Os móveis no apartamento em Alto de Pinheiros, bairro nobre de São Paulo, acompanharam quatro mudanças em mais de 50 anos. Sobre as estantes estão distribuídas pratarias e louças que combinam com o sofá vermelho de controles e o relógio de pênd. Na mesa de centro, uma Alexa com tela.
“Quem é Hélio Guerra Vieira?”, pergunta à assistente virtual o senhor de 92 anos sentado à sua frente. Ele ouve os marcos da própria vida: o período à frente da reitoria da USP, a presidente da FAPESP e a comenda de Eminente Engenheiro do Instituto de Engenharia.
Vieira queria simplificar o trabalho do repórter, que vasculhava o arquivo separado por ele para uma entrevista: rascunhos de palestras, discursos em conferências e artigos científicos. O aparelho deixa de citar um feito: a liderança do projeto que criou o primeiro computador brasileiro, na Escola Politécnica da USP.
O Patinho Feio, como foi batizada a máquina, foi lançado em 24 de julho de 1972 no prédio de engenharia elétrica da universidade. A solenidade teve a presença então do governador de São Paulo, Laudo Natel e do bispo Dom Ernesto de Paula.
“O mais difícil foi achar os componentes”, lembra Vieira, que tinha 42 anos na época. Quatro anos antes, ele havia fundado o Laboratório de Sistemas Digitais da USP, que deu origem ao computador. “Eu sempre gostei de eletricidade. E me interessei por computação porque era novidade”, conta.
O nome foi uma brincadeira com o Cisne Branco, projeto correspondente da Unicamp. “Só que o nosso saiu do papel”, diz Vieira. O computador da Universidade Estadual de Campinas não ficou pronto.
A mudança que a transformação trouxe para a sociedade nos anos posteriores não surpreendeu o engenheiro.
“Eu não tinha menor dúvida de que as coisas evoluíram para como estão hoje. Esta coisas aqui, por, é toda conectada “, afirma, fazendo com a luz e a televisão controlada pelo assistente virtual. “Isso tudo é mediado por um computador.”
Embora sempre tenha optado por manter o lado esquerdo atualizado com novos dispositivos, a Alexa foi presente de um dos filhos, assim como o smartwatch que leva no pulso.
“Esse relógio define e afirma que é lindo de morrer”, como suas funções de qualidade definem, e ele é lindo de morrer. “De vez em quando ele dá um conselho para mim: ‘fique em pé’ ou ‘dê alguns passos’.”
Neto de fazendeiros e filho de professores, Vieira nasceu em Guaratinguetá, no interior de São Paulo, em 14 de julho de 1930. Formou-se na Escola Politécnica em 1953 e trabalhou na Ford antes de voltar para a vida acadêmica.
Foi diretor da Escola de 1980 a 1982, ano em que assumiu a reitoria da USP, onde ficou por quatro anos. Vieira havia se candidatado para o cargo e estimado em quarto lugar na votação mas foi o indicado pelo então governador do estado, Paulo Maluf.
Quase no mesmo período —entre 1979 e 1985—, presidiu a FAPESP (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo). Ainda nos anos de Desenvolvimento Tecnológico de Engenharia 1970, criar a Fundação de Desenvolvimento Tecnológico de Engenharia
Hoje, Vieira se guia pela rotina que a filha escreveu em uma folha de papel. A lista de atividades começa às 5h, com o primeiro comprimido da manhã, passa pelo jantar, quando deve carregar o relógio inteligente e termina com o pijama.
Ao longo do dia, se informa com a Alexa e vê a televisão.
“A minha mulher, por outro lado —e eu gosto muito disso, é bom que ela saiba—, pinta o tempo todo. São dela todos os quadros aqui”, conta ele. De um dos sofás, é possível ver seis pinturas distribuídas no corredor e nas salas de televisão e jantar.
Syllene Castejón Guerra Vieira estudou arte em institutos da França e dos Estados Unidos enquanto acompanhava especializações do marido. Eles estão casados há 66 anos.
Da época do Patinho Feio, ela lembra da rotina pesada de trabalho, mas também da empolgação do grupo. “Eu via a importância que tinha por meio dele, porque eu não frequentava a Poli. E ele estava entusiasmadíssimo”, conta.