Relatório divulgado pelo IPCC aponta que o país poderá sofrer diferentes impactos regionais, com secas mais longas na Amazônia e no Nordeste e tempestades mais intensas no Centro-Sul (Foto: Victor Moriyama/Greenpace/AFP/JC)
Se não forem limitadas as emissões de gases de efeito estufa (GEE) nos próximos anos, o aquecimento global , que pode atingir ou exceder 1,5 ºC até 2040, deverá causar o aumento generalizado da temperatura em todo o Brasil, além de diferentes impactos regionais.
Algumas partes do território, como o Centro-Oeste, deverão registrar maior aumento na temperatura e elevação da frequência e da intensidade das ondas de calor, além de períodos secos mais prolongados, a exemplo do leste da Amazônia e da região Nordeste.
Já no Centro-Sul do país devem ocorrer mais chuvas fortes e com grandes volumes de água, concentradas em até cinco dias.
As projeções constam no novo relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas Globais (IPCC), lançado segunda-feira (09/08).
Algumas estimativas regionais contidas na publicação foram apresentadas em um webinário realizado por cientistas ligados ao Programa FAPESP de Pesquisa sobre Mudanças Climáticas Globais ( PFPMCG ) no mesmo dia do lançamento do relatório, com o objetivo de discutir as implicações do informe para o Brasil.
“A temperatura média global é distribuída geograficamente. Por isso, não é sentida da mesma forma em diferentes regiões do planeta”, disse Paulo Artaxo , professor do Instituto de Física da Universidade de São Paulo (IF-USP) e membro da coordenação do PFPMCG.
Em um cenário de aquecimento de 2 ºC, a temperatura no Brasil pode aumentar entre 3 ºC e 3,5 ºC. Já se a média global aumentar em 4 ºC, a do país pode subir entre 5 ºC e 5,5 ºC, principalmente na porção central, apontou Artaxo.
“Isso desencadearia impactos importantes, inclusive para a economia brasileira, baseada no agronegócio”, afirmou o pesquisador, que é autor-líder do capítulo 6 do relatório.
Segundo os autores da publicação, em razão do aumento das emissões de GEE, nos últimos 50 anos, a temperatura da superfície global se elevou a uma taxa sem precedentes e é muito provável que a década mais recente tenha sido a mais quente desde o pico do último período interglacial, há 125 mil anos.
A temperatura da superfície global foi 1,1 ºC mais alta entre 2011 e 2020 do que entre 1850 e 1900, com aquecimento mais forte sobre a terra do que sobre os oceanos.
A temperatura média nos continentes, contudo, já aumentou 1,6 ºC, uma vez que eles aquecem muito mais do que o planeta como um todo porque os oceanos absorvem gigantescas quantidades de calor.
“Nos continentes, já ultrapassamos o limiar de aquecimento de 1,5 ºC”, afirmou Artaxo.
De acordo com o relatório, é provável que as emissões de gases de efeito estufa – principalmente gás carbônico (CO2) e metano – tenham contribuído para esse aquecimento de 1,1 ºC da temperatura da superfície global. Em contrapartida, as partículas de aerossóis atmosféricos gerados pela poluição podem estar contribuindo com um resfriamento de 0,5 ºC da temperatura do planeta.
“Os aerossóis estão mascarando cerca de um terço do aquecimento atual”, afirmou Artaxo.
Se essas partículas, que espalham radiação de volta para o espaço ajudando a resfriar o planeta, forem retiradas da atmosfera por meio da interrupção da queima de carvão para geração de energia pelas usinas termelétricas e da eletrificação do setor de transporte – o que já está ocorrendo em países como a China e Índia –, esse mascaramento deixará de existir, indicou o pesquisador.
“Só com isso a temperatura do planeta vai aquecer meio grau nas próximas décadas”, explicou Artaxo, que é um dos maiores especialistas mundiais no estudo de aerossóis.
Efeitos nos padrões de chuva
De acordo com o relatório, a chuva nos continentes aumentou globalmente desde 1950, mas algumas regiões registraram – e devem sofrer ainda mais – uma significativa redução de precipitação.
Os cenários regionais indicam que acontecerão no Brasil alterações no padrão das chuvas, essenciais para a agricultura e para geração de energia hidrelétrica.
“Todos os cenários indicam que principalmente a região central do Brasil e a parte leste da Amazônia se tornarão mais secas, com queda de 10% a 20% na precipitação. Isso acontecerá tanto em um cenário de aquecimento global de 2 ºC como de 4 ºC”, disse Artaxo.
Outras regiões do país, como a Sul, podem registrar maior intensidade de chuvas.
Em escala global, os eventos de chuva forte se intensificarão em cerca de 7% para cada grau adicional de aquecimento, uma vez que uma atmosfera mais quente é capaz de reter mais umidade, estimam os cientistas.
“Na região mais ao sul do Brasil já tem se observado um aumento das precipitações e se projeta que elas se elevarão em diferentes cenários de emissões de gases de efeito estufa”, afirmou Lincoln Alves, pesquisador do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e autor-líder do capítulo do Atlas de Mudanças Climáticas, que integra o relatório.
Cada meio grau adicional de aquecimento global também causará aumentos estatisticamente significativos nos extremos de temperatura, na intensidade de chuvas fortes e na gravidade de secas em algumas regiões, como no Nordeste do Brasil e no leste da Amazônia.
Em um cenário de aquecimento global de 2 ºC, as ondas de calor e secas devem ocorrer com maior frequência e simultaneamente, causando graves prejuízos à saúde, aos ecossistemas e à produção agrícola, estimam os cientistas.
“Não é só o clima médio que está mudando, mas também as características dos extremos climáticos, como ondas de calor, de frio, enchentes, secas e ciclones. O número desses eventos está aumentando e se projeta uma elevação significativa em sua ocorrência em todas as regiões do globo, incluindo o Brasil”, afirmou Alves.
“Teremos cada vez mais eventos climáticos extremos simultâneos que tendem a intensificar os impactos, como ondas de calor combinadas com secas que, em regiões propícias a queimadas, os efeitos são exacerbados”, exemplificou.
Chamamento para ação
Na avaliação de Thelma Krug , pesquisadora aposentada do Inpe e vice-presidente do IPCC, as mensagens do novo relatório do órgão são bastante incisivas.
Os autores se empenharam para que a publicação tivesse uma linguagem muito clara para alertar os governos e a sociedade sobre a emergência do problema, contou a pesquisadora.
“O sumário para formuladores de políticas [que compila as principais informações do relatório]é um dos mais claros que já vi desde 2002, quando comecei a contribuir com o IPCC”, afirmou.
Outras novidades do relatório foram os materiais e métodos empregados para fundamentar as observações e projeções. Além de 14 mil artigos publicados nos últimos anos, revisados por 241 autores do relatório, foram usados novos modelos climáticos mais sofisticados. Dessa forma, foi possível preencher algumas lacunas de dados e promover uma maior integração das evidências, avaliou Krug.
“Isso permitiu que o IPCC fizesse nesse relatório projeções mais apuradas do impacto das emissões de gases de efeito estufa no sistema climático”, afirmou.
O novo ciclo de avaliação do IPCC deve ser concluído no início de 2022, quando será publicado o relatório com as contribuições do Grupo de Trabalho 2, com foco em impactos, adaptação e vulnerabilidade às mudanças climáticas, e do Grupo de Trabalho 3, com enfoque em mitigação.
A expectativa é que os relatórios embasem as negociações climáticas dos países nas próximas conferências da Organização das Nações Unidas (ONU) sobre o clima (COPs).
“Os eventos climáticos extremos que temos visto nos últimos anos e a mensagem do novo relatório do IPCC, de que isso tem uma grande contribuição humana, podem dar uma nova direção para as negociações, que é o que autores esperam”, avaliou Krug.
“As informações do novo relatório são extremamente fortes e esperamos que tenham uma reação correspondente, porque a ciência está aí e esperamos que ela cumpra seu papel, que é o de ajudar os governos na tomada de decisão”, afirmou.
Na avaliação de Jean Ometto , pesquisador do Inpe, o Brasil tem uma grande oportunidade para reduzir suas emissões de GEE, muito associadas às mudanças no uso e cobertura do solo para conversão de áreas de floresta em lavouras ou pastagens agrícolas.
“Estamos passando por um momento de seca extrema em uma parte importante do Brasil, que afeta a produção de alimentos e de energia e reflete as mudanças nos padrões climáticos. A maneira como o país pode atuar [para diminuir a frequência desse eventos]é reduzindo e mudando seu portfólio de emissões de gases de efeito estufa”, afirmou.
O webinário contou com o jornalista Herton Escobar como moderador. O evento pode ser assistido na íntegra em https://fapesp.br/15027/novo-relatorio-do-ipcc-wg1-ar6-implicacoes-para-o-brasil-e-o-planeta .
Este texto foi originalmente publicado por Agência FAPESP de acordo com a licença Creative Commons CC-BY-NC-ND . Leia o original aqui .
Nota da redação EcoDebate: Leia a síntese das principais conclusões do relatório do IPCC clicando aqui
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