A Anvisa autorizou a Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (FUNDHERP), em parceria com o Instituto Butantan, a realizarem o ensaio clínico no Brasil com o CAR-T Cell, a técnica que combate o câncer no sangue com as próprias células de defesa do paciente modificadas em laboratório. Oitenta e um pacientes passarão pelo estudo.
Segundo a Anvisa, os estudos estão em fase clínica inicial. O objetivo é avaliar a segurança e a eficácia no tratamento de pacientes com leucemia linfoide aguda B e linfoma não Hodgkin B, recidivados e refratários, em casos de reaparecimento da doença ou de resistência ao tratamento padrão (entenda mais abaixo sobre a técnica).
Segundo Dimas Covas, à frente do estudo, nenhum paciente foi escolhido até agora. “O estudo agora vai definir a seleção dos pacientes. Inicialmente em Ribeirão Preto, depois São Paulo e Campinas”. Os pacientes precisam entrar em contato pelo e-mail: Terapia@hemocentro.fmrp.usp.br
“A aprovação desse ensaio clínico é parte de um projeto inovador de colaboração regulatória entre a Anvisa e pesquisadores e desenvolvedores brasileiros. O objetivo é impulsionar o desenvolvimento de produtos de terapias avançadas disponíveis no Sistema Único de Saúde (SUS)”, escreveu a agência.
A Anvisa e os patrocinadores fizeram reuniões periódicas e discussões de dados e elaboração de documentos técnicos e regulatórios, que foram submetidos continuamente “com inteira dedicação e prioridade por parte da equipe técnica da Agência”, afirmou.
Foram 104 dias de avaliação documental realizada pela agência e 144 dias de respostas às exigências trabalhadas pela FUNDHERP.
Pacientes, como Paulo Peregrino, que teve remissão total do câncer, passaram pelo tratamento de forma “compassiva”, ou seja, por meio de uma autorização da Anvisa, de forma individualizada, para pessoas que já tinham esgotados todos os tratamentos aprovados possíveis.
Como será o estudo?
- Após a aprovação do início do ensaio clínico, a Anvisa criou um plano de acompanhamento.
- Isso envolve revisões frequentes dos dados e informações da pesquisa, com ações planejadas até dezembro de 2024, para monitorar de perto o desenvolvimento do produto.
- Se os resultados forem bons, o objetivo é registrar o produto rapidamente para que as pessoas tenham acesso a uma opção de tratamento segura, eficaz e de alta qualidade disponível no SUS.
- 81 pacientes serão tratados com o produto e serão monitorados no estudos.
- Antes da aprovação da pesquisa, os médicos fizeram uma triagem com pessoas que se enquadravam.
- A técnica é utilizada em poucos países. No Brasil, no segundo semestre, os pacientes serão tratados com o CAR-T Cell com verba pública após autorização da Anvisa para o estudo clínico.
- Atualmente, o terapia só existe na rede privada brasileira, ao custo de ao menos R$ 2 milhões por pessoa.
CAR-T Cell brasileiro
Desde 2020, ainda segundo a agência, foram registrados no país três produtos de terapia gênica, do tipo CAR-T, para tratamento de leucemias, linfomas e mielomas, e dois produtos de terapia gênica para doenças genéticas raras, desenvolvidos por empresas farmacêuticas biotecnológicas internacionais, mas no sistema privado.
Atualmente, cerca de 40 ensaios clínicos com produtos de terapia avançada experimentais estão acontecendo no país, após a aprovação da Anvisa. Um deles está na fase 1, com CAR-T, que também está sendo desenvolvido por pesquisadores brasileiros do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, para tratamento de câncer do sangue.
Primeiros pacientes
Vamberto Luiz de Castro, o primeiro paciente a realizar o tratamento em 2019, teve remissão total, mas morreu pouco tempo depois em um acidente doméstico.
Outro caso que repercutiu neste ano foi o do Paulo Peregrino, de Niterói, no Rio de Janeiro, que fez o tratamento de forma compassiva e foi liberado o CAR-T Cell da USP.
O publicitário combatia o câncer havia 13 anos e teve remissão completa do linfoma em 30 dias com CAR-T Cell. Paulo estava prestes a receber cuidados paliativos quando, entre março e abril, foi o 14º paciente a ser tratado pela terapia, em São Paulo.
Aos 61 anos, Paulo fez as malas e pegou um ônibus de São Paulo a Niterói com a esposa e uma prima dela.
Carregar as malas sozinho tem um significado importante ao publicitário. Em 2022, ele mal andava e não conseguia colocar o tênis, com o inchaço na perna direita.
Na porta, o filho, de 29 anos, esperava o pai. A cadela Aretha estava no quintal e só reconheceu o dono depois de uma cheirada e uma lambida.
“Quando você deita assim é porque está reconhecendo. Quando você deixa fazer isso [coçar a barriga] é porque está me reconhecendo”, brinca Paulo.
O câncer de Paulo está em remissão. Os especialistas consideram “cura” depois de ao menos cinco anos sem indícios da doença.
Antes de voltar a Niterói, ele voltou ao hospital em São Paulo e conheceu a arquiteta Renata Vendramini. Ela foi a 15ª paciente a receber o CAR-T Cell de forma compassiva e está em remissão.
Renata combatia um linfoma perto do olho esquerdo diagnosticado há um ano. As sessões de quimioterapia até diminuíam temporariamente o inchaço no rosto, mas o câncer continuava.
Vanderson Rocha, professor de hematologia, hemoterapia e terapia celular da Faculdade de Medicina da USP e coordenador nacional de terapia celular da Rede D’Or, está à frente dos casos de Paulo e Renata.
“Esses novos tipos de tratamento atualmente reservamos para aqueles casos mais graves, porque não sabemos como vai atuar. É claro que no futuro essa nova terapia poderá ser utilizada numa linha anterior do tratamento”, explica o médico.
Paulo – antes e depois
As duas imagens do Pet Scan (tomografia feita com um contraste especial ) (veja acima) representam “dois Paulos”: a da esquerda, o paciente que tinha como caminho único os cuidados paliativos, quando a alternativa é dar conforto, mas já sem expectativa de cura, e a da direita, um paciente com um organismo já sem tumores após o CAR-T Cell.
“Foi uma resposta muito rápida e com tanto tumor. Fico até emocionado [ao ver as duas ressonâncias de Paulo]. Fiquei muito surpreso de ver a resposta, porque a gente tem que esperar pelo menos um mês depois da infusão da célula. Quando a gente viu, todo mundo vibrou. Coloquei no grupo de professores titulares da USP e todo mundo ficou impressionado de ver a resposta que ele teve”, comemorou Vanderson Rocha, anteriormente sobre os exames de Paulo.
Quando o médico teve contato com Paulo, o publicitário já havia passado por procedimentos cirúrgicos, dezenas de exames e quimioterapia.
Apesar da remissão da doença em um mês, entre março e abril deste ano, Paulo deixou para novembro a “festa da cura”.