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A Tribuna (Santos, SP)

"Apenas um terço (dos estudantes) tem lugar numa universidade pública"

Publicado em 26 fevereiro 2018

Por Tatiane Calixto

Prestes a completar 90 anos, o físico José Goldemberg debate temas complexos como política energética, pesquisa cientifica e Educação com propriedade e bom humor. Ele é um dos principais intelectuais do País, já tendo ocupado cargos nos governos do Estado e Federal e a reitoria da Universidade de São Paulo (USP). Hoje, à frente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp), defende a pesquisa mais próxima da sociedade. Em entrevista a A Tribuna, fala desde os reflexos da crise econômica na pesquisa, a educação básica e o pré-sal até a matriz energética: "O Governo precisa ter mais coragem nas negociações, evitando a polarização entre ambientalistas e produtores de energia".

Qual análise o senhor faz da produção científica no País durante a crise?

A atividade de pesquisa científica no Brasil é muito ligada à atividade educacional. E feita dentro das universidades. Esse é um dos problemas, porque ela tende a ficar lá e a sociedade não vê os resultados. E com a crise que afetou o orçamento federal, essa área sofreu também. Vários organismos de apoio à ciência na área federal tiveram problemas. São Paulo foi um pouco mais protegido porque as universidades tinham fundos de reserva que permitiam que sobrevivessem.

E quanto à Fapesp?

O grande órgão de apoio à pesquisa no Estado é a Fapesp, que tem 1% dos impostos arrecadados. Há dois anos, quando a crise estava aguda, houve ideias de reduzir o repasse, que está na Constituição. O Congresso aprovou uma lei que permitiria a desvinculação. E aí foi o bom senso do Governo do Estado que efetivamente evitou que isso acontecesse. Esse é um ponto. Acontece que a atividade de pesquisa precisa atingir a sociedade, mas o sistema produtivo sofreu tanto com a crise que a indústria ficou sem condições de procurar as universidades.

E como está sendo contornar esse impacto?

Nesse período, foi feito um esforço interessante de apoio à modernização dos institutos de pesquisa, como o Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT), por exemplo. A ideia é que eles estão mais perto do sistema produtivo do que as universidades. Agora, a crise foi a principal causa dos problemas. Mas, além disso, houve programas no governo anterior que prejudicaram o trabalho. O Ciência Sem Fronteiras consumiu bilhões de reais com resultados discutíveis.

Mas o que faltou? Desenhar melhor ou foi o número excessivo de bolsas sem uma contrapartida definida?

A segunda opção. O programa não era nem para estudantes de pós, era para graduação. Eles foram mandados a lugares que nem ao menos conheciam a língua. Programas que existem, tanto da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior), CNPq, quanto os nossos (da Fapesp), são programas muito sérios. Para conseguir uma bolsa da Fapesp, você dá um duro danado. O programa deu a impressão nítida de ser algo massivo, que agradou aos beneficiários, mas não resolveu os problemas do sistema.

E quanto à qualidade do que está sendo produzido?

A atividade científica é medida por alguns indicadores. No que se refere ao número de trabalhos, o Brasil vai bem. No que se refere ao impacto desta pesquisa, isso sobe lentamente. É um ponto delicado. Na Fapesp, temos programas para que esses números subam. Com cooperação de cientistas estrangeiros e empresas de fora.

Existe uma ligação entre a Educação Básica e a qualidade e vontade de se fazer pesquisa no País?

É um tema delicado porque se liga ao problema de justiça social. Os ricos são os que entram nas universidades públicas, que são melhores e gratuitas. Isso está ligado ao fato de o Brasil não ser suficientemente rico para ter universidade pública para todos. Aliás, são poucos países do mundo que fazem isso. No Brasil, apenas um terço tem lugar numa universidade pública. As universidades têm se esforçado para promover essa inclusão com as cotas. Mas onde está o problema? Na educação básica. As pessoas argumentam que precisa mudar o vestibular. O que precisa é mudar a capacitação dos estudantes. Temos que reforçar a área média do ensino.

Mas ainda assim teriam que aumentar as vagas do Ensino Superior público?

Temos algumas medidas como a Univesp (Universidade Virtual de São Paulo), que é pública e a distância, com conteúdo feito em parceria com as públicas do Estado. Mas, agora, há um problema que já se descobriu nos Estados Unidos, na Coreia do Sul: procurar um grau universitário nem sempre é a melhor solução para um bom emprego. O que precisamos é fazer cursos que capacitem para o mercado, como as Fatecs. Aqui, a gente insiste em querer cursos de quatro ou cinco anos. É a síndrome que herdamos dos portugueses, que precisamos ser doutor. Nos Estados Unidos, as universidades começaram a oferecer cursos de dois anos, os colleges. Para algumas profissões, é perfeitamente satisfatório. Essa fixação em universidade ... Veja, o Governo Federal criou mais ou menos 30 universidades federais que são caras. Na USP, por exemplo, cada estudante custa por ano R$ 50 mil para o Governo.

Qual sua opinião sobre a cobrança pela universidade pública?

Olha, é um assunto complicadíssimo. Mas quando fazemos as contas, vemos que não pagaria, só ajudaria. O que acho que deveria ser feito é as universidades captarem mais recursos junto à indústria.

Como?

Convênios, contratos, inclusive com o Governo. A atividade de Defesa, por exemplo, investe quantidade grande de dinheiro. Nos Estados Unidos, esse tipo de atividade é um componente grande da pesquisa da universidade.

A Fapesp tem um programa específico de apoio a startups?

Sim. É um programa de apoio e é o maior que existe no Brasil. Nós damos um auxílio a fundo perdido de até R$ 200 mil para pessoas, estudantes e pequenas empresas para realizarem um determinado trabalho. Não é empréstimo. O que ele precisa é ter uma boa ideia. No ano passado, aprovamos 240 projetos. O indivíduo recebe até R$ 200 mil e desenvolve a ideia. Se for bem, pode aumentar até R$ 1 milhão. Naturalmente, precisamos de um cenário para o País que estimule esse tipo de atividade. Não vamos ter a ilusão de que as universidades ou a Fapesp podem resolver todos os problemas. Precisamos de uma política que precisa ser fixada pelo Governo Federal. Quando existe competição, a empresa vai procurar desenvolver pesquisa com o intuito de melhorar.

Sofremos com a dengue, zika e, agora, com a febre amarela. Como anda a pesquisa científica no Brasil para colaborar coma saúde?

Olha, a Saúde não é a minha área, por isso fiz exatamente essa mesma pergunta aos meus colegas. Então, me explicaram que a febre amarela já tinha desaparecido e o que houve foi um problema de implementação. Quer dizer, as autoridades da área sanitária não fizeram o dever de casa. Não é uma questão de pesquisa. Não há justificativa para voltar a existir uma doença transmissível erradicada.

E a dengue e zika?

Estamos apoiando muitos trabalhos. Na questão da zika, temos um grupo pioneiro trabalhando neste sentido.

Agora, na área do senhor. De tempos em tempos levamos sustos em relação a abastecimento de energia. Como está nossa matriz?

O Brasil era um dos poucos países do mundo com uma matriz energética adequada. Até recentemente esse era o caso. Porque boa parte da eletricidade era produzida por hidrelétricas. É claro que você não pode ter um sistema só com hidrelétricas porque, às vezes, não chove. Por isso, as térmicas. Mas as hidrelétricas eram dominantes. Isso foi caindo com o tempo, até porque os grandes e melhores empreendimentos foram feitos primeiro. E aí, os empreendimentos marcharam para o Norte. A questão é que houve uma falta de habilidade do Governo em explicar as necessidades para a sociedade. E as usinas estão sendo feitas sem reservatórios. Elas só funcionam quando tem água. O argumento é que, com o reservatório, há perigo de inundar e há necessidade de deslocar população. O fato é que essas áreas são pouco habitadas. Claro que, às vezes, há as questões com indígenas e quilombolas, mas o Governo deveria ter resolvido essa situação. A expansão vai muito devagar. Esse é o problema. Como não dá para depender do sistema como antigamente, avançam as térmicas, que são mais caras e emitem mais poluição.

Recentemente, tivemos um embate relacionado à instalação de uma termelétrica em Peruíbe?

Acho que o debate foi rígido demais em Peruíbe. Porque as usinas a gás são menos poluentes e o argumento que vai produzir poluição local é incorreto. Ela contribuirá para emissão de gases do efeito estufa, mas, localmente, não. A queima de gás não produz particulado, o que produz a poluição local são as pequenas partículas que se juntam com o vapor de água na atmosfera, como em São Paulo ou como aconteceu no passado em Cubatão, que era um inferno. Não sou muito pessimista em relação ao sistema, mas o Governo precisa ter mais coragem nas negociações, evitando a polarização entre ambientalistas e produtores de energia.

Por outro lado, tivemos a grande promessa do pré-sal e a Baixada Santista viveu isso intensamente. Perdemos o ritmo?

O Brasil perdeu uma janela de oportunidades. Acontece que o consumo de petróleo está caindo. Os automóveis são mais eficientes, todo mundo já tem seu carro. O que ainda segura são os países em desenvolvimento. Fora as dificuldades ambientais, que são bem sérias, porque o petróleo é responsável tanto pela poluição local quanto global. O que se tinha era uma ideia errada de que guardar o petróleo era como guardar o dinheiro no banco. E não. Tem que explorar e vender o mais rápido possível.

Por outro lado, o senhor já havia falado da importância do etanol. Estamos caminhando na velocidade que o senhor imaginou?

Evidentemente o programa do etanol, que é magnífico, precisa ser ampliado. A ideia do uso do etanol substituindo a gasolina é tão boa, que é surpreendente que ela tenha ficado restrita a poucos países. Mas a expansão é necessária.