Com o objetivo de melhorar o cuidado e o tratamento de pacientes com a Covid-19, pesquisadores buscam compreender os mecanismos utilizados pelo novo coronavírus durante a infecção que podem levar ao desenvolvimento de quadros mais graves da doença.
Cientistas de um consórcio internacional, que conta com a participação de especialistas da Universidade de São Paulo (USP), realizaram uma descoberta que pode ampliar o entendimento dos impactos do vírus para o organismo humano.
De acordo com o estudo publicado em formato preprint, ainda sem revisão por pares, moléculas presentes em doenças autoimunes podem indicar o risco de agravamento da Covid-19.
Como foi feito o estudo
Os pesquisadores analisaram amostras sanguíneas de 246 voluntários de seis estados norte-americanos que não tinham sido vacinados. Deste grupo, 169 pessoas testaram positivo para a Covid-19 a partir de exames de diagnóstico molecular (RT-PCR). Os testes dos outros 77 indivíduos, que não apresentaram sintomas, foram negativos. Para o estudo, os especialistas dividiram o grupo dos infectados entre quadros leves, moderados e severos.
Análises realizadas a partir de ferramentas computacionais revelaram uma associação entre anticorpos e moléculas do organismo que, entre outras funções, produzem uma proteína importante utilizada pelo novo coronavírus para infectar as células humanas, chamada ACE2 (ou enzima conversora de angiotensina 2, na sigla em inglês).
A investigação revelou ainda a presença de anticorpos que têm como alvo receptores com funções relacionadas à inflamação e coagulação. De acordo com o estudo, os casos moderados e graves tiveram os maiores níveis de autoanticorpos, que atuam em células e tecidos do próprio corpo e dificultam a atuação do sistema imune. Já as amostras sanguíneas de pessoas saudáveis e com quadros leves registraram níveis consideravelmente mais baixos.
“Uma série de trabalhos tem mostrado que essas moléculas que promovem doenças autoimunes sistêmicas, conhecidas como autoanticorpos, também aparecem na Covid-19. Nós encontramos aqueles associados com pessoas saudáveis e outros cujos níveis aumentam com a gravidade do quadro clínico da Covid-19″, afirmou Otávio Cabral Marques, pesquisador do Instituto de Ciências Biomédicas da USP, autor do artigo, em um comunicado.
Quando o organismo entra em conflito
Ao infectar o organismo humano, o novo coronavírus desperta o nosso mecanismo de defesa que utiliza recursos como a produção de anticorpos e a resposta celular. O objetivo é o mesmo: eliminar o invasor e impedir que o vírus provoque danos.
Porém, algumas pessoas podem apresentar uma deficiência no sistema imune que induz a produção de autoanticorpos, que neutralizam e destroem proteínas importantes do nosso organismo que combatem as infecções.
No estudo, os cientistas verificaram que a ação dos autoanticorpos contra moléculas foi significativa para a definição da gravidade dos casos. Dois deles, conhecidos pelas siglas anti-CXCR3 e anti-AT1R, foram detectados em pacientes que precisaram de oxigênio alguns dias após a coleta do sangue analisado no estudo.
“Foi possível detectar, por exemplo, autoanticorpos contra duas moléculas com níveis aumentados dias antes do paciente precisar de oxigênio. Com isso, esperamos poder prevenir o agravamento dos casos”, disse Marques.
A molécula CXCR3 controla a migração de linfócitos (células de defesa) para um local com inflamação e ajuda no combate à infecção. Já a molécula AT1R tem função regulatória no sistema circulatório. Quando os autoanticorpos destroem essas proteínas, eles impedem que o organismo atue de forma eficaz no controle da infecção e das lesões causadas pelo vírus nas partes internas dos vasos sanguíneos.
Segundo o estudo, a ampliação no conhecimento dos mecanismos utilizados pelo novo coronavírus durante a infecção pode trazer novas ideias de terapias capazes de bloquear a ação dos autoanticorpos, reduzindo as chances de agravamento da doença.
(Com informações da Agência Fapesp)