São Paulo - Para atender à crescente demanda por alimento e energia, a humanidade vem alterando o ciclo de dois importantes nutrientes para a vida no planeta: o nitrogênio e o carbono. Entre os efeitos indesejáveis da mudança estão a chuva ácida, o aumento na concentração de gases-estufa na atmosfera e a consequente elevação da temperatura global.
O tema foi destaque no último encontro do Ciclo de Conferências 2014 do programa BIOTA-FAPESP Educação, realizado no dia 25 de junho, em São Paulo.
Conforme explicou em sua palestra a professora da Universidade de Brasília (UnB) Gabriela Bielefeld Nardoto, os nutrientes terrestres estão estocados em quatro grandes compartimentos do planeta: atmosfera, litosfera (a camada exterior da crosta terrestre), biosfera e hidrosfera. No caso do nitrogênio, molécula que entra na composição de proteínas e ácidos nucleicos ambos essenciais aos seres vivos , a maior parte está estocada na atmosfera há milhões de anos, na forma da molécula inerte N2.
Cerca de 78% do ar que respiramos é composto de N2. Para o nitrogênio entrar no ecossistema e na cadeia alimentar ele precisa ser transformado em amônio (NH4) ou em nitrato (NO3) e quem faz essa conversão é um grupo muito pequeno de bactérias nitrificantes. Nessas novas formas, o nitrogênio pode então ser usado pelas plantas, que são as produtoras primárias de alimento, pelos demais microrganismos do sistema terrestre ou podem ir para o sistema aquático, explicou Nardoto.
A devolução do nitrogênio à atmosfera, na forma de N2, é feita graças à ação de outras bactérias desnitrificantes. Mas esse ciclo natural começou a ser alterado pelo homem há 10 mil anos com o advento da agricultura. Isso porque plantas leguminosas, em associação com bactérias nitrificantes, são capazes de fixar no sistema terrestre grandes quantidades de nitrogênio.
Uma cultura de soja, por exemplo, fixa no solo de 70 a 250 quilos de nitrogênio por hectare por ano, contou Nardoto. Para se ter um parâmetro de comparação, um hectare de Floresta Amazônica fixa apenas de 3 a 7 quilos de nitrogênio por ano.
O processo de mudança foi intensificado nos últimos 150 anos com o aumento da produtividade agrícola, o uso de fertilizantes nitrogenados e a queima de combustíveis fósseis para geração de energia.
Uma pequena parte desse nitrogênio fixado pela ação do homem é transformada em proteína ao longo da cadeia alimentar, mas grandes quantidades são perdidas e retornam à atmosfera não como N2, mas como óxido nítrico (NO) reagindo com o vapor dágua e dando origem à chuva ácida ou como óxido nitroso (N2O), um dos gases de efeito estufa.
Pode ainda ser levado na forma de nitrato para o meio aquático causando a eutrofização desse ambiente, ou seja, o crescimento de algas pelo excesso de nutrientes, reduzindo dessa forma o oxigênio disponível para os outros organismos, explicou Nardoto.
Durante sua apresentação, a professora da UnB comentou um artigo publicado na revista Nature em 2009 por Johan Rockström (Universidade de Estocolmo, na Suécia) e colaboradores que propõe a existência de nove limites planetários que a humanidade deveria respeitar para não desestabilizar os sistemas terrestres essenciais e evitar mudanças climáticas bruscas e catástrofes ambientais.
Entre os três dos limites que, segundo os cientistas, já teriam sido transgredidos pela humanidade estão o aquecimento global, a extinção de espécies e as alterações no ciclo do nitrogênio.
Ainda segundo Nardoto, o ciclo do nitrogênio está intimamente relacionado ao ciclo do carbono. Para ocorrer a produção primária de alimentos pelas plantas é necessário haver carbono e nitrogênio. O carbono vai entrar na forma de dióxido de carbono (CO2) durante a fotossíntese, mas esse processo requer uma enzima que tem nitrogênio em sua composição. Por isso os fertilizantes nitrogenados são usados para aumentar a produtividade na agricultura, explicou Nardoto.
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Sequestro de carbono
Os impactos das mudanças promovidas pelo homem nos estoques de carbono foram tema da apresentação da pesquisadora Simone Aparecida Vieira, do Núcleo de Estudos e Pesquisas Ambientais (Nepam) da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), também realizada no encontro do BIOTA-FAPESP Educação.
Temos hoje o dobro de moléculas de dióxido de carbono (CO2) em volta de nossas mãos do que havia na época em que Charles Darwin passou pelo Brasil (século 19), disse Vieira.
Segundo a pesquisadora, isso ocorre porque, desde a Revolução Industrial, as atividades humanas têm jogado na atmosfera grandes quantidades de carbono que estavam estocadas na litosfera, na forma de carvão, petróleo, gás natural e no sistema terrestre, principalmente nas florestas.