Um anel impossível se tornou tema de uma importante descoberta por uma equipe de astrônomos liderada pelo brasileiro Bruno Morgado em torno de Quaoar, um pequeno corpo celeste além de Netuno.
Eles descobriram um anel que não deveria existir de acordo com nosso conhecimento atual sobre essas estruturas. A descoberta foi publicada na Revista Nature em 8 de fevereiro.
Quaoar, o planeta do anel impossível
O objeto chamado oficialmente de (50000) Quaoar é um planeta-anão com cerca de 1.110 km de diâmetro e está localizado no Cinturão de Kuiper.
Sua órbita varia entre 41,9 e 45,5 UA do Sol (1 UA é a distância média entre a Terra e o Sol) e é considerado um Objeto Transnetuniano (TNO), tendo sido descoberto em 2002 pelos astrônomos americanos Chad Trujillo e Michael Brown.
O estudo dos TNOs é crucial para entender a formação e evolução do Sistema Solar. Em 2006, o Telescópio Espacial Hubble foi direcionado para Quaoar e descobriu uma pequena lua chamada Weywot, com cerca de 80 km.
Agora, a equipe liderada por Bruno Morgado descobriu um anel em torno de Quaoar, o que o torna ainda mais interessante para estudos.
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Os TNOs são considerados fósseis intactos da formação do Sistema Solar e o anel de Quaoar é notável, mas por quê?
Via Agência Brasil
Anéis em pequenos corpos
Esse anel impossível de Quaoar é especial por uma série de motivos.
A princípio, a descoberta de anéis em torno de pequenos corpos é algo recente na Astronomia, já que até 2013 só haviam sido observados anéis em planetas gigantes.
Foi uma grande surpresa quando, liderada pelo Professor Felipe Braga Ribas (PPGFA/UTFPR-Curitiba), uma equipe internacional descobriu anéis em torno do asteroide (10199) Chariklo.
Esses foram os primeiros anéis observados em torno de um pequeno corpo. Em 2017, a mesma equipe descobriu que o planeta-anão (136108) Haumea também possui pelo menos um anel. A equipe é formada principalmente por pesquisadores brasileiros, franceses e espanhóis.
Ou seja, o anel impossível de Quaoar é apenas a terceira descoberta em torno de pequenos corpos do Sistema Solar. No entanto, esse elemento possui uma particularidade ainda mais incrível: ele não deveria estar ali.
Limite de Roche e a formação de anéis
Via Globo
Desde que Galileu Galilei observou os anéis de Saturno em 1610, eles intrigam os astrônomos com sua beleza e mistério. Foi necessário décadas de observação até que Christiaan Huygens, da Holanda, entendesse a natureza desses anéis.
Contudo, somente no século XIX, o cientista francês Édouard Roche propôs uma hipótese para explicar como os anéis de Saturno se formaram.
Roche propôs que os anéis de Saturno foram formados a partir de fragmentos de uma grande lua gelada que chegou muito perto do planeta e foi destruída por forças gravitacionais.
Teoria
Assim, ele fundamentou sua teoria em uma base matemática que permitia calcular uma distância limite em que um objeto mantido unido pela força da gravidade poderia se aproximar de outro objeto maior sem ser destruído pelas forças de maré.
Por isso, essa distância ficou conhecida como “limite de Roche”, e a teoria que ele desenvolveu é considerada essencial para a compreensão da formação e existência de sistemas de anéis.
As regras de Roche indicam que não apenas seria impossível para um corpo permanecer unido quando estiver dentro desse limite, mas também seria igualmente impossível para um disco de partículas manter-se em equilíbrio fora desse limite.
Ou seja, as partículas tendem a se acumular e, em poucos anos, formar uma lua. No entanto, essa nova descoberta contradiz esse cenário.
O anel “impossível” de Quaoar
O anel impossível em torno de Quaoar está a 4.100 km do asteroide, um número maior do que seu Limite de Roche. Ou seja, ele não poderia ter sido formado pela fragmentação pela ação das forças de maré de Quaoar. E isso é algo inédito na Astronomia.
Os demais anéis registrados, seja nos planetas gasosos ou em pequenos objetos do Sistema Solar, estão situados dentro ou próximo ao Limite de Roche.
Assim, isso faz com que a teoria proposta por Roche para explicar a formação dos anéis de Saturno seja aplicável a esses casos, porém não se aplica no caso de Quaoar.
Via Olhar Digital
Novas possibilidades
Essa descoberta acabou por gerar novos estudos numéricos originais, que estão no mesmo artigo. Simulações permitiram entender os parâmetros do anel de Quaoar.
A princípio, as leis de colisão usadas para descrever os anéis de Saturno indicam um rápido acúmulo de partículas, como esperado. No entanto, outras regras de colisão, como os resultados de baixas temperaturas, indicam o oposto.
Dessa forma, mesmo que o critério de Roche pareça suficiente para indicar como um satélite se quebra por forças de maré, seu processo inverso, no caso o acúmulo de partículas em um satélite, traz cálculos mais complexos negligenciados anteriormente.
Técnica da ocultação estelar
O anel impossível em Quaoar, além de Chariklo e Haumea, aconteceu por meio de uma técnica de ocultação estelar.
Essa prática envolve a medição da mudança de brilho de uma estrela quando um asteroide passa diretamente em frente a ela. Isso cria um tipo de “micro-eclipse”. Ele permite medir com precisão o tamanho e a forma do asteroide, além de detectar a presença de luas e anéis ao seu redor.
Observar essas ocultações estelares requer colaborações globais, pois o fenômeno é visível apenas em uma estreita faixa que pode passar por diferentes locais na Terra.
O brilho indica
Via Veja
No caso de Quaoar, a descoberta do seu anel foi feita pela detecção de pequenas quedas no brilho da luz das estrelas ocultas momentos antes e depois de Quaoar passar na frente delas.
Essas quedas de brilho estiveram presentes em ocultações entre 2018 e 2021, revelando a presença do anel impossível. As propriedades físicas, como a largura e a quantidade de material presente, surgiram a partir da medição dessas quedas.
Além disso, detectou uma estrutura muito mais densa que as demais partes do anel, algo que já foi observado em alguns anéis de planetas gigantes, mas nunca em pequenos corpos.
Cooperação internacional
Esse terceiro sistema de anéis em torno de um pequeno objeto, o TNO (50000) Quaoar, estreou na revista Nature em 8 de fevereiro. O autor principal é o brasileiro Dr. Bruno Eduardo Morgado, professor do Observatório do Valongo, UFRJ.
Este estudo foi parte da colaboração Lucky Star, liderada pelo Dr. Bruno Sicardy do Observatório de Paris, e só foi possível graças à colaboração entre dezenas de astrônomos profissionais e amadores.
O estudo foi possível graças à colaboração de pesquisadores de diversos institutos em todo o mundo, incluindo:
Observatório de Paris (Meudon, França); Universidade Tecnológica Federal do Paraná (Curitiba, Brasil); Instituto de Astrofísica de Andalucía (Granada, Espanha); Observatório Nacional (Rio de Janeiro, Brasil); Laboratório Interinstitucional de e-Astronomia (Rio de Janeiro, Brasil); Universidade de Oulu (Oulu, Finlândia).
Além disso, o trabalho contou com o uso de grandes telescópios profissionais, como o Gran Telescópio das Canárias, telescópios robóticos, pequenos telescópios da comunidade amadora e até mesmo o telescópio espacial CHEOPS da Agência Espacial Europeia (ESA).
Via Flickr
Descoberta deve nos ajudar a compreender essas estruturas
São necessários mais estudos para entender melhor o anel impossível de Quaoar e como ele existe além do limite de Roche.
No entanto, a descoberta mostra que anéis em pequenos corpos são mais comuns do que se pensava e assumem várias formas, desafiando os cientistas a entendê-los.
Estudar essas estruturas pode ajudar a responder questões fundamentais sobre como as luas se formam em torno de planetas do Sistema Solar e de outros sistemas estelares.
Fonte: Olhar Digital
Imagens: Olhar Digital, Agência Brasil, Globo, Veja