Para quem vive em São Paulo, a aranha-marrom pode ser uma ilustre desconhecida. Mas no Sul do Brasil, esses pequenos aracnídeos, do gênero Loxosceles sp, representam um sério problema de saúde pública.
A picada provoca úlceras na pele extremamente dolorosas, difíceis de curar com os tratamentos disponíveis. Mas um creme que promete trazer alívio rápido para as lesões começa a ser testado em seres humanos, após pesquisas bem-sucedidas em coelhos.
Dados sobre o estudo clínico de fase 3 com o medicamento foram apresentados na última semana para brasileiros e norte-americanos no Fapesp Week New York, um simpósio organizado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, o Instituto Wilson (um centro de pesquisa dos EUA) e a Universidade da Cidade de Nova York (CUNY), com objetivo de incentivar colaborações de pesquisadores entre Brasil e EUA.
A bióloga Denise Vilarinho Tambourgi, pesquisadora do Instituto Butantan, em São Paulo, estuda a toxina secretada pela aranha-marrom há cerca de 20 anos, com financiamento da Fapesp.
Ela e a equipe conseguiram isolar a proteína que é componente principal do veneno, chamada Smase D. Há cerca de dez anos, Tambourgi descobriu que um tipo de antibiótico, a tretracilina, estudado para o tratamento do câncer, agia nas mesmas enzimas envolvidas no processo de formação das lesões. Estudos em modelos animais confirmaram a eficácia do medicamento em torno de 80%.
Agora, o creme à base de tetraciclina vai ser testado em 120 pacientes com as feridas e os resultados serão comparados aos de outros 120 indivíduos que serão tratados com placebo. O estudo clínico, batizado de Projeto Loxosceles, envolve o Centro de Informação e Assistência Toxicológica de Santa Catarina e a Secretaria de Saúde do Estado.
Além de contar com acompanhamento médico e outras medidas terapêuticas, os pacientes que integrarem a pesquisa farão fotografias para registrar a evolução do tratamento a cada dia.
Perigo escondido
Existem diversas espécies de aranhas-marrons em toda América e, recentemente, foram registrados casos de picadas na Espanha e na Itália.
No Brasil, há três espécies identificadas. Elas têm cerca de quatro centímetros de diâmetros, patas finas e longas, e não são agressivas. Gostam de locais quentes e escuros, e por isso podem se esconder em troncos, telhas, móveis ou calçados. As picadas não costumam ser sentidas na hora, e os sintomas demoram para se manifestar.
A maioria das vítimas desenvolve a forma cutânea da doença, com lesões escuras e endurecidas que provocam dor e queimação, podendo levar à morte das células da pele (necrose). Alguns indivíduos desenvolvem a forma sistêmica do loxoscelismo, ou seja, o acometimento de diversos órgãos pela toxina – os sintomas incluem febre, coceira, problemas de coagulação e até falência renal.
Apesar de já existir um soro contra o veneno dessas espécies, as lesões cutâneas são de difícil cura. "Muitas vezes é preciso fazer autotransplante de pele, e nem sempre os resultados são positivos", conta Denise. Por isso, estava na hora de se obter um tratamento mais eficaz.
Colaboração para o UOL, em Nova York