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Amostras de bancos de sangue podem mostrar evolução de epidemias, revela estudo internacional baseado no Brasil; entenda (33 notícias)

Publicado em 25 de outubro de 2022

As amostras disponíveis em bancos de sangue podem ser utilizadas para monitorar a evolução de epidemias.

É o que mostra um estudo conduzido por uma equipe internacional de pesquisadores, liderados por cientistas do Centro Conjunto Brasil-Reino Unido de Descoberta, Diagnóstico, Genômica e Epidemiologia de Arbovírus (CADDE). Com base em análises realizadas em oito cidades brasileiras, foi possível montar um “retrato” da pandemia da Covid-19 no país, e os responsáveis pelo trabalho acreditam que a metodologia pode ser implementada para rastrear outras doenças infecciosas e estimar a imunidade coletiva da população contra elas.

O estudo envolveu pesquisadores de grandes instituições brasileiras, como Universidade de São Paulo (USP) e Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e também estrangeiras, como Universidade de Oxford e Imperial College de Londres, no Reino Unido, e Universidade de Harvard, nos Estados Unidos. Publicado na revista científica eLife, o trabalho concluiu ser possível calcular a proporção de pessoas que haviam sido previamente infectadas pelo Sars-CoV-2, vírus causador da Covid-19, no Brasil a partir das amostras de doadores que ficam disponíveis nos bancos de sangue.

Os cientistas explicam que, atualmente, esse cálculo de soroprevalência – a presença de anticorpos na população – é feito baseado em coletas de amostras aleatórias, uma estratégia mais cara e difícil de ser conduzida de maneira mais frequente. Isso é considerado um aspecto negativo uma vez que o monitoramento é importante para entender as características da epidemia e servir como base para a estruturação de políticas públicas, defendem os pesquisadores.

Em busca de formas mais baratas, práticas e efetivas de realizar o acompanhamento, eles decidiram avaliar se as amostras dos bancos de sangue, que são coletadas de forma rotineira, sem necessidade de um esforço extra, poderiam ser analisadas com essa finalidade. Para isso, foram testadas 97.950 coletas, entre março de 2020 e março de 2021, nas oito capitais mais populosas do Brasil: Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Manaus, Recife, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.

Nos testes, foram medidas as taxas dos anticorpos do tipo imunoglobina G (IgG), que indicavam uma infecção prévia da Covid-19. Na maior parte do período englobado pelo estudo não havia vacinas disponíveis no país. Os resultados mostraram que o método é de fato efetivo e que a incidência do coronavírus ocorreu de forma heterogênea no Brasil, ou seja, teve prevalências maiores e menores em momentos distintos pelos estados.

— No início, algumas linhas de investigação achavam que todos se infectavam ao mesmo tempo, mas mostramos que isso não é verdade. Em termos de retrato da epidemia concluímos que houve uma heterogeneidade extrema no Brasil, com diferenças de infecção por grupos e uma variação extensiva da taxa de letalidade. Esse era um resultado que não esperávamos — disse o pesquisador principal do estudo, Carlos Augusto Prete Junior, pesquisador da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (Poli-USP), à agência da Fundação de Amparo à Pesquisa de São Paulo (Fapesp).

Os resultados mostraram, por exemplo, que a proporção de pessoas que haviam anticorpos da doença em dezembro de 2020, no final do primeiro ano da pandemia e pouco antes da variante Gama, descoberta em Manaus, se tornar prevalente, variou de 19,3%, em Curitiba, para 75%, na capital do Amazonas.

No entanto, os pesquisadores explicam que na época não se imaginava a capacidade de o novo coronavírus provocar quadros de reinfecção, cenário que se mostrou uma realidade especialmente com a crise em Manaus provocada pela nova cepa pouco depois da alta proporção de anticorpos ter sido encontrada na população.

Por isso, os cientistas calcularam a prevalência de forma separada em relação à primeira onda na capital amazonense, em 2020, e a segunda, no início de 2021. A proporção foi menor na segunda, com 37,5%, porém a taxa de letalidade por infecção da gama foi ao menos 2,91 vezes maior do que na primeira onda, resultado da maior severidade da variante e da colapso do sistema de saúde do município — que passou por momentos sem ao menos ter oxigênio para os pacientes que necessitavam de intubação.

Essas mudanças nos níveis de anticorpos que foram percebidas durante o monitoramento levou os cientistas a incluírem uma técnica na análise para corrigir o problema. Eles passaram a utilizar dados de doadores de repetição, ou seja, pessoas que doavam sangue diversas vezes ao ano, para gerar uma estimativa de queda dos indicadores e incluí-la nos cálculos.

— Isso foi importante porque alguns trabalhos no início da pandemia propuseram corrigir somente pelos doadores de plasma. Mostramos, porém, que os doadores de repetição são mais representativos da população de cada município — explicou Prete Junior à agência Fapesp.

Durante o estudo, foi testada mensalmente uma quantidade de mil amostras em cada um dos oito bancos de sangue parte do trabalho. Para representarem a população de forma fidedigna, os cientistas selecionaram o material com base em fatores demográficos de cada cidade.

Uma outra conclusão da pesquisa foi que os municípios com maior soroprevalência da Covid-19, portanto que tiveram mais infecções, foram de fato os com maior mortalidade pela doença. De março de 2020 a março de 2021, essa taxa variou de 1,7 óbitos a cada mil habitantes na capital mineira para 5,3 em Manaus. A capital do Amazonas liderou o índice com o dobro de letalidade observada na segunda cidade com maior proporção de mortes entre as amostras, Fortaleza, no Ceará.