Notícia

Jornal Metrópolis - Baixada e Litoral

Aquecimento global faz surgir primeira zona árida e expande clima semiárido e áreas secas no Brasil (14 notícias)

Publicado em 06 de abril de 2024

 

 

Em novembro passado, alguns meios de comunicação divulgaram que, pela primeira vez, havia sido registrada no Brasil uma área com clima de deserto. A região se localiza no vale submédio do rio São Francisco, no centro-norte da Bahia, colada na divisa com Pernambuco. Seu território equivale a quase quatro vezes o da cidade de São Paulo. Abrange um pequeno ponto na fronteira dos dois estados, em torno da pernambucana Petrolina e da baiana Juazeiro, e uma faixa de terra maior, situada entre 200 e 300 quilômetros mais ao norte.

A notícia do avanço de áreas secas era verdadeira em sua essência. Porém, seu tom estava um pouco acima do adequado. A área em questão havia sido, na verdade, elevada da condição histórica de semiárida à atual de árida. A mudança de status é inédita no país e esse trecho do Nordeste, de pouco mais de 5.700 quilômetros quadrados (km2), figura hoje como o mais árido do Brasil. Mas isso não significa que ali se formou um pequeno deserto, um ecossistema classificado como de clima hiperárido, um estágio mais extremo do que o árido, e praticamente desprovido de vegetação.

Exagero midiático à parte, a conclusão central da nota técnica do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden) que embasou a reclassificação da área nordestina confirma informações produzidas por diferentes estudos, com metodologias distintas, em anos recentes. A maior parte do território nacional, com exceção da região Sul e de setores litorâneos do Sudeste, está ficando menos úmida.

A tendência dominante indica que os lugares secos do Brasil (e do mundo) estão se tornando ainda mais secos e os úmidos menos úmidos. No Brasil, a clara exceção a esse movimento são os três estados do Sul, hoje úmidos e que devem permanecer assim no futuro. Essa propensão a um clima menos úmido vale inclusive para parte da Amazônia, o bioma com maior estoque de água no país, onde o desmatamento progressivo da floresta e as mudanças climáticas contribuem para tornar o ambiente mais quente e com períodos de estiagem prolongada.

“Há um aumento significativo da demanda atmosférica por água. Isso está levando o Nordeste e boa parte do país a uma condição de maior secura”, diz o engenheiro de recursos hídricos Javier Tomasella, do Inpe, um dos autores do estudo sobre o avanço da aridez. “A evapotranspiração se intensifica porque a temperatura está subindo no país em razão do aquecimento global.”

Desde 1960, a área do semiárido cresce e hoje abrange cerca de 800 mil km 2, 9,4% do território nacional

A culpa da secura crescente, portanto, não se deve apenas – ou principalmente – à falta ou irregularidade de chuvas, mas sobretudo ao incremento da evaporação de água do solo e da transpiração das plantas, processo denominado evapotranspiração. “Desde que haja água no solo e sua capacidade de fazer fotossíntese não seja um impeditivo, a vegetação de superfície utiliza a energia da radiação absorvida para perder umidade em vez de usá-la para aquecer o ambiente. Essa é uma forma de limitar o aquecimento da baixa atmosfera, como um mecanismo de termorregulação”, comenta o especialista em hidroclimatologia Humberto Ribeiro da Rocha, do Instituto de Astronomia, Geofísica e Ciências Atmosféricas da Universidade de São Paulo (IAG-USP), que não participou do estudo. Quanto mais quente, mais a atmosfera demanda água da superfície para obter o combustível para formar nuvens de chuva, o vapor de água (ver reportagem).

Para classificar o clima do país, os pesquisadores do Inpe e do Cemaden calcularam a evolução de um índice de aridez ao longo das últimas seis décadas. Juntaram dados de medições feitas em estações meteorológicas e estimativas referentes a quatro períodos sucessivos de 30 anos (1960-1990, 1970-2000, 1980-2010 e 1990-2020). Essa abordagem permite enxergar para onde a umidade caminha com o passar do tempo. Em seguida, determinaram a taxa de umidade para todo o território nacional, com ênfase nas regiões mais secas, para cada ciclo de 30 anos.

O índice de aridez de uma região em um período é dado por uma equação simples: o total acumulado de chuva dividido pela evapotranspiração potencial (a quantidade máxima de água que pode ser perdida para a atmosfera por esse processo). Alguns trabalhos usam apenas os valores das chuvas, mas os autores preferiram adotar o índice, considerado por eles mais adequado para medir o grau de aridez. Os relatórios do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) também trabalham com esse índice, além de analisar a evolução somente da chuva acumulada ao longo do tempo.

Quando a quantidade de água que cai com a chuva supera a que deixa a superfície de uma região pela evapotranspiração, o resultado dessa conta é maior do que 1. Se a situação for o contrário (menos chuva do que evapotranspiração), o valor do índice de aridez é menor do que 1. Por esse parâmetro, áreas consideradas secas são aquelas cuja razão entre chuva e evapotranspiração não ultrapassa o valor de 0,65 (ver mapas). Ou seja, a água que cai com a pluviosidade equivale a no máximo 65% da que sobe para a atmosfera pela transpiração das plantas e evapora da superfície. Acima desse limite, os climas são considerados como úmidos.

Fonte: revistapesquisa.FAPESP.br