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Jornal da USP online

Aos 80 anos, uma avaliação

Publicado em 16 dezembro 2014

Aniversários em geral são ocasiões em que fazemos uma avaliação do ano que passou. O octogésimo aniversário da USP suscita, com mais razão, uma reflexão profunda do que ocorreu nos seus 80 anos de vida.

Esse aniversário é ainda mais especial porque o reitor assumiu seu cargo exatamente no dia do aniversário de 80 anos da Universidade e a posse de um reitor só coincide com um decênio do aniversário da criação da USP a cada 20 anos. Só teremos uma outra ocasião como essa em 2034, no centésimo aniversário de fundação da USP.

Decorridos 80 anos, a pergunta a fazer é se a USP cumpriu os objetivos para os quais foi criada. Onde acertamos e onde erramos? Em outras palavras, o que há a comemorar?

O que tinham em mente os fundadores da Universidade está no artigo 2º do decreto 6.283 de 25 de janeiro de 1934:

“Promover pela pesquisa, o progresso da ciência; transmitir, pelo ensino, conhecimentos que enriqueçam ou desenvolvam o espirito ou sejam úteis à vida; formar especialistas em todos os ramos de cultura e técnicos e profissionais em todas as profissões de base científica ou artística; realizar a obra social de vulgarização das ciências, das letras e das artes, por meio de cursos sintéticos, conferências, palestras, difusão pelo rádio, filmes científicos e congêneres”.

O decreto juntou numa mesma estrutura administrativa diversas instituições de educação superior então existentes e uma nova Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FFCL), “laço de entrosamento científico-cultural”, nas palavras de Ernesto de Souza Campos. Na realidade, esse entrosamento demorou a ocorrer e só foi concretizado com a reforma universitária de 1970, que criou os institutos básicos.

O decreto previu ainda a instituição do regime de tempo integral e da autonomia financeira, que só se concretizou em 1988, com a destinação de um percentual fixo do ICMS às universidades do Estado.

No que se refere ao ensino e à promoção da pesquisa, não há dúvidas de que a USP foi um sucesso. Ela formou até hoje mais de 300 mil graduados, que ocuparam e ocupam posições de destaque em todas as áreas da sociedade, desde empresas de engenharia até bancos e no próprio governo.

A USP já outorgou também cerca de 45 mil títulos de doutor e seus egressos são parte importante do corpo docente das outras instituições de ensino superior do Estado e do País. Seus docentes publicam, a cada ano, cerca de 10 mil trabalhos em revistas científicas.

O fato de não ter ainda um premio Nobel entre os seus pesquisadores é apenas uma questão de tempo e de oportunidade. Vários pesquisadores da USP receberam outros prêmios muito significativos e o fato de Maurício Oscar da Rocha e Silva, na medicina, ou César Lattes, na física, não terem recebido o Prêmio Nobel é uma injustiça.

Existem no mundo cerca de 10 mil universidades e a USP se encontra entre as 200 melhores, isto é, nos 2% em que se encontram as grandes universidades inglesas e americanas. Ela é a melhor universidade da América Latina e está entre as 10 melhores universidades dos países em desenvolvimento, mas pode e deve melhorar estimulando a excelência em todas as áreas. Seus padrões de desempenho e excelência científica e cultural influem nas demais universidades brasileiras.

Contudo, ela não conseguiu melhorar suficientemente o ensino secundário, como desejavam Fernando de Azevedo, Júlio de Mesquita Filho, a Associação Brasileira de Educação e muitos outros que lutaram pela criação da USP. Esse é mais um problema do ensino médio em geral do que da USP e que ela não pode resolver sozinha, mas certamente poderia ajudar mais do que tem feito, a meu ver.

Apesar de formar especialistas em todas as áreas, os esforços da USP não se refletiram em inovações e aumentos de produtividade na indústria, como seria desejável e que ocorreu em outros países da Europa e nos Estados Unidos. As atividades de pesquisa da USP sempre tiveram uma forte componente cultural. Essa é uma atividade em construção, na qual também a Fapesp está engajada, mas que, a meu ver, necessita da adoção de medidas macroeconômicas que estimulem a indústria a se modernizar.

A comissão que o reitor designou para coordenar as atividades que marcarão os 80 anos da USP se debruçará sobre esses problemas promovendo um debate vivo, inclusive com convidados do exterior, que nos estimulem a lutar para resolvê-los.

José Goldemberg, ex-reitor da USP (1986-1990), é presidente da Comissão Coordenadora das Comemorações dos 80 Anos da USP