Notícia

Revista Amazônia

Aparelho portátil ligado a smartphone permite diagnosticar doenças oculares a distância

Publicado em 06 junho 2019

Por André Julião | Agência FAPESP

A empresa Phelcom Technologies criou o Eyer Cloud, um aparelho portátil ligado a um smartphone que faz imagens precisas da retina, permitindo detectar retinopatias a um custo mais baixo que os métodos convencionais. Ainda tem a vantagem de possibilitar o diagnóstico por telemedicina, a quilômetros de um médico oftalmologista.

A empresa recebeu apoio do programa Pesquisa Inovativa em Pequenas Empresas (PIPE) da FAPESP em 2016, para desenvolvimento de um protótipo. Recentemente, teve aprovado o projeto de comercialização e fabricação do produto, com a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep).

A empresa é incubada na Eretz.bio, do Hospital Israelita Albert Einstein. Em março, começou a operar sua fábrica em São Carlos, depois de conseguir as certificações do Inmetro – Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia e da Anvisa – Agência Nacional de Vigilância Sanitária.

O dispositivo sai da fábrica acoplado a um smartphone de última geração, custando cerca de US$ 5 mil. O aparelho convencional mais usado hoje precisa ser ligado a um computador e custa em média R$ 120 mil.

Na frente da câmera do celular, fica um conjunto óptico projetado para iluminação e imageamento da retina. Quando as imagens são produzidas, o aplicativo que opera o aparelho as envia pela internet para um sistema web – chamado Eyer Cloud – que permite armazenar e gerenciar os exames dos pacientes.

Câmera e aplicativo Eyer Cloud da Phelcom para analise de retina. Foto: Phelcom.

Caso não haja acesso a internet (wi-fi ou 3G) no momento do exame, as imagens ficam salvas no aparelho e são enviadas para a nuvem assim que houver conexão com a internet.

Não por acaso, o nome da empresa é um acrônimo em inglês das três áreas: física, eletrônica e computação (physics, electronics e computing). Os outros sócios fundadores da Phelcom são Flávio Pascoal Vieira, diretor operacional (COO, na sigla em inglês), e Diego Lencione, diretor técnico (CTO). Os três se conheceram no Departamento de Pesquisa e Desenvolvimento da empresa Opto Eletrônica, em 2008, e se aproximaram durante o mestrado na Universidade de São Paulo (USP), em São Carlos.

O Eyer Cloud é uma inovação da equipe que vem se destacando por armazenar todas as informações adquiridas nos exames e organizar em um banco de dados. Os equipamentos atuais são, na maior parte off-line, operando junto a um computador que salva as informações. O equipamento permite que um técnico treinado ou um médico generalista possa fazer as imagens, enquanto um oftalmologista especializado em retina as analisa e emite um laudo de outro lugar.

A empresa atualmente realiza parcerias com médicos oftalmologistas para a emissão de laudos da retina. Enviadas as imagens, o médico parceiro emite o parecer no próprio sistema. O pagamento se dá por meio de planos mensais. A depender da quantidade de laudos emitidos, cada um custará entre US$ 5 e US$ 10.

Inteligência artificial

Além de representarem um novo serviço, os laudos emitidos alimentam um banco de dados que pode ser usado para “ensinar” o computador a identificar padrões associados às principais doenças que afetam a retina, principalmente a retinopatia diabética.

Atualmente, a empresa tem mais de 10 mil retinas fotografadas e projeta ter, em pouco tempo, o maior banco de dados do gênero do mundo. Só para o próximo ano, os sócios projetam ter 50 mil pacientes examinados.

No ano passado, a Food and Drug Administration, agência que regula a venda de medicamentos, alimentos e equipamentos médicos nos Estados Unidos, aprovou pela primeira vez um algoritmo para diagnóstico de uma doença. A empresa IDx conseguiu autorização para usar um algoritmo que detecta justamente a retinopatia diabética, maior causa de diminuição da visão e de cegueira entre adultos norte-americanos.

No Brasil, estima-se que 7,6% da população urbana entre 30 e 69 anos tenha diabetes e, destes, metade tenha retinopatia diabética.

O empreendedor afirmou que o sistema da empresa tem atualmente precisão próxima de 80% para detectar retinopatia diabética, sem a necessidade de intervenção humana.

Com o aumento de sua base de dados, em breve essa taxa deverá chegar a 95% de precisão, quando a aplicação poderá começar a ser comercializada. O algoritmo norte-americano tem atualmente até 89,5% de chances de dar um diagnóstico correto.

Com projeções de colocar 150 Eyers no mercado brasileiro nos próximos 12 meses e obter R$ 3 milhões em lucros, a ideia dos sócios agora é expandir as vendas para outros países da América Latina e depois para os Estados Unidos e a Europa.

Dispositivo vestível

A Phelcom Technologies também tem o apoio do PIPE FAPESP para desenvolver outro produto inovador. Trata-se de um par de óculos que, quando colocado pelo paciente, faz o exame da retina e também mede a refração, principal exame oftalmológico realizado hoje.

O exame de refração define o grau de miopia, astigmatismo, hipermetropia e presbiopia (“vista cansada”), define se o paciente precisa de óculos e determina o grau necessário.

“Demoramos três anos do desenvolvimento à comercialização do nosso primeiro produto, o Eyer. Agora queremos fazer em menos tempo. Por isso, a ideia é criar pequenos módulos que possam ser acoplados ao Eyer ou a uma versão aprimorada dele. O ideal é que tenhamos, em alguns anos, óculos que façam de uma só vez a retinografia e meçam a refração e a pressão intraocular”, explicou Stuchi.

Agregar todos esses dispositivos em um par de óculos pode ainda eliminar ou tornar menos crítica a figura do operador do equipamento e padronizar os exames. Mesmo com o treinamento on-line realizado pela empresa para operar o Eyer, ainda há fatores subjetivos, como a forma de posicionar o aparelho, que podem gerar uma imagem melhor ou pior.

“Seguindo a tendência atual de dispositivos vestíveis, o próprio paciente faria o exame simplesmente colocando os óculos por alguns minutos”, disse.

Além do PIPE FAPESP, a empresa credita seu desempenho à Eretz.bio, que, além de recursos financeiros, oferece mentoria em negócios e disponibiliza a estrutura do Hospital Albert Einstein para validação clínica dos aparelhos, e à Supera, incubadora de empresas de base tecnológica que funciona no Supera Parque, em Ribeirão Preto.

O parque tecnológico possui laboratórios de certificação para a indústria médica, fundamentais para o desenvolvimento do Eyer. Além dos suportes técnico e jurídico, a incubadora foi fundamental no direcionamento do produto para o mercado.

Novas tecnologias para a saúde

Com graduação e mestrado pela Escola de Engenharia de São Carlos da USP e atualmente fazendo doutorado na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Stuchi foi um dos empreendedores apoiados pelo PIPE FAPESP que apresentaram projetos no Painel Pesquisa Inovativa em equipamentos médicos-hospitalares – Oportunidades e Desafios, realizado no dia 23 de maio, como parte da programação da Hospitalar, um dos maiores eventos da cadeia médica das Américas.

Participaram também do Painel FAPESP Paulo Gurgel Pinheiro, fundador da Hoobox Robotics, que, com o apoio do PIPE FAPESP, desenvolveu uma tecnologia de reconhecimento facial para monitorar comportamentos humanos, usada para mover cadeiras de roda eletrônicas com expressões faciais e monitorar pacientes em unidades de terapia intensiva (UTIs), entre outras aplicações.

A outra empresa participante da seção foi a Brain4Care, criadora de um dispositivo não invasivo que mede a pressão intracraniana, auxiliando no diagnóstico e no monitoramento de uma série de condições médicas.

A empresa tem entre seus fundadores Sérgio Mascarenhas, professor emérito da USP, e Gustavo Frigieri, presente no evento, que teve seu primeiro apoio PIPE FAPESP aprovado ainda em 2008.

“As três empresas têm uma atitude de olhar para o Brasil e também para o mundo. Para elas, ocupar espaço no mercado brasileiro é um meio para chegar a outros países, e não um fim. É o tipo de empresa que gostamos de selecionar no programa PIPE FAPESP. Aqui mostramos três, mas há mais de mil empresas que já apoiamos, todas trabalhando no mundo inteiro”, disse Carlos Henrique de Brito Cruz, diretor científico da Fundação, durante o evento.