Tecnologias saem das universidades como ferramentas parecidas com o Waze para facilitar operações, aumentar a segurança e reduzir custos. Se um aplicativo que indica caminhos mais rápidos faz a alegria de mais de 14 milhões de motoristas país afora, imagine uma facilidade tipo Waze nas mãos dos responsáveis pelas manobras de gigantescos navios cargueiros no litoral brasileiro, ou no controle logístico de frotas de veículos nas cidades. Algoritmos para esses fins já existem, para facilitar operações, aumentar a segurança e reduzir custos.
No Porto de Suape (PE), o Portable Pilot Unit (PPU) está sendo testado há cerca de um mês pelos práticos. A ideia nasceu dentro da Universidade de São Paulo e deu origem à Navigandi, start-up que soma esforços a outras empresas do setor voltadas ao aumento da produtividade dos portos brasileiros.
A proposta era criar um equipamento portátil, leve e capaz de municiar as manobras portuárias com dados precisos, fornecidos por sensores levados às embarcações logo na chegada ao porto. Com a parceria dos práticos de Suape, o PPU levou a simplicidade do Waze à interface de uma operação bem mais complexa, que inclui, por exemplo, além da carta náutica, cálculo da distância com os demais pontos do porto, outros navios e previsão de deslocamento à frente, que tem sido configurada em até sete minutos.
— Não se trata apenas de localização e deslocamento, mas de trabalhar com variáveis como a taxa de guinada, que é o quão rápido o navio está girando — explica André Ianagui, sócio da Navigandi.
Com testes também no Porto do Espírito Santo previstos para novembro, o PPU foi desenvolvido com apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE), da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) depois que os pesquisadores descobriram que sistemas semelhantes, importados, não agradavam aos práticos brasileiros, por serem pesados e difíceis de usar.
O modelo de negócios escolhido foi o contrato de aluguel e serviço de suporte e atualização, que barateia o acesso e permite incorporação constante de novas ferramentas.
O PPU não substitui os práticos — pouco mais de 600 profissionais em atuação nos portos brasileiros —, mas garante a eles e às embarcações maior segurança nas manobras portuárias. O que antes era feito apenas pela experiência e olhar atento, agora tem apoio científico.
— Os navios têm tecnologia embarcada, mas os comandantes de várias nacionalidades não têm conhecimento local. A condução na entrada dos portos é desafiadora. Qualquer erro pode causar prejuízos financeiros e até desastres ambientais — diz Edgar Szilagyi, outro sócio da Navigandi.
Enquanto os investimentos em infraestrutura portuária não chegam — o déficit é estimado em mais de R$ 15 bilhões na última década — a tecnologia ajuda a mitigar carências. Uma delas envolve a integração ao PPU de dados de outra empresa, a Argonáutica. Segundo Felipe Ruggeri, um dos sócios da Argonáutica, o desenvolvimento tecnológico foi acelerado a partir de 2013, com a nova Lei dos Portos, que permitiu aos terminais movimentar cargas de terceiros e aumentou o interesse da iniciativa privada no setor.
— O Brasil saiu das trevas, era muito difícil ousar antes dela. Os portos estavam tão atrasados que abriu a oportunidade para a inovação — diz Ruggeri.
A Argonáutica desenvolveu o Redraft, que atua como uma calculadora dinâmica em tempo real da distância entre o casco do navio e o fundo do mar, considerando de cada porto, dos navios e das condições ambientais. No total, reúne 32 informações em tempo real.
— Todos os dados estão disponíveis num clique — conta Ruggeri.
A Argonáutica desenvolveu o sistema em conjunto com os práticos do Porto de Santos e hoje atua nos portos do Rio de Janeiro, Suape e na Bahia de Todos os Santos, além de terminais privados, como o Portocel (ES), especializado em produtos florestais.
Os dados de manobra e da embarcação são integrados com as informações de outra empresa voltada à facilidade da navegação, a HidroMares, nascida na incubadora da USP, o Cietec (Centro de Inovação, Empreendedorismo e Tecnologia), em 2002.
Com sensores em toda a costa brasileira, ela fornece dados das condições do oceano online por meio do aplicativo Sismo (Sistema de Informações Meteo-Oceanográficas), que o cliente recebe diretamente no smartphone. São informações de velocidade e direção de correntes e ventos, nevoeiros e marés que afetam as condições de navegação.
— O sistema depende apenas do sinal de internet e fornece a condição do momento para a tomada de decisão — explica Gabriel Paschoal, um dos sócios da HidroMares.
Os sistemas têm sido desenvolvidos com os usuários portuários, principalmente os práticos. Na área de manobra dos portos, a presença deles é obrigatória nos navios. Em áreas de aproximação, muitas vezes, se torna facultativa.
Nem sempre, porém, é um bom negócio navegar sem eles. No porto Ponta da Madeira, na baía de São Marcos, no Maranhão, ondas de até 6 metros desafiam os capitães dos mares. Em fevereiro passado, o navio Stellar Banner encalhou num banco de areia, justamente numa área onde a presença de práticos a bordo é opcional. E o profissional havia sido dispensado.
O gigante sul-coreano, de 340 metros de comprimento, carregava 145 mil toneladas de minério de ferro da mina de Carajás e 3,9 mil metros cúbicos de óleo, e seguia em direção à China. Com a avaria no casco, toda a carga teve de ser retirada. Foi mais barato afundar o navio em junho passado, a cerca de 100 km de São Luís, do que consertá-lo.
— Navegar pela costa brasileira não é tarefa simples. Qualquer distração pode gerar desastres — resume Szilagyi.
Logística da última milha
Novas tecnologias também estão sendo desenvolvidas para resolver o dilema logístico da última milha, enfrentado por operadores de frotas nas grandes cidades. Com a pandemia, o problema se tornou mais aparente com o avanço do comércio eletrônico e das entregas em domicílio. Na PUC-Rio, o professor Thibaut Vidal criou o algoritmo de otimização de rotas mais eficiente já desenvolvido.
Segundo o pesquisador francês radicado no Rio há seis anos, o sistema tem eficiência apenas 0,1% menor que o modelo considerado perfeito. Por comparação, o resultado da ferramenta equivalente do Google, o OR-Tools, é de 4%.
— Num modelo perfeito de 100 km percorridos, o nosso algoritmo gera rotas de 100,1 km. O do Google, de 104 km — explicou Vidal. — Pode parecer pouco, mas para uma empresa que gasta R$ 1 bilhão com logística de última milha, representa uma economia de R$ 40 milhões apenas pelo uso de um algoritmo.
O sistema funciona como o Waze, mas com variáveis próprias do setor de logística. Em vez de informar apenas o destino, os operadores devem indicar quais são os pontos de parada, quantos e quais são os veículos, horários para as entregas e para o descanso dos motoristas, entre outros dados. Automaticamente, ele define as melhores rotas.
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O algoritmo, que está sendo desenvolvido há uma década por Vidal, foi publicado na internet em código aberto. Qualquer empresa interessada pode fazer o download da ferramenta e integrá-la aos seus sistemas. Além da redução de custos para as empresas, Vidal cita entre os benefícios menor tráfego nas cidades, menos desgaste dos veículos e corte nas emissões de gases-estufa.
— O compartilhamento em código aberto é uma forma de incentivar o uso de tecnologias criadas na academia, reduzir o atraso entre o que é desenvolvido pela ciência e o que é empregado pelas empresas — afirmou o pesquisador francês radicado no Rio há seis anos.
O próximo passo é a criação de um aplicativo intuitivo, para que empresas que não possuem desenvolvedores possam usar o algoritmo. A ideia, diz Vidal, é que qualquer empresa ou pessoa que precise organizar rotas possa utilizá-lo, apenas indicando pontos de parada em um mapa.
— Esse tipo de tecnologia é útil não apenas para grandes empresas, como Amazon ou Correios. Serve, por exemplo, para a gestão de frotas de ambulâncias, ou para um pequeno comércio com entregadores próprios — destacou Vidal.
Fonte: O Globo