Material biológico coletado na Gâmbia foi destruído no aeroporto de Guarulhos
Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) tiveram amostras de moluscos e conchas apreendidas e incineradas no Aeroporto Internacional de Guarulhos (SP), no último dia 19 de maio.
O material, proveniente de uma expedição científica na Gâmbia, serviria de base para diversos projetos acadêmicos e colaborações internacionais, mas foi destruído por decisão do Ministério da Agricultura e Pecuária (Mapa), gerando forte reação na comunidade científica.
A equipe, liderada pelo professor Luiz Ricardo Lopes de Simone, do Museu de Zoologia da USP, retornava de mais de duas semanas de trabalho de campo na costa africana. As amostras, com cerca de 30 quilos, estavam destinadas a três projetos de pesquisa, quatro teses de doutorado e cinco artigos científicos.
A viagem foi financiada com recursos da FAPESP, CNPq e do próprio museu, com custo estimado em R$ 120 mil.
Divergências sobre normas e destruição precoce
Ao desembarcarem no Brasil, os pesquisadores foram barrados na triagem da Receita Federal.
O material passou por inspeção do Ibama, que autorizou a entrada mediante a apresentação de um relatório detalhado das espécies coletadas.
No entanto, fiscais do Mapa decidiram reter as amostras por ausência de licenças prévias e certificação sanitária, contrariando, segundo os cientistas, a Instrução Normativa Interministerial nº 32/2013, que isenta esse tipo de material científico de determinadas exigências.
Apesar de uma negociação inicial para regularizar a documentação, as amostras foram incineradas no dia seguinte. Fora das embalagens protetoras e sem conservação adequada, os moluscos começaram a se decompor, acelerando a decisão de destruição. O Ibama informou que não participou da incineração.
Para o professor Luiz Ricardo, a ação foi precipitada e arbitrária: “É como perder um membro da família”, declarou, visivelmente abalado.
Segundo ele, o único documento que faltava era um aviso prévio ao Serviço de Vigilância Agropecuária Internacional, que deveria ter sido feito com 48 horas de antecedência.
Reações e pedidos de revisão das normas
A destruição do material gerou críticas em instituições científicas. O Museu de Ciências Naturais da PUC Minas divulgou nota lamentando o episódio e cobrando mais diálogo entre os órgãos de fiscalização.
Já a Sociedade Brasileira de Malacologia, por meio da presidente Lenita Tallarico, pediu responsabilização dos envolvidos e a revisão dos protocolos: “A ciência brasileira não pode ser tratada como um crime”, afirmou.
Especialistas apontam que a legislação sobre importação de material biológico é complexa e fragmentada, o que favorece erros tanto por parte dos importadores quanto das autoridades.
Segundo a advogada Gabrielle Schadrack, embora haja isenções previstas, elas dependem do cumprimento de condições específicas e de uma interpretação clara pelas autoridades alfandegárias.
O caso reacende o debate sobre a necessidade de atualizar e unificar as regras para garantir segurança jurídica e apoio à ciência nacional.