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Anatomia do Fascismo, de Robert O. Paxton (1 notícias)

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Os estudos sobre o fascismo europeu já renderam um considerável número de obras, mas, ainda assim, não cessam de atrair novas e instigantes investigações e publicações. O conceituado historiador americano Robert O. Paxton, professor emérito de História Contemporânea da Columbia University, em Nova York, após anos de estudos e reflexões, nos expõe com elegância e concisão as diversas facetas dos fascismos históricos e seus atuais desdobramentos. A obra de Paxton apresenta uma análise comparada do fascismo, com o foco principalmente voltado para a Alemanha e para a Itália, bem como uma reação crítica a atitude da historiografia especializada dos últimos anos, que coloca a ideologia no centro do debate. Na verdade, A anatomia do fascismo é um excelente estudo comparativo dos processos de tomada do poder e da natureza dos regimes fascistas.

Paxton examina a trajetória histórica do fascismo como “uma série de processos que se desenrolam ao longo do tempo, e não como expressões de uma essência fixa” (p. 36). Eis a tese que o autor desenvolve no decorrer do livro. Trata-se da tentativa de se trazer à tona a conduta e ações dos indivíduos que tiveram um papel de destaque nos movimentos fascistas, além das construções ideológicas e particularidades nacionais ou políticas desse movimento.

O livro está dividido em oito capítulos, além de apresentar um amplo ensaio bibliográfico. Paxton parte de uma estratégia e não de uma definição. Por isso, a estrutura do livro segue o ciclo de cinco etapas que correspondem aos seis primeiros capítulos. São elas: 1) a criação dos movimentos; 2) o seu enraizamento no sistema político; 3) a tomada do poder; 4) o exercício do poder; 5) o longo período de tempo durante o qual o regime faz a opção ou pela radicalização ou pela entropia. Segundo o autor, a escolha de diferentes instrumentos conceituais para cada etapa permite ilustrar mais facilmente como o fascismo, “longe de ser estático, era uma sucessão de processos e escolhas” (p. 49). Aliás, ele apresenta a sua definição de fascismo apenas no final do livro.

A primeira etapa, que é composta pelo segundo capítulo, nos mostra que o fascismo é, sobretudo, um movimento político; trata-se, no entanto, de um fenômeno tardio. Ele seria inconcebível se não houvesse uma precondição básica: a política de massas. Nesse capítulo, Paxton se preocupa em mostrar que, para estudar o fascismo, deve-se evitar fazê-lo começando pelas suas origens, pois ele considera que por essa via o pesquisador estará trilhando um falso caminho. Segundo o autor, “a compreensão dos primeiros movimentos nos fornece apenas uma visão parcial e incompleta do fenômeno como um todo” (p. 97). Cabe dizer que o fascismo, para ele, foi um movimento inesperado, pois não houve uma projeção de qualquer das tendências políticas do século XIX para o seu acontecimento.

Na segunda etapa, que corresponde ao terceiro capítulo, ele mostra que os movimentos fascistas foram bem-sucedidos na Itália e na Alemanha, ao contrário do que ocorreu na França, onde o movimento fracassou. Nesta, os fascistas nem chegaram perto do poder. Segundo Paxton, “o sucesso fascista dependia tanto de seus aliados e cúmplices quanto das táticas e qualidades do movimento em si” (p. 148). Para o autor, a derradeira pré-condição essencial para o sucesso do fascismo estava condicionado aos detentores do poder na medida em que eles estivessem dispostos a dividi-lo com os fascistas que os desafiavam. Essa é a discussão que ele reserva para a etapa seguinte.

Por sua vez, na terceira etapa, que equivale ao quarto capítulo, Paxton descreve os casos da Itália e da Alemanha mostrando, inicialmente, o que não aconteceu: maioria eleitoral e golpe de Estado. Esforçando-se para fazer uma descrição não determinista, ele assinala o que os fascistas ofereciam aos conservadores: apoio das massas, semblantes jovens, um forte compromisso e uma disciplina rígida, uma fórmula mágica para afastar os trabalhadores do marxismo e superar a desordem. O autor também mostra o que levou os conservadores a escolherem a opção fascista, rejeitando outras alternativas.

Para Paxton, “os fascistas ofereciam uma nova receita de governo, contando com o apoio popular, sem implicar numa divisão do poder com a esquerda, e sem representar qualquer ameaça aos privilégios sociais e econômicos e ao domínio político dos conservadores. Os conservadores, de sua parte, tinham em mãos as chaves da porta do poder” (p. 176). Cumpre ressaltar, ele reconhece que os regimes conservadores, de todos os tipos, não têm constituído um terreno favorável à ascensão ao poder do fascismo. Contudo, nos casos italiano e alemão, as crises do sistema econômico e político abriram espaço para o fascismo, de modo que eles acabaram sendo cooptados pelo poder. Paxton parece atribuir ao poder de escolha das elites a subida dos fascistas ao poder, sem deixar de entendê-la como um processo: “alianças são formadas, escolhas são feitas, alternativas são fechadas” (p. 195).

Em seguida, Paxton dedica o capítulo cinco à quarta etapa. Nesta, ele dirige o foco de sua atenção para o funcionamento do novo poder na Itália e na Alemanha. O autor segue a via analítica da poliocracia e do Estado dual, que são de ampla utilização nos estudos sobre o nazismo, aplicando-a, inclusive, para o caso da Itália de Mussolini. Ele acredita que o fascismo italiano pode ser interpretado com esses mesmos instrumentos de análise, apesar de Mussolini ter concedido mais poder ao estado normativo do que Hitler. Seu foco de análise dos regimes fascistas concentrasse nas tensões internas entre quatro elementos: o líder fascista, seu partido, a máquina estatal e a sociedade civil. Tendo isso em vista, ele compara as duas ditaduras tomando como base o braço-de-ferro e a liderança carismática entre fascistas e conservadores, líderes e partido, partido e Estado. É válido dizer que, segundo o autor, o carisma ajuda a compreender diversas características da liderança fascista. Tanto Mussolini quanto Hitler possuíam carisma.

A quinta e última etapa é composta pelo sexto capítulo, que ilustra o estágio de radicalização do fascismo no poder. Para Paxton, nesse estágio o fascismo se mostra em sua forma mais característica. Não obstante os dois diferentes estilos de governança de Mussoline e Hitler, o motor da radicalização era a relação entre o líder e sua legião de seguidores. Os regimes fascistas, afirma o autor, “abrangem os impulsos radicalizadores vindos da base” (p. 253). Contudo, Paxton conclui que o cerne da radicalização está nas guerras expansionistas. No caso da Alemanha, essa questão não oferece dúvida; claro está, o “regime nazista atingiu limites extremos de radicalização na sua guerra de extermínio contra a União Soviética” (p. 279). Quanto ao caso italiano, apenas recentemente a historiografia especializada percebeu essa questão e reuniu como símbolos da radicalização interna italiana a guerra da Etiópia, o “salto totalitário” e a legislação discriminatória contra os judeus, que, ressalte-se, está longe de ser comparada em grau com o seu congênere alemão. Paxton assinala que é justamente nesse ponto que se descarta qualquer possibilidade de comparações entre os dois países, pois o único regime que atingiu verdadeiramente a radicalização foi o da Alemanha nazista.

Terminada a exposição das etapas, no sétimo capítulo Paxton faz um balanço do fascismo. Ele coloca em foco países da Europa Ocidental, do Leste Europeu pós-Soviético, bem como nações situadas fora da Europa. O autor se pergunta se, nos dias de hoje, o fascismo ainda é possível e, munido da bagagem teórica e crítica acumulada durante as cinco etapas desenvolvidas ao longo do livro, a resposta dele é sim. Ele assinala que a maior probabilidade de que o fascismo venha à tona se deve aos “movimentos de extrema-direita que aprenderam a moderar sua linguagem, a abandonar o simbolismo do fascismo clássico e a parecerem ‘normais’” (p. 334-35).

Nas atuais circunstâncias políticas, afirma Paxton, não há abertura para partidos abertamente filiados ao fascismo clássico. No capítulo final, chegado o momento de definir o fascismo, após expor de maneira clara e objetiva os seus elementos básicos, Paxton nos mostra um poder de síntese dificilmente superável. Para ele, o fascismo pode ser definido como “uma forma de comportamento político marcada por uma preocupação obsessiva com a decadência e a humilhação da comunidade, vista como vítima, e por cultos compensatórios da unidade, da energia e da pureza, nas quais um partido de base popular formado por militantes nacionalistas engajados, operando em cooperação desconfortável, mas eficaz com as elites tradicionais, repudia as liberdades democráticas e passa a perseguir objetivos de limpeza étnica e expansão externa por meio de uma violência redentora e sem estar submetido a restrições éticas ou legais de qualquer natureza” (p. 358-59).

A anatomia do fascismo conquista, assim, um lugar privilegiado na literatura sobre o fascismo europeu, ao tratar com cuidado e clareza um tema que alcançou um dos campos mais férteis da historiografia nacional e estrangeira. Com isso, ela consegue mostrar aos leitores as tensões de funcionamento dos regimes fascistas.

Por Rosane Siqueira Teixeira, Mestre em Ciências Sociais e doutoranda em Sociologia, ambos pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Pesquisa os imigrantes italianos em Araraquara-SP. É bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).