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Áreas agrícolas alteram a dieta e se tornam habitat de animais mamíferos (24 notícias)

Publicado em 08 de outubro de 2019

Por A Lavoura

Antes consideradas inóspitas, áreas agrícolas se tornaram a nova “casa” de animais mamíferos, como a jaguatirica (foto), onde podem encontrar sua fonte de alimentos a partir dos cultivos

A conclusão é de um estudo divulgado na Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America, importante publicação científica dos Estados Unidos. A pesquisa, coordenada pelo biólogo Marcelo Magioli, reuniu cientistas da Universidade de São Paulo (USP), Universidade Estadual Paulista (UNESP) e Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio).

Magioli explica que os mamíferos presentes em áreas agrícolas, onde as florestas são pequenas e isoladas uma das outras, passam a consumir alimentos originados nos cultivos, como cana-de-açúcar, milho e pastagens, além de também utilizarem essas áreas como habitat.

“A cadeia alimentar nessas paisagens é confusa devido ao uso de fertilizantes nos cultivos que aumentam os valores de nitrogênio nas plantas, que por sua vez são consumidas pelos mamíferos, e acabam alterando a posição dos animais que são consumidores de recursos primários – vegetais – na cadeia”, comenta Magioli.

A pesquisa acrescenta informações sobre o papel das áreas agrícolas como parte do habitat de espécies da fauna e um lugar onde encontrar alimento, tido por estudos anteriores como áreas inóspitas para os animais.

O biólogo alerta que, “no entanto, apesar dos mamíferos utilizarem e consumirem recursos nos cultivos agrícolas, não sabemos ainda as consequências desses alimentos para a saúde dos animais”, pondera Magioli.

Produção e conservação

O estudo conclui que nas áreas agrícolas é necessária uma conciliação entre produção e conservação da biodiversidade, ou seja, um manejo favorável dos cultivos.

“Os mamíferos dependem das florestas para sobreviver (refúgio), sendo assim, a sua remoção resultaria no desaparecimento das espécies. Os grandes blocos florestais são insubstituíveis para a conservação das espécies de mamíferos, pois abrigam maior diversidade, e muitos animais que já foram extintos em áreas agrícolas”, complementa o pesquisador.

Como foi feita a pesquisa

O pesquisador explica que, a partir das fezes dos mamíferos coletadas em quatro áreas da Mata Atlântica do estado de São Paulo, duas conservadas e duas modificadas, foram extraídos os pelos dos animais, sendo esses submetidos a análise de isótopos estáveis de carbono e nitrogênio.

“A análise de isótopos estáveis de carbono permite conhecer a origem dos recursos consumidos pelos mamíferos, ou seja, se vem das florestas ou dos cultivos agrícolas, e os isótopos estáveis de nitrogênio oferecerem informações sobre a posição das espécies na cadeia alimentar, isto é, se são consumidores primários, secundários ou predadores”, explica Marcelo Magioli.

Ele reforça que os dados obtidos mostram que os mamíferos presentes em grandes blocos florestais utilizam principalmente recursos alimentares originado nas próprias florestas, habitando basicamente esses locais.

Foram coletadas fezes coletadas de mamíferos carnívoros, como onça-parda (Puma concolor), gato-do-mato-pequeno (Leopardus guttulus), gato-maracajá (Leopardus wiedii), jaguatirica (Leopardus pardalis), gato-mourisco (Puma yagouaroundi), cachorro-do-mato (Cerdocyon thous) e lobo-guará (Chrysocyon brachyurus), além de materiais de outras espécies, como o cateto (Pecari tajacu), veado (Mazama sp.), quati (Nasua nasua), entre outros.

“A partir da triagem das fezes (isto é, a separação dos itens alimentares contidos no material fecal – ossos, pelos, dentes, unhas) podemos identificar as principais presas dessas espécies, e assim, acrescentar mais espécies para a análise.”

Nas áreas preservadas (contínuo florestal da Serra do Mar e Serra de Paranapiacaba) também foram utilizadas armadilhas para a coleta de pelos, que consiste em um cercado de arame farpado com iscas no centro (milho, sal, frutas), que atraem os mamíferos, e quando passam por baixo dos fios de arame, deixam pelos presos, semelhante a uma cerca.

A partir dessas duas técnicas, foram analisadas 29 espécies de mamíferos.

Complexidade

“A organização da cadeia alimentar nessas áreas é complexa, consequência da maior diversidade de espécies e menor impacto das atividades humanas”, afirma Magioli, lembrando que a complexidade da cadeia alimentar nas áreas preservadas se dá pela organização dos animais na cadeia.

“Em teoria, esperávamos que a cadeia alimentar nessas áreas se organizasse de forma ordenada, ou seja, com animais que se alimentam exclusivamente de material vegetal ocupando a base da cadeia (herbívoros e frugívoros), seguido por animais que consomem tanto material vegetal como animal (onívoros), e por fim, no topo, espécies que se alimentam exclusivamente de material animal (insetívoros e carnívoros)”.

Sendo assim, em grandes blocos florestais, onde os mamíferos dependem apenas da floresta como fonte de recursos alimentares, a organização da cadeia alimentar segue esse padrão, que é medido pelos isótopos estáveis de nitrogênio, na seguinte sequência: herbívoros – frugívoros – onívoros – insetívoros – carnívoros.

Nas áreas modificadas, ou seja, dominadas por cultivos agrícolas, a incorporação de recursos alimentares dos cultivos (cana, milho, pastagem), aumentam os valores de nitrogênio dos animais que consomem material vegetal (herbívoros, frugívoros e onívoros).

Isso dificulta a interpretação do ordenamento da cadeia, uma vez que esses animais que deveriam estar situados na base da cadeia alimentar, apresentam valores semelhantes ao predadores.

O artigo completo, Human–modified landscapes alter mammal resource and habitat use and trophic structure, de Marcelo Magioli, pode ser acessado em https://www.pnas.org/content/116/37/18466.

A pesquisa teve apoio pela Fundação de Apoio à Pesquisa no Estado de São Paulo (Fapesp), Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e Fundação Grupo Boticário de Proteção à Natureza.

Fonte: Esalq