Um estudo publicado este mês na revista Vacinas mostra que na região de São José do Rio Preto, interior de São Paulo, apenas 75,8% das crianças de 0 a 15 anos têm anticorpos contra o sarampo. O percentual está abaixo do considerado ideal para prevenir surtos da doença – em torno de 94%. Os resultados vão ao encontro de outras pesquisas recentes, que mostraram queda nas taxas de imunização infantil no país desde 2015.
“Este é mais um grito de alerta de que as crianças brasileiras não estão atingindo a imunidade de rebanho, tornando-se suscetíveis à infecção. E estamos vendo isso na prática: o sarampo, que já estava erradicado, voltou ao país”, comenta Maurício Lacerda Nogueira, professor da Famerp (Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto) e um dos autores do trabalho, financiado pela FAPESP. por meio de dois projetos (13/21719-3 e 19/06572-2).
Os pesquisadores analisaram a presença de anticorpos específicos do sarampo – do tipo imunoglobulina (IgG) – em amostras de sangue de 252 crianças coletadas entre dezembro de 2018 e novembro de 2019. Os participantes do estudo foram internados no Hospital de Base da Famerp com suspeita de dengue. Os cientistas aproveitaram o material coletado durante o atendimento clínico para realizar análises de soroprevalência.
As amostras foram estratificadas em cinco faixas etárias: 0 a 1 ano (crianças ainda não imunizadas); 1 a 2 anos (quando devem ser tomadas a primeira e a segunda dose da vacina MMR); 2 a 5 anos (quando a criança já deve estar totalmente imunizada contra o sarampo); 5 a 10 anos; e 10 a 15 anos. Em todos os grupos a taxa de imunização foi inferior a 80%.
“Todas as faixas etárias estão abaixo do ideal, mas o mais preocupante são as crianças de 2 a 5 anos, que estão em 70%. Essas crianças deveriam ter sido vacinadas nos últimos dois ou três anos. É possível que a pandemia de Covid-19 tenha contribuído para esse resultado. Mas a queda da cobertura vacinal no país é um problema que começou mais cedo, entre 2015 e 2016”, diz Nogueira.
Em um estudo anterior, publicado na revista Scientific Reports, a equipe liderada por Nogueira havia demonstrado que quase um terço dos cariocas pretensos com idade entre 10 e 40 anos não possuem anticorpos contra o sarampo. Com base nesses resultados, o grupo decidiu investigar a situação entre os mais jovens.
“Sabemos que a cobertura vacinal para várias doenças vem caindo nos últimos anos. Entre as causas estão a falta de investimento em campanhas de conscientização e dificuldades na organização dos municípios. Além disso, há o fato de a população ter perdido o medo da doença, já que os casos não são tão frequentes”, diz Nogueira.
A pesquisadora cita ainda a influência do movimento antivacinação, que até 2020 estava restrito às camadas mais privilegiadas da população, mas ganhou força no país durante a pandemia.
“A Secretaria de Saúde de São José do Rio Preto é muito atuante, mas sem um movimento nacional a favor da vacinação fica muito difícil atingir as metas de imunização. E imagino que em locais menos privilegiados do país a taxa de cobertura vacinal deve ser ainda menor”, avalia.
Estatisticas
O sarampo é uma doença altamente contagiosa para a qual não existem tratamentos específicos. Estima-se que nove em cada dez pessoas não protegidas (por vacina ou infecção prévia) se infectem após a exposição ao vírus. A transmissão ocorre por gotículas respiratórias expelidas pelo paciente ao tossir ou espirrar. Os sintomas aparecem 10 a 14 dias após a exposição e incluem tosse, coriza, conjuntivite, dor de garganta, febre e irritação da pele com manchas vermelhas.
Complicações – como otites, infecções respiratórias e doenças neurológicas – podem causar sequelas como surdez, cegueira, retardo de crescimento e diminuição da capacidade mental.
Em 2019, foram registrados 9 milhões de casos de sarampo em todo o mundo, o que resultou em 207.500 mortes, segundo dados do CDC (Centers for Disease Control) dos Estados Unidos. No Brasil, segundo o Ministério da Saúde, foram confirmados 8.448 casos em 2020 e 676 casos em 2021.
A única forma de prevenir a doença é com a vacina tríplice viral, que também imuniza contra caxumba e rubéola e faz parte do PNI (Programa Nacional de Imunizações). Mas, segundo o Ministério da Saúde, apenas 47% das crianças que fazem parte do público-alvo receberam a imunização em 2022, e a meta de cobertura é de 95%. Em 2021, apenas 50% do público-alvo recebeu a segunda dose da vacina, que deve ser administrada por volta dos 15 meses de idade.
Embora as taxas de imunização não sejam suficientes para impedir a circulação do vírus no país, pelo menos conseguem reduzir a taxa de transmissão, como mostrou o estudo da Famerp. Estima-se que em uma população totalmente desprotegida, um indivíduo infectado pode contaminar entre 12 e 18 pessoas. Na população de 0 a 15 anos estudada em São José do Rio Preto, o número de casos secundários variou entre três e quatro – o que ainda é considerado preocupante.
“A mensagem do artigo é que o problema não foi resolvido com as campanhas de vacinação realizadas até agora. É necessário mais esforço. A pesquisa, por meio da universidade e da FAPESP, está fornecendo informações relevantes ao gestor de saúde e cabe a ele agir”, diz Nogueira.