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Arranjos nanométricos (1 notícias)

Publicado em 27 de fevereiro de 2015

Por Carlos Orsi

Um dos objetivos da nanotecnologia é a construção de estruturas macroscópicas a partir de entidades nanométricas, como átomos e moléculas individuais, tratando os blocos fundamentais da matéria como tijolos manipuláveis. Essa abordagem, no entanto, enfrenta uma série de problemas práticos, principalmente por conta da dificuldade de lidar com objetos tão pequenos. Uma alternativa é contar com a capacidade de auto-organização destas entidades, criando condições para que a interação natural das partículas, entre si e com o meio em que se encontram, produza a estrutura desejada. Duas séries de experimentos que perseguem essa abordagem, uma realizada na Unicamp e outra, na Universidade de Basileia, na Suíça, são descritas na dissertação de mestrado de Shadi Passam Fatayer, defendida no Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW) da Unicamp, orientada pelo professor Abner de Siervo.

Em ambos os trabalhos, Fatayer explorou a interação de moléculas orgânicas com superfícies metálicas. “A escolha de interfaces de superfícies metálicas com materiais orgânicos tem diversas razões”, disse ele ao Jornal da Unicamp. “Uma delas está na engenharia dos níveis energéticos das moléculas, através da interação com a superfície metálica. Além disso, a utilização de superfícies metálicas orientadas propicia a existência de mínimos de energia bem definidos para que as moléculas se auto-organizem de forma heterogênea, o que possibilita ‘arquitetar’ as moléculas, que se ligam entre si em diferentes arranjos na superfície”.

Uma superfície metálica “orientada”, explica ele, é uma cujos átomos formam um cristal em uma direção bem precisa. “Quando se faz pesquisa em física de superfícies, busca-se simplificação – você quer os átomos da sua superfície metálica formando sempre o mesmo padrão geométrico, para facilitar no entendimento dos fenômenos que possam ocorrer”.

Para o estudo realizado na Unicamp, o pesquisador usou moléculas da família da porfirina – um parente da hemoglobina e que surge da degradação dos glóbulos vermelhos do sangue – sobre um substrato de cobre, e também ouro. Na Suíça, ele trabalhou com ftalocianinas, um corante sensível à luz que vem sendo muito estudado como um material de interesse para a criação de componentes fotônicos, tais como células solares orgânicas e OLEDs (LEDs orgânicos), bem como dispositivos eletrônicos, sobre diferentes substratos.

Interesse

Moléculas como porfirina, ftalocianina, e outras, como hemoglobina e clorofila, são interessantes para esse tipo de estudo, explica Fatayer, porque contam com um macrociclo – um anel de átomos de carbono – em cujo centro repousa um único átomo de caráter metálico, como ferro ou cobre. “A arquitetura da molécula faz com que o átomo de caráter metálico possa se ligar a diversas moléculas, diferentemente da rede de carbonos ao redor. E essa ligação transfere elétrons, ou da molécula ou para a molécula”.

No caso do trabalho realizado na Unicamp, foi utilizada uma porfirina com centro metálico de níquel. O níquel pode se comportar como um material magnético, e isso pesou na escolha, como diz o texto da dissertação: “o interesse no níquel se dá na possibilidade dele apresentar caráter magnético na molécula, podendo resultar em futuros experimentos que envolvam magnetismo”, a serem realizados pelo grupo de pesquisadores baseado na Universidade de Campinas.

Esse experimento produziu, inicialmente, fileiras de moléculas depositadas sobre o cobre. Com o aumento do número de partículas lançadas sobre substrato, elas interagem entre si, formando pequenos quadrados interligados, como elos numa corrente.

Já a superfície de ouro utilizada no trabalho foi de um tipo chamado “vicinal” – com um pequeno desvio na direção que produziria uma orientação bem comportada do substrato. “Tais superfícies têm terraços bem definidos, formando degraus de mesma largura e orientação”, diz a dissertação. Essa característica altera a interação das moléculas com o substrato. Nesse caso, as porfirinas se auto-organizam em ilhas e paralelogramos, e dependendo da quantidade de moléculas depositadas, foi possível obter fios paralelos de moléculas.  Com o aumento do número de camadas de porfirina, surgiram outras estruturas geométricas, como quadrados.

Fatayer relata que houve tentativas de medir a movimentação dos elétrons e a suscetibilidade das camadas de porfirina à luz, dados que poderiam indicar alguma possível aplicação futura no campo da microeletrônica, mas que os resultados foram inconclusivos. “Foram feitas tentativas em nosso laboratório de se observar transferência de carga nas redes moleculares auto-organizadas de NiTPP [Tetrafenil porfirina de níquel] quando feita a incidência de luz com comprimento de onda bem definido. Infelizmente os resultados, apesar de apresentarem uma pequena transferência de carga, foram inconclusivos por requererem maior número de dados”, disse. “Com a técnica de microscopia de tunelamento, não podemos afirmar acerca da mobilidade eletrônica. Para isso seria necessário utilizar técnicas de transporte, e infelizmente o curto período de um mestrado não possibilitou tais experimentos”.

Ele lembra, no entanto, que o estudo feito no Departamento de Física Aplicada da Unicamp tinha como objetivo a compreensão de aspectos mais fundamentais – por exemplo, como as redes moleculares são formadas e em quais arranjos elas são possíveis. “Para o avanço na ciência, é necessário frisar que tanto pesquisas de cunho fundamental como aplicado são de extrema importância”, disse.

A técnica de microscopia de tunelamento com varredura (STM, na sigla em inglês) usada nos dois trabalhos, se vale de algumas propriedades das partículas subatômicas, definidas na mecânica quântica, para “sentir” a presença de átomos individuais. Usando agulhas extremamente finas, o microscópio capta pequenas correntes elétricas que permitem traçar o relevo de uma paisagem atômica. O equipamento utilizado foi financiado com recursos de um projeto temático da Fapesp.

Tabuleiro de xadrez

Na Suíça, Fatayer testou diferentes substratos para produzir um padrão quadriculado de moléculas orgânicas, como em um tabuleiro de xadrez, para ser usado em sensores de gás. Foram adotadas moléculas de ftalocianinas com dois centros metálicos, um de manganês e outro, de cobre. O primeiro substrato testado foi a prata. Mas, nesse caso, o resultado obtido foi uma distribuição de moléculas ao acaso.

Um novo substrato, de cobre e bismuto, foi usado em seguida. “Em vez de trabalhar com superfícies cristalinas puras, decidimos variar a configuração eletrônica ao longo da superfície. Isso poderia fornecer diferentes regiões de ancoragem para as moléculas”, diz a dissertação.

“A escolha correta de ftalocianina e de substrato produziu um padrão tipo tabuleiro de xadrez”, diz a dissertação. Essa configuração oferece “caminhos mais simples para a construção de sensores de gás. Exemplos de futuros estudos são a adsorção de moléculas pequenas, como CO ou NO” na estrutura auto-organizada de ftalocianinas de cobre e manganês. “Adsorção” é a adesão de uma molécula à superfície de um substrato sólido.

O uso de filmes orgânicos sobre superfícies metálicas desse tipo poderá se mostrar útil em aplicações médicas. “Você poderia utilizar os filmes orgânicos como sensores de gases tóxicos, como o CO, ou mesmo gases que possuam enxofre”, disse o autor.  “Neste caso, a partir de certa concentração de tal gás, uma maior quantidade de ligantes, os centros metálicos das moléculas, estariam ligados a este gás, modificando a transferência de carga para o substrato, o que modificaria o sinal elétrico do sensor, indicando o perigo da situação”, explicou.

Publicação

Dissertação: “Construção de nanoestruturas de porfirinas e ftalocianinas em superfícies metálicas”

Autor: Shadi Passam Fatayer

Orientador: Abner de Siervo

Unidade: Instituto de Física Gleb Wataghin (IFGW)

Financiamento: Fapesp