WASHINGTON - O macho da aranha de costas vermelhas da Austrália realmente se sacrifica por seus filhotes. Uma pesquisa realizada por Maydianne Andrade, do Departamento de Zoologia da Universidade de Toronto, no Canadá, revelou que os machos que se deixam canibalizar pela fêmea durante o ato sexual prolongam a duração da cópula e têm mais chances de gerar descendentes.
O estudo feito com as aranhas da espécie Latrodectus hasselti, publicado na revista Science, desbanca a hipótese segundo a qual o canibalismo sexual é o resultado da ação predatória de fêmeas que vencem as defesas de machos mais fracos. No entanto, em algumas circunstâncias, os machos podem, por incrível que pareça, se beneficiar de serem comidos.
Entre as aranhas L, hasselti, a cópula dura entre seis e 31 minutos. Mas a pesquisa de Andrade revelou que os machos que se deixam canibalizar copulam em média por 25 minutos. Já os que sobrevivem ao ato sexual copulam por apenas 11 minutos. "É provável que as fêmeas controlem a duração do ato sexual e permitam uma cópula mais longa enquanto estão consumindo o macho", conta a pesquisadora.
Tempo - Quanto mais tempo dura a cópula com um macho, maior a chance de os seus espermatozóides, e não outros, fecundarem os óvulos da fêmea. Na natureza, as teias das fêmeas L. hasselti contêm até seis machos, que competem entre si. E os estudos revelam que, no fim do período de acasalamento, pelo menos 17,4% das fêmeas copularam com dois ou três machos.
De acordo com a pesquisa de Maydianne, o aumento na duração média da cópula dos machos que se deixam canibalizar corresponde a uma duplicação na sua capacidade de deixar descendentes, se a fêmea não for virgem. A pesquisadora explica que se uma fêmea não virgem, que teve relações com dois machos, puser 256 ovos em um ninho, o macho canibalizado será o pai de 235 deste ovos. Se ele tivesse sobrevivido, seria o pai de apenas 115 filhotes.
"Os machos que se relacionam com fêmeas virgens também aumentam sua paternidade ao serem' comidos. Isto acontece porque o canibalismo reduz a probabilidade de a fêmea se acasalar com outro macho", explica a pesquisadora. Cerca de 67% das fêmeas que devorara os machos rejeitam outro companheiro. Quando a fêmea não canibaliza o macho, ao contrário, apenas 4% delas rejeitam o segundo companheiro. "Como as fêmeas podem acasalar várias vezes, os machos sofreram seleção natural para investirem pesadamente em mecanismos que protejam sua paternidade", conta Andrade.
Nutrientes — Em geral, os pesquisadores que estudam espécies em que a fêmea devora o macho durante o ato sexual supõem que a maior vantagem deste processo seja fornecer mais nutrientes à fêmea. Mas o trabalho de Maydianne contradiz esta hipótese. "No caso estudado, comer o macho não resulta em aumento na quantidade de ovos postos pela fêmea, nem em crescimento de sua massa total", diz.
As duas vantagens obtidas pelo macho — maior paternidade e menor chance de a fêmea acasalar com outro — são suficientes para transformar o canibalismo sexual entre as L. hasselti numa estratégia evolutiva. O custo do canibalismo para os machos é a perda da chance de acasalar outra vez.
Mas a pesquisadora lembra que este preço é relativamente baixo na espécie, na qual os machos raramente copulam com duas fêmeas. "Os machos das aranhas geralmente apresentam uma alta taxa de mortalidade quando tentam passar de uma teia para outra. Além disso, o órgão reprodutor masculino da L. Hasselti quase sempre se quebra dentro da fêmea, durante a cópula", explica a pesquisadora. Segundo ela, a tendência dos machos a se deixarem canibalizar é produto da seleção natural da espécie.
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Jornal do Brasil