Notícia

Revista Valor Especial

Aposta no presente com olho no futuro (1 notícias)

Publicado em 21 de novembro de 2017

Por Guilherme Meirelles

A crise política e macroeconômica pode ter abalado a reputação do Brasil no exterior, mas está longe de afugentar os investidores de fundos de venture capital. Pelo volume das operações e pelo sigilo de alguns empreendedores, ainda não há uma estimativa em relação ao montante parcial realizado em 2017, mas as movimentações anunciadas dos principais grupos ao longo do ano revelam que tanto a demanda de investidores como a oferta de startups estão em alta.

Segundo dados da Associação Brasileira de Private Equity Venture Capital (Abvcap ), o volume total de investimentos em 2016 foi de R$ 11 ,3 bilhões, sendo que a modalidade de venture capital representou 6,7% ( aproximadamente R$ 750 milhões), o que a princípio pode parecer pouco expressivo, mas envolveu 84 transações, ou 53,5% de todas as operações. "Fundos de venture capital atraem grandes investidores diversificados, como grupos familiares brasileiros, fundos americanos, asiáticos, argentinos e até de Israel. A exceção são os fundos de pensão, que optam em participações de menor risco", afirma Humberto Matsuda, conselheiro da Abvcap.

Os fundos de venture capital estão regulamentados na Comissão de Valores Mobiliários (CVM) dentro da modalidade de Fundos de Investimento em Participações (FIPs ). Segundo estimativa da Associação Brasileira de Startups (ABStartups ), há entre 10 mil e 15 mil empreendimentos de tecnologia digital inovadora, dos quais cerca de 3 mil operam por meio de recursos de terceiros, seja investimento anjo (para empresas em estágio inicial), vindos de venture capital (em empresas q já tenham padrões mínimos de governança e modelo de negócio pronto para expansão) e de private equity, para empresas mais consolidadas. "O grande desafio do empreendedor é provar ao investidor que ele tem um modelo capaz de gerar valor, independentemente do investimento. Venture capital é investimento de altíssimo risco", alerta Arnure Pinho, presidente da Associação Brasileira de Startups.

Os aportes dos fundos costumam ser direcionados às áreas que resultam em uma vertiginosa expansão em curto espaço de tempo, como contratação de atendimentos, pessoal de vendas, desenvolvimento de novos canais digitais e até mesmo expansão internacional. Segundo Pinho, caso o empreendedor não corresponda com um aumento exponencial de receita em um ano, o investidor vai diluir os aportes em intervalos maiores, já que normalmente pulveriza recursos em outras startups.

Do lado do investidor, os fundos costumam operar com prazos médios entre oito e dez anos, no qual a primeira metade corresponde ao período de compra de participações (sempre corno minoritário) e a etapa subsequente ao chamado desinvestimento. Para se tornar viável, a taxa média de retorno anual deve girar entre 30% e 40%.

No início do ano, a Bossa Nova Investimentos tinha um portfólio de 40 empresas e deve fechar 2017 com 178 startups (130 brasileiras e as demais americanas). O investimento ao longo do ano deve perfazer R$ 30 milhões, com tíquete médio de R$ 300 mil. Boa parte dos recursos veio por meio da sociedade com o BMG, que injetou R$100 milhões na Bossa Nova. "Nosso portfólio atual vale R$ 3,2 bilhões. Queremos atingir mil empresas em 2020, com valuation de R$ 10 bilhões", afirma Pierre Schurmann, sócio da Bossa Nova Investimentos.

A estratégia de Schurmann é navegar no ecossistema de empresas que não apresentem turbulências na fase de expansão, como é o caso da Hotel Quando (plataforma que permite hospedagens por hora), que cresceu 40 vezes desde o primeiro aporte, em junho de 2016. ''A plataforma tem 1,2 mil hotéis parceiros e já enh·ou nos Estados Unidos e na Colômbia", diz.

A estrutura física dos investidores nada tem do glarnour dos colegas que atuam no mercado financeiro, apresentado em filmes como "O Lobo de Wall Street". ''Antes da chegada do BMG, nosso 'back office' era composto de duas pessoas", afirma Schurmann. Com apenas dois profissionais instalados em urna sala na região da avenida Paulista, o fundo argentino Kaszek Ventures (sediado em Buenos Aires) movimenta três fundos, com patrimônio de US$ 430 milhões aplicados em 45 startups latino-americanas, sendo mais de 30 brasileiras.

Entre as nacionais, estão marcas já conhecidas do público, como Nubank, Guia Bolso, Netshoes e Creditas. "Os brasileiros gostam de tecnologia, e o país é o maior potencial da América Latina. Os investidores são os mesmos nos três fundos", afirma Santiago Fossatti, sócio da Kaszek Ventures para o Brasil. Lançado em maio, o terceiro fundo vai dispor de US$ 200 milhões a serem investidos em até 24 startups latino-americanas.

No Brasil, os ramos mais atrativos são os de fintechs, plataformas de gerenciamento e retenção de clientes CRM (Customer Relationship Management), agritechs (para monitoramento de áreas agrícolas), saúde, educação e inteligência artificial. Até o fim do ano, serão completados três investimentos em empresas brasileiras -duas de softwares e outra de setor não revelado.

Lançado em 2012, o fundo da Redpoint e.Ventures promoveu oito investimentos em 2017 e deve fechar o seu portfólio com 25 empresas nacionais, em um volume de US$ 130 milhões cumpridos. "As fmtechs evoluíram muito nos últimos cinco anos, mas é um ramo de alto risco por ser muito regulado. Há grande potencial em plataformas de tecnologia de educação", avalia Anderson Thees, sócio-fundador do fundo Redpoint e.Ventures. "Comparado aos Estados Unidos, o Brasil aproveita apenas 1/20 do potencial na indústria de venture capital", diz.

A participação de grupos familiares é relativamente recente e tem nas Bricks Ventures o seu principal nome. A empresa tem como sócios Pedro Sirotsky Melzer, do grupo RBS, e Claudio Szajman, do grupo VR.Juntos, agregaram em dois fundos - o primeiro, aberto em 2014, com R$ 100 milhões, e o segundo, lançado em outubro/2016, com capacidade de R$ 300 milhões recursos de 22 investidores nacionais e estrangeiros, predominantemente de conglomerados familiares.

"Fazemos o link da geração passada com a atual. Queremos ser protagonistas do novo ciclo do Brasil com uma nova geração empreendedora", afirma Melzer. Para 2018, o objetivo é concluir os investimentos do segundo fundo com foco em quatro ramos: saúde, educação, fintechs e soluções na nuvem para pequenas e médias empresas.

Há também ventures capital com radar em ecossistemas regionais. Com foco nas empresas paulistas, a gestora SP Ventures opera por meio de aportes da Desenvolve SP, Finep, Fapesp, Sebrae-SP, CAF e Jive Investment. Desde 2007, lançou três fundos, o mais recente com capacidade de investimento de R$ 160 milhões a serem investidos unicamente em agritechs com faturamento anual na faixa de R$ 20 milhões. Segundo Fernando Jardim, sócio da SP Ventures, as empresas serão prospectadas em incubadoras e centros tecnológicos de universidades. "Há empresas maduras atuando em biotecnologia e monitoramento de áreas cultiváveis", diz. A SP Ventures conta com um fundo ativo de R$1 OS milhões, dos quais R$ 70 milhões foram investidos em 19 empresas, 75% delas do ramo agro.

Em Santa Catarina, a CVentures (braço da Fundação Certi) tem seu foco no polo tecnológico de Rorianópolis, com filosofia baseada no conceito da Tríplice Hélice (parcerias entre universidades, empresas e governo). O primeiro fundo foi lançado em 2013 e já utilizou R$ 70 milhões dos R$ 83 milhões disponíveis em 12 empresas locais. Segundo Leopoldo Lima, diretor de investimento da CVentures, os setores mais promissores na região Sul são os de telecom, mídias digitais, ciências da vida e tecnologias limpas.

Com a missão de investir na fase inicial das empresas, a carioca Gávea Angels faz o papel de intermediadora entre o empreendedor e o investidor. Em 15 anos, foram investidos cerca de R$ 17 milhões em 20 startups, majoritariamente no Rio de Janeiro. Há dois anos na presidência, a advogada Carnila Farani quer estreitar os contatos entre empreendedores e investidores com os fundos de venture capital. "O empreendedor precisa mostrar para o fundo que tem potencial de crescimento", diz Camila. Hoje, o Gávea Angels conta com cerca de 70 investidores-anjo cadastrados. O tíquete médio varia entre R$ 400 mil e R$ 500 mil.