Você já viu um cervo ou um veado na natureza? Mesmo ciente de que muitos dos nossos leitores são acostumados a fazer trilhas e explorar as matas, arrisco afirmar que apenas uma pequena parte deles já esteve frente-à-frente com um desses animais em ambiente selvagem e, mesmo aqueles que viveram essa experiência, podem contar nos dedos tais encontros. Aposto também que a maioria das avistagens foi rápida, nada mais que de um veado ligeiro atravessando a estrada ou se embrenhando no mato sem que a testemunha pudesse identificar a espécie. Nenhuma surpresa: além de raros, cervídeos brasileiros são, por essência, animais que não gostam de ser vistos.
O médico veterinário Maurício Barbanti, coordenador do Núcleo de Pesquisa e Conservação de Cervídeos (Nupecce) da Unesp de Jaboticabal, explica que muitos desses animais tem hábitos noturnos e moram em matas fechadas. “Eles percebem facilmente odores e sons, mesmo os mais discretos de uma pessoa pisando no chão da floresta, por exemplo. Percebem nossa presença muito antes que nós à deles e raramente permitem um contato visual”, afirma.
Cervídeos brasileiros são tímidos por natureza
Guillermo Menéndez
Ao mesmo tempo que protege de predadores, a timidez dos cervídeos dificulta o trabalho de pesquisa, monitoramento e identificação. Se são pouco vistos, também são pouco conhecidos. “Muitas vezes as pessoas não conseguem diferenciar as espécies e isso é muito ruim. Mesmo pesquisadores que trabalham com armadilhas fotográficas deixam de relatar a ocorrência de animais ameaçados e assim não conseguimos desenvolver políticas de proteção dessas áreas”, alerta Barbanti.
Um levantamento recente do Nupecce em 118 unidades de conservação do Brasil, revelou que 60% usam métodos pouco confiáveis para registrar a presença de cervídeos e 38% nem sequer revelam o método usado. “A implicação mais grave é atestar a ocorrência de uma espécie onde ela não está, assim, sobrestimando sua distribuição e não percebendo que a mesma está sob ameaça de extinção” revela o pesquisador Márcio Leite de Oliveira.
Guia traz informações detalhadas de nove espécies de cervos e veados do Brasil
Guia Ilustrado dos Cervídeos Brasileiros
Para evitar confusões assim, o Núcleo lançou o Guia Ilustrado dos Cervídeos Brasileiros, um livro com descrições detalhadas, mapas de ocorrência e ilustrações das nove espécies de cervídeos brasileiras, três delas ameaçadas. O guia mostra, por exemplo, que o cervo-do-pantanal (Blastocerus dichotomus) tem de quatro à dez pontas nos chifres enquanto o veado-campeiro (Ozotoceros bezoarticus), apesar de parecido, tem apenas três pontas nos chifres.
Cervo-do-pantanal tem de quatro à dez pontas nos chifres enquanto o veado-campeiro tem apenas três
Ilustração: Natália Aranha de Azevedo
Aos olhos do leigo, o veado-catingueiro (Mazama gouazoubira) e o veado-roxo (Mazama nemorivaga) parecem idênticos. Mas o guia ressalta que, enquanto o catingueiro tem muitos e longos pelos na região cauda, o veado-roxo tem pelos curtos na mesma região. Há também detalhes sobre a cabeça, olhos, nariz e orelhas.
Veado-catingueiro tem muitos e longos pelos na região cauda, já o veado-roxo tem pelos curtos na mesma região
Ilustração: Natália Aranha de Azevedo
A última publicação do tipo havia sido impressa em 1996 e tinha poucas fotos. “O nosso guia hoje é bem mais completo e utiliza ilustração e não fotos. A vantagem da ilustração é que pequenos detalhes que distinguem as espécies podem ser ligeiramente ressaltados e indicados. Outra vantagem é poder colocar as espécies lado a lado e na mesma posição para que o leitor possa compará-las”, explica Márcio Oliveira, que assina o guia junto com o professor Barbanti e a ilustradora Natália Aranha de Azevedo.
A esperança dos autores é que o livro se torne uma ferramenta tanto para pesquisadores quanto guarda-parques ou até pessoas comuns que podem abastecer plataformas colaborativas como o iNaturalist e o Biofaces. “Esperamos que o guia tenha grande serventia para ampliar o conhecimento sobre os cervídeos principalmente com informações de ocorrência das espécies e possível descoberta de novas populações”, conclui Márcio.
A publicação foi financiada pela Fapesp, editada pela Sociedade Brasileira de Mastozoologia e está disponível para download gratuito no site da SMBz.
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