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A Rede online

Alô, é Linux?

Publicado em 04 maio 2009

Com interfaces cada vez mais fáceis de usar e aplicativos diversificados, os sistemas operacionais para celulares baseados em soft­ware livre - ainda que não estejam entre os sistemas embarcados mais utilizados - têm tudo para ser a plataforma de comunicação móvel do futuro. A aposta não é apenas de especialistas em tecnologia, mas também da indústria do setor, que nos últimos tempos vem se reunindo em consórcios para aperfeiçoar sistemas open source.

“Uma das grandes vantagens é justamente a independência do hardware. Diferentes fabricantes podem trabalhar de forma cooperativa no desenvolvimento do sistema operacional, eliminando, ainda, o custo referente ao licenciamento, característico dos sistemas proprietários”, explica Osmany Arruda, professor da graduação e coordenador da célula Linux da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap). Arruda é um dos que acreditam que o desenvolvimento de sistemas operacionais — não apenas para telefonia celular, mas também para qualquer outro sistema embarcado — aponta para o modelo Linux Mobile. “Livre, com código aberto, e acima de tudo, colaborativo”, diz ele.

Paulo Hartmann, um dos organizadores do Mobile Fest – evento que promove a reflexão sobre o impacto das tecnologias móveis e sem-fio em diversas esferas sociais, e que terá a quarta edição realizada em setembro, em São Paulo –, também comemora a chegada, ao celular, da cultura de compartilhamento, típica da web. Com a colaboração, diz ele, surge a diversidade, que é um dos grandes benefícios para o consumidor final. “Começam a pipocar aplicações open source, e são mais amigáveis”, comenta. Na opinião de Hartmann, a barreira que nos desktops e laptops de certa forma afastava do Linux aqueles usuários acostumados a utilizar os programas proprietários está sendo vencida com essas novas plataformas. “Para o usuário final, a boa tecnologia é a tecnologia invisível”, diz ele. Ou seja, as tarefas são realizadas com comandos simples e diretos.

Outra boa notícia é que, em tese, a implementação e a padronização do sistema operacional baseado em Linux e seus aplicativos podem significar redução dos preços, pois não há custos com royalties. “Grandes fabricantes têm como repassar isso ao consumidor”, ressalta Arruda.

Começa a competição

O interesse da indústria por plataformas livres para celulares não é pequeno. Até o campeão entre os sistemas operacionais, o Symbian, deverá ter seu código aberto (Veja o texto na página 38). Com um mercado extremamente competitivo, as grandes fabricantes de celulares tendem a concentrar o desenvolvimento em poucas plataformas, visando a redução de custos de manutenção e evolução tecnológica, avalia Eduardo Peixoto, executivo de desenvolvimento de negócios do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar). “A plataforma livre vai ser extremamente competitiva nesse mercado”, acrescenta.

Representante da indústria, Murilo Arakaki, gerente-geral de estratégia da NEC Brasil, multinacional que produz celulares no Japão, reforça essa tese. “Em um futuro com terminais cada vez mais avançados, semelhantes aos computadores (com inúmeras aplicações), um ambiente fragmentado e proprietário poderia gerar impactos negativos”, considera. Por exemplo: pode haver encarecimento do custo de desenvolvimento, problemas na integração das aplicações e dificuldades de utilização dos serviços pelos usuários. Na avaliação Arakaki, um cenário com plataformas baseadas em um padrão consolidado como o Linux representaria “um importante alicerce para fortalecer um ambiente convergente”. Essa integração, acredita o executivo, possibilitará o desenvolvimento de aplicações customizadas e que atendam às necessidades das redes sociais.

Lançamentos

Pelo menos duas grandes movimentações nesse sentido estão agitando o setor. A Open Handset Alliance, capitaneada pelo Google, foi criada em 2007 para o desenvolvimento do Android, conjunto de softwares que congrega sistema operacional, middleware e aplicativos móveis. Fazem parte da organização fabricantes de celulares como HTC, Sony Ericsson, Motorola, Samsung, LG e operadoras de telefonia como a T-Mobile, Telefónica, Telecom Italia e Vodafone, entre outras companhias que compõem a cadeia produtiva.

O primeiro aparelho com o Android - o G1 - já está sendo comercializado nos Estados Unidos, pela operadora T-Mobile. A HTC também anunciou que colocará no mercado alguns modelos com essa plataforma. Em fevereiro, a Huawei, outra integrante do consórcio, noticiou que trará para o Brasil, ainda este ano, um modelo de smartphone (celular inteligente) com o Android, em conjunto com a operadora de celular TIM.

Outro grupo que pretende expandir a utilização da plataforma Linux na indústria de celulares, este formado no ano passado, é a LiMo Foundation (Fundação Linux Móvel). O consórcio apresentou nove modelos de celulares compatíveis com o LiMo durante o Congresso Mundial Móvel, maior feira de celulares do mundo, realizada em fevereiro, em Barcelona (Espanha). A parceria já totaliza 33 aparelhos disponíveis comercialmente. Inte­gram a organização as fabricantes Motorola, NEC, Panasonic, LG e Samsung, entre outras.

Symbian deverá ser aberto

O controle da líder entre os sistemas operacionais para celulares no mundo, a Symbian Limited, passou, no final do ano passado, para a Nokia, que já detinha quase metade das ações da companhia. Com isso, deve se consolidar a Fundação Symbian, consórcio iniciado em junho de 2008, com participação de outras fabricantes de celulares e operadoras. A Nokia já avisou que vai tornar a plataforma livre e de código aberto, em um prazo de dois anos – sinal de que não pretende deixar o caminho livre para o concorrente Android, do Google.

A decisão é “bastante estratégica”, na avaliação de Osmany Arruda, professor dos cursos de graduação e coordenador da célula Linux da Faculdade de Informática e Administração Paulista (Fiap): “A empresa quer conquistar a colaboração de programadores que não simpatizavam com o Symbian por ser proprietário”. Arruda considera que a transição para a plataforma aberta pode trazer aperfeiçoamentos ao Symbian. “Além desse sistema operacional tornar-se ainda melhor tecnicamente, será mais difundido, podendo ser utilizado por diversas plataformas de hardware, o que reforça a imagem corporativa da Nokia e a coloca em um patamar próximo ao da Open Handset Alliance (responsável pelo Android)”, analisa o professor.

De acordo com uma pesquisa mundial do Grupo Gartner, divulgada em março, o Symbian deteve 47,1% do mercado em 2008. A situação foi melhor em 2007, quando atingiu 62,3%. Em seguida, estão as plataformas Research In Motion (BlackBerry), com 19,5%; Windows Mobile (Microsoft), com 12,4%; e MAC OS X (Apple/iPhone), com 10,7%. O Linux aparece na quinta colocação, com 8,4% - um crescimento de quase 20% em relação ao ano anterior.

Na época do lançamento da nova coleção de celulares com a tecnologia LiMo, o diretor executivo da fundação, Morgan Gillis, comentou que a união da indústria móvel em torno da plataforma endossa a visão de que “é possível criar um verdadeiro ecossistema móvel aberto, habilitado por um modelo de desenvolvimento colaborativo, justo e transparente”.

Uma iniciativa internacio­nal para melhoria do software livre montou base no Brasil. Idealizado em 2005 pela União Européia, o Projeto QualiPSo (Quality Platform for Open Source Software, na sigla em inglês), está formando uma rede mundial de centros de competência focados em qualidade de produtos open source.

O Brasil foi o primeiro país a colocar em operação um desses centros, em janeiro deste ano. O segundo foi a Espanha, onde o centro, com forte ênfase no setor de telecomunicações, é fruto de uma parceria entre a Telefônica e as universidades Rei Juan Carlos e Politécnica de Madri. A Alemanha implantou, em Berlim, o terceiro centro, vinculado ao instituto governamental de pesquisas Fokus, que recebe investimentos privados para desenvolvimento de projetos para empresas. Em 2009, deverão ser inaugurados ainda centros na Itália e na França; e, em 2010, na China.

A Universidade de São Paulo (USP) foi escolhida para abrigar os dois primeiros centros brasileiros – há previsões de mais um, na Bahia, sem data definida. Um desses centros, já em operação, fica no Instituto de Matemática e Estatística (IME). O outro, sediado pelo Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação, na unidade de São Carlos, deverá começar a funcionar ainda no primeiro semestre.

“Há cinco anos, acalentamos o sonho de organizar um núcleo de software livre no para agregar os trabalhos isolados, como produções acadêmicas, palestras etc.”, revela o professor Fabio Kon, do IME. Esse sonho se concretizou com o QualiPSo, conta. Está sendo construído um prédio exclusivo para o centro, com financiamento de um dos par­ceiros brasileiros do projeto, a Financiadora de Estudos e Projetos (Finep). Serão instalados oito laboratórios e dez salas para pesquisadores. Cerca de 20 pesquisadores receberão do QualiPSo, por dois anos, bolsas para cursos de mestrado e de doutorado, em valores equivalentes aos das bolsas concedidas pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).

Pesquisadores receberão do QualiPSo bolsas de mestrado e de doutorado

Independente do espaço físico, o QualiPSo no Brasil já existe e tem endereço, na internet – o portal do IME. O professor Kon explica que o grupo do IME envolvido no projeto está articulando, estimulando e dando visibilidade ao conjunto de iniciativas de software livre projeto. O conceito do software livre, exemplifica, já vem sendo objeto de atenção nos cursos de graduação e de pós-graduação da USP. Agora, sob a coordenação do QualiPSo, serão incrementadas ações como: cursos livres e gratuitos, abertos à comunidade; eventos temáticos como a Semana da Mobilidade, com foco em plataformas abertas, realizada pelo IME em 2008; palestras; compartilhamento de produção didática de professores e de alunos; compartilhamento de programas desenvolvidos por alunos ou por voluntários.

Para ser sustentáveis, projetos de Tics em políticas públicas precisam do apoio da população, conclui debate realizado no 5º Wireless mundi.

As tecnologias da informação e comunicação começaram a ser usadas por gestores públicos com o objetivo de ampliar a arrecadação. É cada vez maior, no entanto, o número de aplicações dessas tecnologias em áreas de políticas públicas sociais, como educação e saúde, principalmente nas prefeituras, que prestam 80% dos serviços públicos ao cidadão. Esses projetos dependem de recursos do orçamento e só são sustentáveis se seus benefícios forem percebidos pela população. Caso contrário, sua continuidade pode ser comprometida a cada mudança do poder Executivo.

Projetos baseados apenas na aquisição de equipamentos, sem aplicações reconhecidas pela população, ao melhorar sua qualidade de vida correm grande risco de desaparecer. Por isso, construir uma cidade digital não é apenas um evento. É um projeto que se estende ao longo do tempo, com a agregação de novos serviços, até que todo o governo eletrônico esteja voltado aos interesses dos cidadãos. Essas são algumas das conclusões possíveis a partir de experiências apresentadas durante o 5º Wireless Mundi, que reuniu, no dia 31 de março, gestores públicos e representantes de fornecedores de produtos e serviços para discutir políticas públicas e aplicações sociais a partir das TICs. O evento foi promovido pela Momento Editorial, que edita a revista ARede, e contou com participação de cerca de 160 pessoas.

O Brasil já evoluiu muito em termos de governo eletrônico, mas os gestores ainda têm como grande desafio aprender a organizar as informações de forma horizontal e não de forma vertical, para construir um governo único. Esta é a opinião de Florencia Ferrer, presidente da consultoria estratégia Pública. Ao atingir esse estágio, os governos poderão fazer uso de aplicações sem-fio e outras tecnologias que aproximem dos cidadãos. Florencia citou o governo de Minas Gerais como exemplo de uma administração que conseguiu avançar na organização horizontal.

Para alcançar a condição de Cidades Digitais Plenas, os municípios precisam repensar seus planos diretores, de modo a incorporar as TICs em seu desenvolvimento urbano. Devem ter na mira a total transparência das tecnologias, a integração e a replicação dos serviços públicos para os ambientes virtuais. A avaliação foi feita por Juliano Castilho Dall'Antonia, diretor de Inclusão e TV Digital do CPqD. Uma cidade digital é aquela que “melhora sensivelmente a qualidade de vida dos cidadãos pela incorporação das tecnologias da informação (TICs), sintetizou Edgardo Alfredo Pereira Sánchez, coordenador da Oficina Regional de Cidades Digitais da Associação Iberoamericana de Centros de Pesquisa e Empresas de Telecomunicações (AHCIET, da sigla em espanhol).

Um dos exemplos de serviço apresentados no evento foi o Emprega São Paulo, que usa internet e aparelhos móveis para auxiliar trabalhadores a encontrar vagas no mercado. O Emprega São Paulo, implementado pela Secretaria de Emprego e Relações do Trabalho do Estado (Sert), usa um sistema que cadastra via web o currículo dos candidatos e as vagas abertas pelas empresas, cruza os dados e envia mensagens de texto (SMS) para os candidatos, informando que existe uma vaga na sua área. Desde novembro de 2008, 41 mil pessoas foram colocadas, a partir do serviço, que conta com cerca de 424 mil vagas cadastradas.

Na área da Educação, a Secretaria da Educação do Rio de Janeiro está implantando um sistema para acompanhar a vida dos alunos nas 1.507 escolas públicas estaduais, a partir de 1,5 milhão de cartões eletrônicos. Todos os alunos foram cadastrados e vão receber esse cartões, por meio do qual vão registrar sua presença em aula, o consumo de merenda e o uso de transportes públicos. As escolas vão receber redes Wi-Fi (serão implantados 8 mil terminais) e serão interligadas à Secretaria de Educação com a conexão de banda larga que a Oi está implantando, por conta do programa de troca de metas de universalização. “O estado não tinha dados para fazer a gestão escolar e pedagógica”, explica Sérgio Mendes, superintendente de Tecnologia da Informação da Secretaria de Educação. “Com os cartões, vamos coletá-los”, completa.

Duas empresas mostraram sistemas para uso na área de saúde. Uma foi a MJV, que está desenvolvendo, com apoio da Finep, uma aplicação chamada Mobile Saúde. O conceito da aplicação segue uma tendência mundial, a de orientar o cidadão para que ele mesmo gerencie sua saúde, em tratamentos de doenças crônicas. O desenvolvimento da aplicação é um projeto de inovação da MJV, financiado pela Finep. A idéia é enviar torpedos para os pacientes, com informações que vão do alerta para tomar medicamentos e fazer exames até incentivo para a prática de medicina preventiva.

Já a Ecovec, empresa incubada na Universidade Federal de Minas Gerais, mostrou o M.I Dengue, um sistema de monitoramento da presença do mosquito Aedes Aegypti, causador da dengue. O sistema é composto por pequenas armadilhas para mosquitos (a um custo de R$ 200,00 a R$ 300,00 cada), com GPS, a serem vistoriadas pelos agentes de saúde.

No 5o. Wireless Mundi, foi lançada a segunda edição da revista Wireless Mundi. A revista traz um Guia de Aplicações e um Guia de Cidades Digitais, que reproduzimos aqui (Veja a página 32), porque pode ser útil para gestores de projetos que queiram conhecer essas experiências. O critério de seleção das cidades foi a interligação de todos os órgãos da prefeitura e a existência de pelo menos um ponto de acesso gratuito para os cidadãos.

CPqD inova em inclusão

Para promover efetiva­mente a inclusão digital, não basta oferecer computador com acesso à internet em banda larga. Essa é a visão do CPqD, apresentada no seminário “Novas Fronteiras da Inclusão Digital”, realizado no final de março. Para o Centro, a inclusão digital depende não só da oferta de acesso, mas também de tecnologias e ferramentas que facilitem o uso dos recursos do computador e, ainda, de conteúdos adequados e de interesse da população — como os serviços de governo eletrônico.

Foi com esse foco que nasceu o projeto Soluções de Telecomunicações para Inclusão Digital (STID), concebido e executado pelo CPqD para o Ministério das Comunicações. “Os objetivos são desenvolver serviços de e-gov que promovam a inclusão digital e conceber ferramentas e modelos de interação que permitam a usuários com baixo letramento e deficiências sensoriais ter acesso a esses serviços”, explicou Luiz Rolim, coordenador do projeto.

Os principais alvos do STID são os analfabetos, os idosos e os deficientes visuais e auditivos. Para atender esse público, os telecentros implantados pelo CPqD em duas cidades do interior paulista – Bastos e Santo Antonio de Posse –, que funcionam como campos de teste das tecnologias desenvolvidas, são equipados com recursos de acessibilidade como impressoras em braille, leitor de telas e teclado especial para deficientes visuais, além de identificação via reconhecimento facial.

O CPqD também desenvolveu uma interface de usuário destinada a facilitar o acesso e a utilização dos serviços nos telecentros. Essa interface está ganhando uma nova versão, batizada de STID-W, criada a partir das experiências e dos testes de usabilidade realizados em campo e também nos laboratórios do CPqD. Uma das novidades introduzidas, por exemplo, é o uso de cores para identificar os diferentes tipos de serviço. Outro recurso disponível é a síntese de voz, utilizada para “ler” para o usuário – em particular, os analfabetos e deficientes visuais – as opções apresentadas na tela do computador. Também são usados ícones, fotos e, para conteúdos mais longos, vídeos com legendas – destinadas a atender às necessidades de deficientes auditivos.

O projeto STID contempla, ainda, o desenvolvimento de aplicações para serviços de cidadania eletrônica. Duas delas, também desenvolvidas pelo CPqD, estão sendo utilizadas desde janeiro nos telecentros de Bastos e Santo Antonio de Posse – que têm, respectivamente, 80 e 74 usuários. Uma das aplicações é o Inclua Saúde, que permite ao cidadão agendar consultas e tratamentos médicos em várias especialidades utilizando o computador, nos telecentros ou nos postos de saúde (três deles, em cada cidade, estão interligados ao telecentro). O outro serviço é o Previdência Fácil, que fornece informações e ajuda os trabalhadores rurais e urbanos no processo para obter o benefício da aposentadoria.