Um estudo realizado por pesquisadores do Instituto Adolfo Lutz, em São Paulo, revelou que um medicamento genérico utilizado como vasodilatador para pacientes com isquemia cerebral apresenta potente atividade contra o parasita causador da leishmaniose.
A pesquisa, cujos resultados foram publicados na revista Parasitology Research , mostrou que a nimodipina, uma substância inibidora dos canais de cálcio, em ensaios in vitro, teve ação quatro vezes mais efetiva contra a leishmaniose visceral – a forma fatal da doença – que o glucantime, o fármaco-padrão hoje utilizado para o tratamento.
Coordenado por André Tempone, do Laboratório de Toxinologia Aplicada, do Departamento de Parasitologia do Instituto Adolfo Lutz, o estudo teve apoio da FAPESP na modalidade Auxílio a Pesquisa. Os outros autores do artigo são Noemi Nosomi Taniwaki e Juliana Quero Reimão.
De acordo com Tempone, a leishmaniose é considerada uma das doenças negligenciadas que, por serem típicas de regiões de baixa renda, não despertam o interesse da indústria farmacêutica para o desenvolvimento de novos medicamentos.
Dados do Ministério da Saúde mostram avanço da leishmaniose visceral no Brasil: houve um aumento de 61% entre 2001 e 2006, quando foram registrados 4.526 casos. Em julho de 2007 já haviam sido registrados mais de 3 mil casos da doença, fatal em mais de 90% dos casos sem tratamento.
"Como instituição do governo, acreditamos que temos a missão de buscar novos fármacos para doenças negligenciadas, por isso focamos nossas pesquisas nelas, tanto na vertente da inovação, com o desenvolvimento de protótipos farmacêuticos com base em produtos naturais, como também na adaptação de fármacos já existentes no mercado", disse Tempone à Agência Fapesp.
Os estudos, no entanto, estão apenas começando, segundo o cientista. Na próxima etapa serão estudadas formulações nanotecnológicas que permitirão a liberação controlada do fármaco, dirigindo-o diretamente aos macrófagos – as células onde se abriga o parasita. "Com isso poderemos diminuir muito a quantidade de medicamento administrada, amenizando assim a toxicidade e otimizando a terapia", declarou.
Segundo Tempone, os estudos de adaptação de fármacos já existentes – conhecidos como piggy-back chemotherapy – embora não tragam inovação, são importantes do ponto de vista da saúde pública devido à possibilidade de colocar fármacos no mercado com mais rapidez.
O custo e o tempo de desenvolvimento, no entanto, seriam muito mais reduzidos para um fármaco feito com base na nimodipina, segundo ele. As triagens, de acordo com o cientista, são feitas com medicamentos genéricos para evitar futuros entraves com patentes. "Os testes in vitro foram muito promissores. Agora passaremos para testes in vivo e, funcionando no animal, a próxima etapa é o estudo clínico em humanos", disse.
Tempone explicou que o único fármaco desenvolvido e testado especialmente para a leishmaniose é o antimônio, descoberto em 1912 pelo brasileiro Gaspar Vianna – um aluno do sanitarista Oswaldo Cruz. Esse metal, altamente tóxico, é a base do glucantime, o fármaco-padrão usado clinicamente para o tratamento da doença até hoje.
"Há outros medicamentos também utilizados contra a doença, mas nenhum deles foi desenvolvido originalmente para a leishmaniose e todos esbarram na extrema toxicidade. Muitos pacientes chegam até a morrer em decorrência da medicação. Por isso a necessidade do desenvolvimento de novos fármacos é tão urgente", afirmou.
Entre os medicamentos utilizados como alternativa ao antimônio, Tempone cita a pentamidina, que era utilizada como hipoglecimiante, a anfotericina-B, originalmente sintetizada e utilizada para tratamento de doenças fúngicas, e a miltefosina, um antitumoral que está em fase clínica 4 de testes na Índia, onde já é a droga-padrão para o tratamento da leishmaniose.
Nanotecnologia farmacológica
Na próxima etapa, com apoio da FAPESP e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o grupo coordenado por Tempone fará estudos em modelos animais e trabalhará com as nanoformulações para liberação controlada do fármaco, usando lipossomas – um vetor de transporte não-viral de genes em formato de pequenas vesículas esféricas.
"Usaremos nanolipossomas e, com isso, poderemos dirigir o fármaco com maior precisão à célula infectada, minimizando a toxicidade no organismo e aumentando a eficácia do tratamento", disse.
Nessas nanoformulações, segundo Tempone, o fármaco é encapsulado e enviado pela corrente sanguínea. "Além dessas formulações, estamos estudando também combinações terapêuticas. Poderemos, por exemplo, combinar a nimodipina com o antimônio. Dessa maneira, se não for possível eliminar o antimônio, poderemos tavez reduzir expressivamente sua dose", declarou.
A leishmaniose é transmitida pela picada de flebotomíneos, hospedeiros do parasita leishmânia. O inseto se contamina ao sugar o sangue de mamíferos infectados e, ao picar um animal ou pessoa sadia, o flebótomo injeta secreção salivar com as leishmânias.
A forma tegumentar da doença atinge as mucosas do corpo e causa lesões na pele, enquanto a leishmaniose visceral ataca o fígado humano e pode levar o indivíduo à morte. Presente em todo o país, especialmente no litoral e na região Norte, a leishmaniose visceral avança a passos largos em território paulista, desde que o primeiro caso foi registrado, em 1985.
Agência Fapesp