Notícia

Jornal da USP

Aos 80 anos, uma avaliação

Publicado em 15 dezembro 2014

Por José Goldemberg

Aniversários em geral são ocasiões em que fazemos uma avaliação do ano que passou. O octogésimo aniversário da USP suscita, com mais razão, uma reflexão profunda do que ocorreu nos seus 80 anos de vida.

Esse aniversário é ainda mais especial porque o reitor assumiu seu cargo exatamente no dia do aniversário de 80 anos da Universidade e a posse de um reitor só coincide com um decênio do aniversário da criação da USP a cada 20 anos. Só teremos uma outra ocasião como essa em 2034, no centésimo aniversário de fundação da USP.

Decorridos 80 anos, a pergunta a fazer é se a USP cumpriu os objetivos para os quais foi criada. Onde acertamos e onde erramos? Em outras palavras, o que há a comemorar?

O que tinham em mente os fundadores da Universidade está no artigo 2º do decreto 6.283 de 25 de janeiro de 1934:

“Promover pela pesquisa, o progresso da ciência; transmitir, pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espirito ou sejam úteis à vida; formar especialistas em todos os ramos de cultura e técnicos e profissionais em todas as profissões de base científica ou artística; realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres”.

O decreto juntou numa mesma estrutura administrativa diversas instituições de educação superior então existentes e uma nova Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), “laço de entrosamento científico-cultural”, nas palavras de Ernesto de Souza Campos. Na realidade, esse entrosamento demorou a ocorrer e só foi concretizado com a reforma universitária de 1970, que criou os institutos básicos.

O decreto previu ainda a instituição do regime de tempo integral e da autonomia financeira, que só se concretizou em 1988, com a destinação de um percentual fixo do ICMS às universidades do Estado.

No que se refere ao ensino e à promoção da pesquisa, não há dúvidas de que a USP foi um sucesso. Ela formou até hoje mais de 300 mil graduados, que ocuparam e ocupam posições de destaque em todas as áreas da sociedade, desde empresas de engenharia até bancos e no próprio governo.

A USP já outorgou também cerca de 45 mil títulos de doutor e seus egressos são parte importante do corpo docente das outras instituições de ensino superior do Estado e do País. Seus docentes publicam, a cada ano, cerca de 10 mil trabalhos em revistas científicas.

O fato de não ter ainda um premio Nobel entre os seus pesquisadores é apenas uma questão de tempo e de oportunidade. Vários pesquisadores da USP receberam outros prêmios muito significativos e o fato de Maurício Oscar da Rocha e Silva, na medicina, ou César Lattes, na física, não terem recebido o Prêmio Nobel é uma injustiça.

Existem no mundo cerca de 10 mil universidades e a USP se encontra entre as 200 melhores, isto é, nos 2% em que se encontram as grandes universidades inglesas e americanas. Ela é a melhor universidade da América Latina e está entre as 10 melhores universidades dos países em desenvolvimento, mas pode e deve melhorar estimulando a excelência em todas as áreas. Seus padrões de desempenho e excelência científica e cultural influem nas demais universidades brasileiras.

Contudo, ela não conseguiu melhorar suficientemente o ensino secundário, como desejavam Fernando de Azevedo, Júlio de Mesquita Filho, a Associação Brasileira de Educação e muitos outros que lutaram pela criação da USP. Esse é mais um problema do ensino médio em geral do que da USP e que ela não pode resolver sozinha, mas certamente poderia ajudar mais do que tem feito, a meu ver.

Apesar de formar especialistas em todas as áreas, os esforços da USP não se refletiram em inovações e aumentos de produtividade na indústria, como seria desejável e que ocorreu em outros países da Europa e nos Estados Unidos. As atividades de pesquisa da USP sempre tiveram uma forte componente cultural. Essa é uma atividade em construção, na qual também a Fapesp está engajada, mas que, a meu ver, necessita da adoção de medidas macroeconômicas que estimulem a indústria a se modernizar.

A comissão que o reitor designou para coordenar as atividades que marcarão os 80 anos da USP se debruçará sobre esses problemas promovendo um debate vivo, inclusive com convidados do exterior, que nos estimulem a lutar para resolvê-los.

José Goldemberg, ex-reitor da USP (1986-1990), é presidente da Comissão Coordenadora das Comemorações dos 80 Anos da USP