliência climática.
É o que afirma uma equipe multidisciplinar de pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP), do Instituto Tecnológico de Aeronáutica (ITA) e da Universidade Federal do ABC (UFABC) em artigo publicado na revista Sustainability. No estudo, a equipe comparou indicadores socioeconômicos e de vulnerabilidade climática entre os 174 municípios que formam a macrometrópole paulista – área com cerca de 30 milhões de habitantes e que abrange as regiões metropolitanas de São Paulo, Campinas, Sorocaba, Baixada Santista e o entorno do Vale do Paraíba.
“Das 19 municipalidades mais vulneráveis à seca e desastres naturais, 18 estão situadas na RMSP e uma no Vale do Paraíba. Apesar de esses municípios terem boa capacidade de resposta às mudanças climáticas, eles estão longe de avançar ou de tomar as medidas necessárias para enfrentar os desafios climáticos que já se fazem presentes, e que devem aumentar nos próximos anos”, diz Pedro Henrique Campello Torres , pesquisador da USP e autor do estudo.
O trabalho integra um Projeto Temático sobre a macrometrópole paulista que trata de cinco eixos principais e interdisciplinares: análise de vulnerabilidades, serviços ecossistêmicos, energia, mudanças climáticas e inovação.
Os 19 municípios selecionados no estudo são: Arujá, Caieiras, Carapicuíba, Cotia, Diadema, Embu das Artes, Embu-Guaçu, Itapecerica da Serra, Itapevi, Itaquaquecetuba, Jandira, Mauá, Osasco, Poá, São Caetano, São Lourenço da Serra, São Paulo, Taboão da Serra e Jambeiro (o único no Vale do Paraíba e, portanto, distante dos demais).
Os dados econômicos e de infraestrutura mostram que, embora muitos desses municípios tenham a capacidade institucional para apresentar planos próprios, outros apresentam maior dificuldade. Um exemplo destacado pelos pesquisadores é a cidade de Itaquaquecetuba, que tem Produto Interno Bruto (PIB) muito menor do que as outras cidades, como a capital paulista ou as que formam a região do ABC.
Outro estudo realizado pelo mesmo grupo e publicado no International Journal of Urban Sustainable Development mostrou que a falta de uma governança antecipatória e de infraestrutura são razões para os recorrentes casos de mortes por enchentes na macrometrópole paulista. “São esses mesmos municípios que, por óbvio, precisam fazer ações imediatas para combater problemas presentes e futuros”, afirma Torres.
Além da maior articulação entre municípios e níveis de governo, um terceiro artigo publicado pelo grupo de pesquisadores na revista Mercator propõe uma abordagem mais aprofundada para compreender disparidades sociais e a distribuição desigual dos riscos dentro de uma mesma cidade.
“É preciso que o gestor municipal saiba quais são as áreas mais vulneráveis, fazendo uma governança que tenha justiça distributiva. No fim das contas, estamos falando de um futuro incerto, o que é muito complexo em política, que precisa ser certeira, usar os recursos da melhor maneira possível e com base na ciência. O melhor caminho então é planejar uma governança colaborativa e não concorrente”, diz Pedro Jacobi, pesquisador do Instituto de Estudos Avançados (IEA-USP) e coordenador do Projeto Temático.
De acordo com os pesquisadores, no contexto da macrometrópole paulista, a vulnerabilidade fica evidente quando se abordam os territórios periféricos. A análise espacial de infraestrutura e de serviços mostra que, do ponto de vista do meio físico, são mais frágeis, suscetíveis a processos de deslizamentos e inundações. Já do ponto de vista ambiental, são também os territórios periféricos os responsáveis pela manutenção dos serviços ecossistêmicos quando resguardados pelas leis de proteção ambiental – o que pode resultar em conflitos entre proteção ambiental e direito à moradia e à cidade.
Mais frequentes e mais extremos
Os eventos climáticos extremos já afetam os municípios da macrometrópole paulista. Secas severas, chuvas extremas e inundações vêm ocorrendo de forma mais grave em várias cidades da região durante diferentes épocas do ano.
Nos últimos anos, as políticas de prevenção de desastres têm crescido no Brasil, amparadas em uma nova perspectiva de leis baseadas na mitigação, prevenção, preparação e resposta.
De acordo com os pesquisadores, a última grande seca que afetou a RMSP entre 2013 e 2015, por exemplo, reforçou a necessidade de uma resposta política regional às questões climáticas, levando em conta suas interdependências e vulnerabilidades.
“Essa abordagem regional complementa as perspectivas atuais, que estão focadas em nível nacional ou municipal. Porém, existe uma ausência de planejamento conjunto e essa maior articulação parece ser essencial para priorizar e usar melhor os recursos disponíveis, não só os financeiros, mas de pesquisa, que possam servir de base para a tomada de decisão conjunta e em diferentes esferas governamentais”, diz Torres.
Os pesquisadores afirmam que um dos motivos para essa falta de foco regional no combate às mudanças climáticas é a indisponibilidade de planejamento e cenários regionais. “Com isso também ficaria mais evidente uma avaliação da resposta das políticas para a região, que é a mais rica do Brasil e uma das mais ricas do Sul Global”, diz Torres.
O grupo de pesquisadores analisou ainda como esses municípios da macrometrópole paulista estavam em relação às políticas e planos territoriais de planejamento e resiliência. “Para nossa surpresa, todos os 19 tinham aderido, por exemplo, ao plano de prevenção da defesa civil e apenas quatro não faziam parte do Programa Cidades Resilientes [Arujá, Embu, Embu-Guaçu e Itapevi]”, diz Torres.
De acordo com o pesquisador, isso mostra que, de certa maneira, os municípios demonstram a necessidade de ações de enfrentamento e de maior articulação. “Caso contrário, nem sequer teriam atendido a esses programas. Não é qualquer município que pode assinar um compromisso internacional de se tornar uma cidade resiliente”, diz Torres.
O artigo Vulnerability of the São Paulo Macro Metropolis to Droughts and Natural Disasters: Local to Regional Climate Risk Assessments and Policy Responses (doi: 10.3390/su13010114), de Pedro Henrique Campello Torres, Demerval Aparecido Gonçalves, Flávia Mendes de Almeida Collaço, Kauê Lopes dos Santos, Katia Canil, Wilson Cabral de Sousa Júnior e Pedro Roberto Jacobi, pode ser lido em www.mdpi.com/2071-1050/13/1/114.
O artigo Why do extreme events still kill in the São Paulo Macro Metropolis Region? Chronicle of a death foretold in the global south (doi: 10.1080/19463138.2020.1762197), de Luciana Travassos, Pedro Henrique Campello Torres, Gabriela Di Giulio, Pedro Roberto Jacobi, Edmilson Dias De Freitas, Isabela Christina Siqueira e Tércio Ambrizzi, pode ser lido em www.tandfonline.com/doi/full/10.1080/19463138.2020.1762197.
O artigo Vulnerabilities, risks and environmental justice in a macro metropolitan scale (doi: 10.4215/rm2021.e20003), de Katia Canil, Rodolfo Baêsso Moura, Samia Nascimento Sulaiman, Pedro Henrique Campello Torres, Anna Luisa Abreu Netto e Pedro Roberto Jacobi, pode ser lido em www.mercator.ufc.br/mercator/article/view/e20003.
Por: Maria Fernanda Ziegler (Agência Fapesp).