Notícia

Revista LIDE online

Ambição necessária (1 notícias)

Publicado em 30 de agosto de 2023

Ao assumir a presidência temporária do Mercosul, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse, no início de julho, que tem uma agenda externa ambiciosa para o bloco, na ampliação de mercados para exportação dos produtos locais. Ele reafirmou que o acordo de livre comércio do Mercosul com a União Europeia (UE) é inaceitável e que está comprometido com a conclusão de um tratado equilibrado e que assegure o espaço necessário para adoção de políticas públicas “em prol da integração produtiva e da reindustrialização”.

“Não temos interesse em acordos que nos condenem ao eterno papel de exportadores de matéria-primas, minérios e petróleo. Precisamos de políticas que contemplem uma integração regional profunda, baseada no trabalho qualificado e na produção de ciência, tecnologia e inovação. Isso requer mais integração, a articulação de processos produtivos e na interconexão energética, viária e de comunicações”, afirmou o presidente.

Lula também vem defendendo alterações em pontos do acordo de livre comércio sobre compras governamentais, que, segundo ele, podem prejudicar pequenas e médias empresas do país. Aprovado em 2019, após 20 anos de negociações, o acordo Mercosul-UE precisa ser ratificado pelos parlamentos de todos os países dos dois blocos para entrar em vigor. A negociação envolve 31 países e poderá enfrentar resistências.

Nova dimensão

O presidente acrescentou que quer revisar e avançar nos acordos em negociação com Canadá, Coreia do Sul e Singapura e “explorar novas frentes de negociação” com parceiros como a China, a Indonésia, o Vietnã e com países da América Central e Caribe. “A proliferação de barreiras unilaterais ao comércio perpetua desigualdades e prejudica os países em desenvolvimento”, disse Lula. Para ele, combater o ressurgimento do protecionismo no mundo implica, ainda, resgatar o protagonismo do Mercosul na Organização Mundial do Comércio (OMC).

Para o ministro das Relações Exteriores, Mauro Vieira, o Brasil teme o avanço de medidas protecionistas no comércio internacional e defendeu um papel mais efetivo de entidades como a própria OMC. “O Brasil também está bastante preocupado com o aumento do protecionismo em todo o mundo e com a utilização de preocupações com a sustentabilidade como cobertura para medidas protecionistas", analisa Vieira

Avanços

Os ministros de Relações Exteriores dos cinco países dos Brics discutiram em junho, na cidade do Cabo, na África do Sul, a entrada de novos membros do grupo que hoje reúne Brasil, Rússia, Índia e África do Sul. Segundo os ministros dos Brics, existem mais de uma dúzia de países com interesse em aderir ao bloco. O chanceler brasileiro destacou que, devido à história de sucesso do bloco, muitos países estão interessados em aderir ao grupo.

Entre os ativos do bloco está o Banco de Desenvolvimento dos Brics (NDB) que já aprovou mais de 32 bilhões de dólares em financiamentos. "A nova força está em quanto mais países do sul global nós atrairmos. O banco dos Brics não é uma plataforma de financiamento, é de cooperação e de construção do multilateralismo. O mundo está em transição, uma nova ordem não nasceu inteiramente e a antiga não morreu inteiramente, mas o mundo caminha para a multipolaridade e o multilateralismo", aponta Dilma Roussef, presidenta do NDB.

Ainda segundo a ex-presidenta Dilma Rousseff, outro projeto do banco é expandir o uso de moedas locais nos financiamentos da instituição dos atuais 22% para 30% do total.

Território vasto

A Zona de Livre Comércio Continental Africana, que entrou em vigor em 2021, é a maior do mundo, com 1,3 bilhão de pessoas e Produto Interno Bruto de US$ 3,4 trilhões. Já o comércio bilateral do Brasil com a África, em 2022, foi um terço menor que o valor de 2013, quando o fluxo chegou a quase US$ 30 bilhões.

“A África é uma das regiões que mais cresce no mundo. Sua relevância no comércio global é expressiva”, indicou o presidente Lula, reafirmando o apoio do Brasil para entrada da União Africana no G20.

Alcides Peron, coordenador do curso de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).

Liderar o Banco dos BRICS neste momento representa uma grande oportunidade para o Brasil?

A importância dessa cadeira é fundamental porque ele subsidia algumas empreitadas dos governos que pertencem aos BRICS e também de países do entorno, e de uma certa forma de se torna um banco referência para insumos relativos a desenvolvimento e crescimento econômico.

Portanto, para o Brasil é extremamente estratégico, pode permitir com que sejam retomados projetos e iniciativas que foram desenvolvidas no início do governo Lula e que nunca foram adiante, retomar a construção e aprimoramento de infraestruturas como rodovias, ferrovias, portos, infraestrutura crítica de telecomunicação, governança da internet na América do Sul. Projetos que podem, de uma certa forma, centrar a América Latina de uma maneira estratégica na disputa sino-americana. Então, não apenas como um mercado, mas como um ente demandante de aparatos para o desenvolvimento e crescimento econômico. Então, a gente tem muita oportunidade de negociação nesse campo.

Qual o papel do Brasil na economia global?

Acredito que o Brasil vai ter um papel de destaque. O Brasil é presidente do Mercosul e, portanto, nós já representamos externamente um conjunto coeso de países, nós já temos a liderança nisso. O Brasil, acima de tudo, tem reservas que interessam muito a China e é um país importante na América do Sul, no que diz respeito a elementos geoestratégicos, militares e evidentemente é um grande produtor do gênero alimentício, de bens de origem primária que são muito consumidos nesses países.

Essa capacidade de liderança e de aglutinação de interesses faz com que o Brasil tenha um papel de destaque, não apenas como um mercado consumidor dessa disputa entre China e Estados Unidos, mas também possa ter um papel de destaque em efetivar negociações de grande relevância para a América do Sul como um todo.

Se o Brasil souber costurar os interesses, podemos auferir ganhos estratégicos, do ponto de vista econômico e político. O lado ruim é que quando o Brasil se torna alvo de interesses, nós podemos também, de uma certa forma, ficar muito vulneráveis a interferências externas nos campos político e econômico.

Qual o tom ideal para a política externa brasileira ajudar a promover negócios e acordos?

O atual governo mudou substancialmente o tom da política externa e do alinhamento estratégico que os governos anteriores vinham fazendo. Principalmente porque ele não busca um alinhamento automático com os Estados Unidos como o governo Bolsonaro fez. Havia um alinhamento ideológico entre Bolsonaro e Trump, mas que nunca se manifestou num alinhamento de fato de políticas e, como consequência disso, o governo Bolsonaro se afastou muito da China.

Me parece que o governo Lula vai seguindo uma linha pragmática, muito próxima das tradições da diplomacia brasileira. Ou seja, ele negocia com os interesses, se aproxima de onde vai ter mais ganhos relativos. Então, a diplomacia brasileira me parece a voltar nos eixos. Esse conjunto de parcerias pragmáticas são importantes.

Veja: ao mesmo tempo, o governo esteve em foros multilaterais, se aproximou e negociou pautas importantes com os Estados Unidos, vai tentando destravar um acordo com a União Europeia de uma maneira muito avançada e, para tanto, teve que diversas vezes se manifestar e deixar muito claro a sua posição contrária à guerra na Ucrânia.

*Alcides Peron é graduado em Relações Internacionais e em Ciências Econômicas. É mestre e doutor em Política Científica e Tecnológica. Foi pesquisador visitante do Departamento de Estudos Sociais da Ciência e da Tecnologia da Lancaster University (Inglaterra), e pesquisador visitante do War Studies Department do King's College London, Reino Unido. Realizou Pós-doutorado (FAPESP), no Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP) (2018-2022). Dedica-se a estudos sobre Vigilância e Novas Tecnologias; Governamentalidade e Segurança Pública; Guerra Moderna e Cibernética; Ciência, Tecnologia e Segurança; Política Tecnológica Militar Norte Americana e Brasileira. É professor do curso de Relações Internacionais da Fundação Escola de Comércio Álvares Penteado (FECAP).