Todos os anos, no verão, os agentes comunitários de saúde intensificam sua rotina de visitas domiciliares em busca de focos do mosquito Aedes aegypti , transmissor da dengue e de outras doenças infecciosas.
Com o objetivo de tornar esse trabalho ainda mais preciso e eficaz, pesquisadores da Universidade de São Paulo ( USP ), da University of Sheffield (Reino Unido) e da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) desenvolveram um modelo computacional capaz de prever se uma área urbana apresenta alto risco para a doença com base em fotos das fachadas dos edifícios.
Os resultados do projeto, financiado pela Fapesp , foram divulgados em versão preprint (artigo sem revisão por pares) no repositório medRxiv
De acordo com o Ministério da Saúde, o Brasil já registra este ano quase 400 mil casos prováveis de dengue e 54 mortes confirmadas – há ainda quase 300 óbitos em investigação. Entre os sintomas comuns da doença estão febre, dores (de cabeça, atrás dos olhos, musculares e nas articulações) e erupções cutâneas. Em casos graves, podem ocorrer falta de ar, sangramento intenso, complicações graves em diversos órgãos e até morte.
A dificuldade para controlar surtos como o atual, que fez com que os Estados do Acre, Minas Gerais e Goiás, além do Distrito Federal e do município do Rio de Janeiro, decretassem situação de emergência em saúde pública, pode ser explicada por diversos fatores, entre eles, a falta de vacinas amplamente disponíveis para toda a população e a ineficácia do monitoramento do mosquito transmissor, já demonstrada em diversas pesquisas científicas.
A proposta do grupo, que também é apoiado pelo Instituto Serrapilheira, é lançar mão de uma nova abordagem para o uso do Índice de Condições de Moradia (ICM), técnica que leva em conta as condições da construção e do quintal e o grau de sombreamento, com a agregação de informações sobre as condições das fachadas dos imóveis e, desse modo, permitir a identificação rápida de áreas de maior risco para a presença do vetor de forma ágil.
A ideia é utilizar imagens de fachadas no nível da rua, como as exibidas, por exemplo, no recurso Google Street View , do Google Maps , ou no OpenStreetMap , da Wikipédia, em conjunto com técnicas de inteligência artificial, para classificar os imóveis do ponto de vista das condições da fachada, sem necessidade de visitá-los. A essa metodologia computacional os cientistas deram o nome de PCINet.
Para testar a eficácia do modelo, o grupo visitou os edifícios de 200 quarteirões da cidade de Campinas, mediu os três componentes tradicionais do ICM (condições da construção e do quintal, além do grau de sombreamento), classificou as condições das fachadas e as fotografou. Os dados coletados alimentaram o PCINet, que se mostrou capaz de prever as condições das fachadas dos edifícios com base apenas no uso de fotografias. Observou-se também que as condições da fachada se correlacionaram com as do edifício e do quintal, e razoavelmente bem com as de sombreamento.
“O uso de imagens do nível da rua, como as fornecidas pelo Google Street View ou OpenStreetMap , e do PCINet poderiam ajudar a otimizar o monitoramento do A. aegypti , reduzindo o número de visitas presenciais necessárias para identificar edifícios, quarteirões e bairros com maior risco de arboviroses como a dengue, direcionando as atividades de controle para essas áreas”, diz , coordenador do estudo e professor do Laboratório de Análise Espacial em Saúde (Laes) da Faculdade de Saúde Pública (FSP-USP).
Ações direcionadas
Os próximos passos, em um futuro projeto, incluem a validação da técnica em cidades de tamanhos e características distintas – estão nos planos Campinas, Indaiatuba, Santa Bárbara do Oeste, Ribeirão Preto e São José do Rio Preto. Uma vez validada, a metodologia poderá ser aplicada em qualquer município brasileiro (ou mesmo mundial). Com isso, os pesquisadores acreditam que poderão indicar aos municípios as regiões com maior probabilidade de se encontrar o vetor e, portanto, maior risco de arboviroses.
De acordo com Chiaravalloti, a ideia é que órgãos do governo tenham condições de promover um trabalho de combate à dengue, zika e chikungunya mais direcionado e exclusivo nas áreas de risco.
O estudo também contou com a participação de pesquisadores do Grupo de Vigilância Epidemiológica de Campinas, do Instituto de Energia e Ambiente da USP (IEE-USP), do Instituto Pasteur de São Paulo e da University of Stirling (Reino Unido).