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Aqui não falta luz (1 notícias)

Publicado em 01 de agosto de 2001

Por PAULO D'AMARO - pdamaro@edglobo.com.br
Existe uma casa no Brasil onde o relógio da luz gira ao contrário e a conta no fim do mês é negativa. Não se trata de fraude ou truque de consumidor inconformado com o racionamento. É apenas uma bem-sucedida experiência realizada no Instituto de Eletrotécnica e Energia da USP. Há alguns anos seus pesquisadores apostaram na energia solar como forma de reduzir a dependência de hidrelétricas, termelétricas e usinas nucleares. Apostaram tanto que construíram, em 1998, uma casa no campus da universidade, na qual a luz move quase tudo, convertida em eletricidade por um painel solar. Muitas vezes, sobra energia, que é devolvida à rede de distribuição, invertendo os papéis e transformando a casinha numa fonte geradora de eletricidade para o resto da cidade de São Paulo. A experiência ficou relegada ao entusiasmo solitário dos cientistas até que as trapalhadas governamentais conduzissem o país à ameaça de blecaute. Então os olhos das autoridades se abriram. Neste mês de agosto um acordo entre a USP e a companhia energética de São Paulo (Eletropaulo) deve tornar a tecnologia viável, uma vez que não está prevista na legislação a possibilidade de um consumidor virar fornecedor. "Isso se chama geração distribuída, uma idéia que se fortalece no mundo e precisa ser considerada no Brasil", diz o pesquisador Roberto Zilles, responsável pela casinha revolucionária. A casa solar da USP é abastecida por um painel solar de 6 m2, que gera 75 kWh por mês - o suficiente para uma pequena família. Mas não é a única experiência do tipo. Muito antes do racionamento, o instituto já economizava 15% produzindo sua própria eletricidade por meio de células fotovoltaicas espalhadas em uma de suas fachadas. Além disso, a equipe de Zilles desenvolve um trabalho em comunidades isoladas do Vale do Ribeira, em São Paulo, e do Alto Solimões, no Amazonas, onde não há luz elétrica e a vida é precária. "A energia solar ajuda a mudar isso", conta Zilles, que coordena um programa de energização de escolas, casas e vias. CUSTO É O PROBLEMA O projeto permitiu a essas populações isoladas bombear água de poços artesianos, melhorando a qualidade do líquido e dos alimentos consumidos. Mas o seu maior trunfo é o fato de que a tecnologia está plenamente desenvolvida. "O problema é apenas custo", diz Zilles. Se comparada à eletricidade gerada por uma usina hidrelétrica, a energia solar ainda é cerca de oito vezes mais cara. Além disso, há um problema legal e político envolvido. Mesmo abastecido de painéis solares, nenhum edifício ou casa pode prescindir da eletricidade trazida pela rede convencional. Isso porque, obviamente, nem sempre o Sol brilha. Assim, é preciso estar ligado aos dois sistemas. Mas, quando a energia solar excede o consumo, ela transborda da residência e invade a rede elétrica da cidade, levando o aparelho de leitura de consumo a girar para trás. Ou seja, vira fornecedor, o que não está previsto em nenhuma lei e não é de interesse das companhias de distribuição. Essa barreira de "interesses" não é exclusividade brasileira e afeta também outras tecnologias alternativas. "Nos Estados Unidos houve experiências com células de combustível que surpreenderam a todos pelo potencial de devolver energia ao sistema em vez de consumi-la", conta o gerente de novas tecnologias da IBM Brasil, Fábio Gandour, um entusiasta do uso do hidrogênio como forma limpa de alimentar os eletrodomésticos (veja entrevista). As tais células de combustível são equipamentos capazes de gerar eletricidade a partir do hidrogênio ou do gás natural, sem combustão. Ou seja, de forma ecológica, fornecendo como resíduo apenas a água e gás carbônico em baixa quantidade. A Califórnia, Estado com as leis ambientais mais rígidas dos EUA, é a campeã em uso de células de combustível. Hotéis, cassinos e residências estão aderindo à novidade, capaz de livrá-los do racionamento de energia que também atinge o sudoeste daquele país. Maior que uma quadra de tênis, a unidade da cidade de Santa Clara gera 1,8 megawatt e abastece vários quarteirões. Mas nos Estados Unidos também existem equipamentos do tamanho de uma geladeira, suficiente para uma família pequena. "As células de combustível deixaram de ser assunto dos cientistas para aparecer na primeira página dos grandes jornais", diz Robert Rose, diretor do US Fuel Cell Council, órgão do governo americano dedicado à pesquisa da nova tecnologia. Por causa da baixa demanda, que impede a produção em larga escala, as células de combustível ainda são caras. Um exemplar doméstico custa hoje US$ 40 mil (cerca de R$ 100 mil). Mas a crise energética na Califórnia está forçando o governo americano a intervir para diminuir o preço dos equipamentos. No final de junho, o presidente George W. Bush anunciou um subsídio de US$ 87 milhões às empresas e universidades que estudam essa tecnologia. Como ocorre com todos os equipamentos eletrônicos, seu preço deve cair nos próximos anos, conforme os cidadãos perceberem que o "trambolho" pode significar sua independência em relação às companhias de eletricidade tradicionais. E a tranqüilidade de não estar ameaçado por apagões esobretaxas. MEMBRANA MILAGROSA Veja o princípio científico da célula de combustível O conceito da célula de combustível não é novo. Surgiu há mais de 150 anos, nas idéias do cientista britânico sir William Grove. A célula tem como coração um polímero capaz de "roubar" prótons das moléculas de hidrogênio (membrana trocadora de prótons, ou PEM, em inglês). O resultado é a formação de água e a liberação de calor e elétrons (eletricidade). Tudo de forma limpa, sem combustão. RACIONAMENTO DIFÍCIL DE PERCEBER Nem sempre é preciso ameaçar o consumidor com multas ou cortes para economizar energia. Essa é a lição ensinada pela Florida Power & Light, a companhia que abastece Miami, nos EUA. A empresa promove um racionamento imperceptível, que faz os consumidores economizarem em média US$ 161 por ano (R$ 390). É o programa On Call, que desliga parte da rede elétrica da residência enquanto o usuário está no trabalho ou durante a madrugada. O programa é voluntário, baseado num pequeno dispositivo instalado gratuitamente na caixa de distribuição da fiação elétrica. Essa espécie de computador controla a eletricidade enviada para todas as tomadas da casa. O morador pode escolher quais ramos ficarão permanentemente abastecidos e quais estarão sujeitos a um leve racionamento. Se, por exemplo, ele optar pelos ramos da sua cozinha, os eletrodomésticos deixarão de receber energia por períodos de dez minutos, várias vezes ao longo do dia. Isso evita desperdícios: mesmo desligados (ou na posição stand by), equipamentos eletroeletrônicos consomem um pouco de energia. Sem contar as perdas por dissipação ocorridas nas centenas de metros de fios de cobre que existem numa casa. Ao longo de semanas ou meses, isso faz diferença. E qual o risco de querer ligar o microondas e não conseguir? Pequeno. "Aderi ao programa e nunca percebi falta de eletricidade", conta o gerente de novas tecnologias da IBM Brasil, Fábio Gandour, que morou por dois anos nos EUA. O aparelhinho On Call pode ser programado para respeitar os horários em que o consumidor costuma estar em casa, como de manhã e à noite. Ou seja, é um racionamento inteligente e eficaz: "Cheguei a economizar 21% em relação ao ano anterior", conta Gandour. A VEZ DO GÁS NATURAL A nova opção de energia limpa cresce nos EUA O medo de distribuir o hidrogênio puro para as células de combustível domésticas fez com que os pesquisadores preferissem adaptar a tecnologia ao gás natural com o qual o consumidor já está acostumado. Hoje, hotéis, lojas e fábricas já usam esses equipamentos.