O cuidado paternal com a prole ainda é um fenômeno raro entre os animais. Estudo do brasileiro Gustavo Requena, do Instituto de Biociências da USP (Universidade de São Paulo), mostra que os machos de uma espécie de aracnídeos encontrada na Mata Atlântica, a Iporangaia pustulosa, cuida dos ovos por dois motivos distintos: tanto para sobreviver, quanto para ficar mais "irresistível" para as fêmeas.
Para essa espécie de opilião, parente da aranha com patas mais finas e longas, cuidar dos ovos significa ficar pelo menos um mês sem se alimentar. Mas o sacrifício é recompensado. Ao serem vistos cuidando dos ovos por outras fêmeas, eles passam a imagem de bons pais. Em alguns casos, filas de quatro ou cinco interessadas se formam para namorar os garanhões. Parte dos resultados do doutorado do pesquisador foi publicada na revista PLoS One.
"Cerca de metade dos machos não chega a copular durante a vida. Mas aqueles que conseguem, tornam-se mais atraentes para as fêmeas após a primeira desova", diz Requena.
A cópula dura apenas dois minutos e ocorre sem que o macho abandone a primeira desova. A fêmea, então, coloca seus ovos juntos aos da fêmea anterior e segue sua vida - sem remorso nem ciúmes. "A vantagem desse comportamento [da fêmea] é poder voltar a se alimentar logo após a desova. Em poucos dias, ela já está apta a colocar ovos novamente."
Alguns machos, por outro lado, chegam a ficar quatro meses sem comer até que todos os ovos nasçam. Apesar dos esforços, a taxa de mortalidade do grupo dos "pais" é menor em relação aos que ficam soltos na natureza.
"O principal predador são espécies de aranhas que ficam paradas esperando para atacar suas presas. Quanto mais tempo o opilião também ficar parado, protegendo a desova, menores são as chances de se deparar com uma aranha ao longo da vida."
Pequeno em relação às pernas, o corpo do macho da Iporangaia pustulosa tem cerca de 1,5 centímetro. O aracnídeo se alimenta basicamente de animais mortos e secreta uma substância amarelada e malcheirosa para se defender - por isso, é popularmente conhecido como aranha de cheiro. "Eles lembram uma aranha, à primeira vista, mas não têm veneno nem a capacidade de produzir teia. Além disso, seu corpo não é dividido como o das aranhas."
Machos seletivos
O estudo foi feito com base em observação de centenas de opiliões do Parque Estadual Intervales, área de Mata Atlântica no sul do Estado de São Paulo. Na região, há grande concentração da espécie, uma das poucas de opilião que adotam o cuidado paternal dos ovos - ao todo, são mais de 6.000.
"Para avaliar a sobrevivência entre os machos, foi necessário um ano de observação. Marcávamos os aracnídeos com tinta nas patas, pois é difícil saber quem é quem", contou Requena.
Durante o estudo, o grupo da USP observou várias situações em que uma fêmea aparecia na desova disposta a copular e era expulsa pelo macho. Requena explica que deve haver de algum mecanismo pelo qual o macho identificaria fêmeas que têm esperma de outro macho estocado, tornando-o seletivo. Outra explicação, diz ele, é "que, após vários acasalamentos, o macho precisa de um tempo para repor seu estoque de espermatozoides".
Da Agência Fapesp