No que concerne à discussão do ensino superior de arte e da produção artística no âmbito da universidade, o Brasil tem demonstrado uma enorme dificuldade de acompanhar as tendências internacionais de modernização. Sem falar no grau de desapreço que a política governamental impõe hoje ao ensino e à pesquisa no país, há questões técnicas específicas de cerne. Ignorá-las só obstrui o fluxo do saber e perpetua o obscurantismo. Em primeiro lugar - ainda que ampliada e diversificada em relação às suas origens no período imperial -, a universidade brasileira conserva a idéia de que nasceu tão-somente para formar quadros profissionais, de preferência nas áreas técnicas que a tradição celebra. Além disso, mergulhada no raciocínio técnico e no discurso verbal, a universidade tem dificuldade de identificar a existência de um pensamento visual, dotado de leis específicas, de instrumentos e meios semânticos próprios, cuja praxis se realiza na criação artística. Não reconhecer a especificidade desse pensamento visual é negar à obra de arte sua capacidade de ser ao mesmo tempo um objeto estético e de civilização, conforme define Pierre Francastel. Objeto estético porque uma forma significante, uma mensagem que fala à percepção; objeto de civilização porque síntese reveladora de uma sociedade e de seu tempo, não só no que ela tem de realidade objetiva, mas também no que diz respeito às suas visões utópicas e ao seu imaginário.
Essas particularidades - entre tantas outras - fazem da arte um domínio peculiar, com leis próprias, a propor desafios e a demandar, das instituições que com ela convivem, uma reflexão renovada e específica. No campo da produção artística, a universidade deve assumir seu papel de, mais do que formar técnicos, estimular a atividade de artistas-pesquisadores voltados para a contribuição ao pensamento coletivo, para a mecânica da percepção / reflexão e para o exercício criativo que finaliza na obra da arte.
Considerando desafios e demandas desse tipo, que emergem naturalmente do processo de desenvolvimento econômico e social, o governo francês determinou, a partir dos anos 80, uma reforma profunda e abrangente das instituições de ensino superior dedicadas à praxis artística. Outros países fizeram o mesmo, como a Alemanha e os Estados Unidos.
Um recente estudo realizado na França sobre as relações entre os artistas e as instituições anuncia conclusões que surpreendem por seu aspecto revelador e paradigmático. A primeira delas é a de que - apesar da confirmação de que a profissão de artista pode ser exercida à margem de estudos formais e de que o diploma não é garantia de sucesso - a formação exerce um efeito altamente positivo no desenvolvimento da carreira artística. Mais de 70% dos artistas considerados de "visibilidade forte" (expressão técnica para citar artistas famosos) receberam uma formação superior. O interessante, no entanto, é que essa correlação entre formação superior e sucesso na carreira artística é quase nula nos artistas mais idosos, positiva para os artistas intermediários (entre 45 e 55 anos) e proporcionalmente crescente para as gerações mais novas. O que os jovens artistas parecem dizer é que já se foi o tempo em que uma escola de arte era sinal de limitação ao talento criador. Assim sendo, é tempo de discuti-las.
Constatações desse tipo ajudam a diluir equívocos e preconceitos que se têm sobre a praxis artística em geral e na universidade em particular, tirando-a da alcova insalubre das visões românticas e trazendo-a para uma discussão contemporânea é vital. Ao incluí-la em suas preocupações de atualização, a universidade brasileira estará assumindo sua vocação de espaço catalisador e irradiador da experiência da sociedade, no seu sentido mais amplo de abrangência inter e multidisciplinar, flexível e adaptada ao seu tempo.
Artista plástico, Professor da Escola de Belas-Artes da UFMG.
Notícia
Jornal do Brasil